Ativistas relatam: pandemia exigiu reorganização política. Mas, apesar do isolamento, redes solidárias foram construídas – e o autocuidado tornou-se essencial. Agora, novo embate: defender o direito das mulheres nas eleições de 2022
(Outras Palavras | 08/11/2021 / Por Cfemea, na coluna Baderna Feminista)
Nos últimos dois anos estamos vivendo um momento de profunda tensão social, com aumento do desemprego, fome, pobreza, aprofundadas pela pandemia com anuência do governo de Jair Messias Bolsonaro. Momento esse agravado pelo luto coletivo de pessoas amadas, familiares, companheiras e amigas de luta e de vida. São mais de 600 mil vidas perdidas para a covid-19 e para o negacionismo intencional do governo federal.
Trata-se de um momento histórico sem igual, de aprofundamento de crises que tem escancarado as desigualdades e os abismos sociais que existem e persistem no Brasil. Em paralelo, também vivemos o autoritarismo embutido neste governo, que ameaça, ataca e criminaliza as lutas sociais e populares, legítimas e necessárias, como a luta das mulheres por direitos, contra as violências e retrocessos.
Olhamos alarmadas para o modo como as mulheres têm carregado o ônus da pandemia, invisibilizadas nesta tarefa aos olhos da sociedade, exaustas e exauridas pela falta de equipamentos sociais que diminuam os impactos do trabalho doméstico não remunerado e pela falta de políticas públicas de enfrentamento à violência, que tem vitimado dezenas de mulheres todos os dias nesse país.
O cenário de atuação política dos movimentos sociais nos últimos dois anos, onde a luta contra a ofensiva conservadora autoritária ultraliberal e os retrocessos nos direitos conquistados se somou à urgência do enfrentamento à pandemia, trouxe também o desafio de reinventarmos as nossas estratégias de militância e incidência política, respeitando o distanciamento social.
Neste período, os movimentos sociais feministas se reinventaram, criaram novas metodologias, processos de integração e fortalecimento da militância, tiveram que se reorganizar e atuar tanto para responder aos ataques cotidianos, como também para apoiar, acolher e fortalecer redes de solidariedade e ações de autocuidado e cuidado coletivo – que sustentam e fortalecem pessoal e politicamente as ativistas nas lutas de resistência e por transformação ecossocial.
“A pandemia impactou nas condições de vida das mulheres militantes, especialmente das mulheres de classes populares, negras, que vivem em condições materiais muito difíceis. Mas também afetou a todas nós em nossas condições subjetivas. A gente já vem num processo de perdas e impactos profundos desde o golpe de 2016. Depois, a eleição do Bolsonaro foi um golpe muito duro em todas nós. A pandemia, com o processo de medo, luto, de aviltamento das condições de vida dramáticas, também impactou fortemente a nossa militância. Impactou também nas condições de fazer a própria militância, na medida em que tivemos que ir para o distanciamento social e gerar novas formas de atuação, metodologias, para nos mantermos vinculadas internamente, atuando sobre a conjuntura a partir da virtualidade. Tudo isso foi um desafio, foi uma grande aprendizagem que foi necessária e um grande esforço coletivo para sustentarmos cada uma de nós e a nós mesmas”, ressalta Verônica Ferreira, que integra a coordenação nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
A partir do nosso lugar de atuação política, a AMB, resgatamos aprendizagens e processos feministas que sempre nortearam a organização da luta coletiva das mulheres: escuta, rodas de conversas, acolhimento, redes solidárias de suporte para mulheres vivendo em situação de violência doméstica, com suas condições materiais de vida agravadas por falta de trabalho e apoio assistencial.
Além disso, nos reorganizamos para realizar processos de formação política, para refletirmos juntas sobre o difícil cenário político, os impactos nas lutas que travamos coletivamente pelo fim da violência racista, do genocídio contra os povos indígenas e a juventude negra periférica, pelo fim do feminicídio, por nossos direitos sexuais e reprodutivos em constante ameaça com o desmonte de serviços públicos, e por justiça socioambiental.
Neste contexto de adversidades, mas também de luta, a AMB reunirá cerca de 200 mulheres, em cinco encontros neste mês de novembro, para refletir e discutir a conjuntura política, econômica e social do país, mas também os cenários possíveis que se apresentam neste momento de pré-campanha eleitoral. “A realização de uma plenária nacional sob um contexto de crise humanitária nos parece fundamental para reorganizar nossas forças para seguir adiante. Juntas vamos refletir sobre os impactos da conjuntura em cada uma de nós, bem como no conjunto do movimento para reorientarmos nossas lutas prioritárias diante da conjuntura, reforçando a importância da manutenção do elo entre nós, da força coletiva do cuidado como elemento fortalecedor de nosso ativismo”, afirma Natalia Mori, integrante da coordenação nacional da AMB.
A AMB, bem como os demais movimentos de mulheres autônomos e suprapartidários que incidem para a incorporação das lutas sociais na agenda política institucional do país, terá o desafio de defender os direitos das mulheres como pauta prioritária no debate eleitoral de 2022, num contexto onde a cultura política do país envolve rifar os direitos das mulheres nas negociações e acordos entre os partidos e sujeitos políticos que pretendem ocupar ou se manter nos espaços institucionais de poder através das eleições.
Se são candidatas, as mulheres padecem nos cenários de disputa política machista e sexista, como temos visto a cada dia atos de violência política contra mulheres eleitas. Se são eleitoras, padecem na cena política com discursos fundamentalistas e também sexistas, mas sobretudo com as consequências da eleição de personagens fatídicos, como Bolsonaro, que impõem uma agenda antidireitos, patriarcal, misógina e que atenta a todo momento contra a democracia.
“Temos que pensar nossas estratégias considerando tanto o percurso até as eleições, e como nós, como movimento feminista autônomo e antissistêmico, vamos atuar nesse contexto para que o cenário eleitoral não signifique um arrefecimento da luta feminista, sobretudo diante do que significa enfrentar a extrema direita sem que a agenda libertária das mulheres seja retirada de cena, como já vivemos num passado bem recente. Esse é um grande desafio – manter resistência, acumular forças como movimento feminista e no conjunto dos movimentos feministas da esquerda para que possamos enfrentar os cenários que virão, que podem ser um pouco mais favoráveis, ou ainda mais dramáticos para nós. Sejam quais forem os cenários, a gente precisa ter muita força acumulada, e construir estratégia para isso”, aponta Verônica Ferreira, da coordenação nacional da AMB.
Ressaltamos, há anos, a necessidade de denunciar a ação conservadora e fundamentalista na política e na sociedade brasileira, que nos impõe uma profunda regressão de direitos e o recrudescimento das injustiças, desigualdades e violências cotidianas sobre as mulheres.
“O grande desafio dessa conjuntura é a gente, frente à força do bolsonarismo no sistema político e na sociedade, poder ter a capacidade de construir estratégias que dialoguem e que enfrentem as raízes do crescimento da extrema-direita, do fundamentalismo. Fazer isso no diálogo com as mulheres, nas lutas de resistência nos territórios, mas também nas lutas nacionais. Este desafio compreende também buscar entender, captar e atuar sobre aquilo que sustenta o bolsonarismo, os valores que alavancam o fundamentalismo na sociedade. Incidir sobre isso. Esse é o grande desafio de todos os movimentos sociais nesse momento, de todas as forças políticas que estão atuando para transformar esse mundo, e é também, portanto, o desafio da AMB”, destaca Verônica Ferreira.
Liliane Brum, também integrante da coordenação nacional da AMB, aponta que a primeira plenária virtual reunindo ao menos metade das militantes é um grande desafio. “Decidimos realizar essa plenária virtual, sabendo dos desafios que temos nesse formato. O que nos move para essa plenária é olhar para nós, olhar para a militância, para o movimento AMB, como está organizado e como a gente pode fortalecer as nossas lutas, a nossa estratégia geral”.
A força coletiva das mulheres é fundamental para resistir e seguir sobrevivendo, nos mantendo vivas e lutando para barrar este governo genocida, feminicida, racista, da necropolítica. E, como afirma Graça dos Santos, da coordenação nacional da AMB, temos juntas de atuar para derrubar este governo! Faz muito tempo que assumimos o desafio de transformar o mundo pelo feminismo na Articulação de Mulheres Brasileiras. E neste momento intenso de lutas, nós, mulheres, resistiremos!
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