(Correio Braziliense, 17/05/2016) Juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo, conselheira do Fundo Brasil de Direitos Humanos e faz parte do Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas
O crescimento do número de mulheres presas no Brasil é assustador. O aumento foi de 570% na última década e meia (de 2000 a 2014). De acordo com o último relatório do Infopen Mulheres (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), publicado pelo Ministério da Justiça, de 610 mil presos no país, 38 mil são mulheres, a maior parte presa por crimes não violentos, especialmente o tráfico de entorpecentes, na proporção de 68%. Enquanto os homens, em sua maioria, estão detidos por roubo.
No crime de tráfico, as mulheres exercem papéis menos relevantes. São as pequenas vendedoras as que realizam transporte de pouca quantidade de drogas. Nesse contexto, são as mais vulneráveis. O envolvimento delas na criminalidade relaciona-se com a sobrevivência, com a necessidade de manter o mínimo de subsistência para si e a família. Às vezes, como atividade única e, às vezes, para complementar a renda. A maioria das mulheres presas é chefe de família, pobre, com filhos pequenos, muitas são vítimas de violência doméstica. A cada três mulheres presas, duas são negras.
A exclusão a que são submetidas inclui a imposição de distância das suas famílias. Existem poucos estabelecimentos prisionais femininos, a maioria das presas está em estabelecimento misto. Normalmente, as prisões estão distantes das cidades de origem, e esse é mais um fator para o abandono. A prisão dessas mulheres causa danos pessoais, familiares e sociais.
É preciso fazer uma reflexão séria: Que benefícios trazem essas prisões? Quem se responsabiliza pelos filhos das presas? Que mulheres estamos prendendo? A que pode interessar essa política de massificação da prisão, que traz mais danos que benefícios?
Há muito dinheiro envolvido no tráfico de entorpecentes, mas onde estão os grandes traficantes? Em que banco colocam o dinheiro? São milhões e milhões que circulam e ninguém vê e ninguém apreende, porque propositadamente só prendem o elo fraco.
Hoje não há uma política séria de combate ao verdadeiro tráfico. As ações que existem são para enganar a população e prender massivamente os periféricos. Quando uma mulher é presa, outra chega para substituí-la no papel subalterno, rapidamente.
A política de combate às drogas está equivocada e começa a mudar internacionalmente. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente Barack Obama começou em 2015 a antecipar a soltura de milhares de presos. O país percebeu que os custos do sistema prisional são muito altos e o aprisionamento em massa não significa a diminuição do tráfico de drogas.
Sempre que possível, é necessário evitar o sistema prisional como resposta para um crime. Existem outras respostas mais eficientes. No Brasil, a sociedade, de uma forma geral, ainda não se deu conta do gasto enorme do encarceramento e dos danos sociais que perpetua. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem várias decisões de aplicação de penas alternativas para esses crimes, mas o fato é que cerca de 45% das mulheres estão cumprindo pena em regime fechado. O Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas, que atua desde 2001, e mais 200 entidades, defendem um indulto/comutação especial para o Dia Internacional da Mulher.
Na perspectiva histórica de política criminal, o indulto, que está previsto na Constituição brasileira, pode ser concedido a qualquer momento, sempre que o presidente da República entenda ser o melhor. Em geral, é concedido em momentos festivos, como o Natal, para pessoas que cumpram requisitos fixados pela Presidência, que podem ser o tempo de cumprimento da pena; a primariedade e outros. Obrigatoriamente, cada caso concreto tem que ser submetido ao Poder Judiciário.
Esse pedido está diretamente ligado à realidade das mulheres presas, que são a categoria mais vulnerável e ainda não têm políticas públicas específicas. Ainda há resistência para a concessão de indulto para crimes relacionados ao tráfico de drogas, em que pese não haver limitação constitucional.
Até o Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas existir, sequer tínhamos dados sobre as mulheres presas. Como é possível estabelecer políticas públicas sem saber os números? As mulheres não tinham direito às visitas íntimas. A reversão desse quadro foi uma de nossas primeiras conquistas. Também conseguimos visibilizar o problema do encarceramento de mulheres. É preciso muito mais. O indulto/comutação especial para o Dia da Mulher é uma medida urgente e um passo importante para que essa questão avance e para que se rompa com o plano de injustiça à que estão submetidas as mulheres encarceradas.