Como seguir em frente e realizar as atividades mais corriqueiras após um trauma que acomete especificamente as mulheres? Buscamos entender como viver com o medo e com as cicatrizes deixadas por episódios de assédio ou importunação sexual
(Marie Claire | 12/11/2021 / Por Anna Carolina Lementy)
A banalidade do assédio – olhares, ruídos maliciosos, frases permeadas pelo discurso sexual – quase nos leva a acreditar que é assim mesmo. De tão frequente, esse tipo de comportamento em relação à mulher é considerado um traço cultural da sociedade brasileira e, não fosse por conta de mais informação, de campanhas massivas e de eventuais punições (ainda que insuficientes para o tamanho do problema), estaríamos fadadas à repetição dessa violência cotidiana.
No entanto, embora hoje seja possível tratar desse tema publicamente, há uma repetição que não cessa: a do trauma.
Quando tinha 18 anos, Ana Gabriela Santos Prado, estudante de psicologia em São Paulo, voltava de ônibus da casa de uma amiga. “Eu estava de shorts e um cara começou a me encoxar. Fiquei em choque, não estava acreditando que aquilo estava acontecendo. Eu não fiz nada, o que me dá raiva. Quando cheguei em casa, só queria chorar”, lembra.
Desde então, Ana, hoje com 21 anos, não consegue mais usar shorts na rua. Só sai de calça, acompanhada e evita transitar em via pública durante a noite.
“Tenho medo de alguém me pegar e fazer alguma coisa. Peço para o meu pai me levar a todos os lugares, mesmo que seja logo ali. Quando fico no ponto de ônibus, também peço para ele ficar de olho porque sempre penso que vai passar alguém em um carro e me colocar para dentro. Uber sozinha nunca peguei e nem vou pegar, por conta dos relatos de amigas próximas, das coisas que leio na internet. Tenho medo de, na hora, não conseguir reagir e me defender. Quando minhas amigas marcam alguma coisa à noite, sempre peço para que seja de dia, afinal existe mais gente na rua e me sinto mais segura.”