(Demétrio Weber, Cássio Bruno, Letícia Lins e Marcelle Ribeiro, de O Globo) Embora o Ministério da Educação (MEC) anuncie que já entregou 633 creches e pré-escolas desde o lançamento do ProInfância, programa que pretende construir 8,9 mil unidades até o fim de 2014, o número real é bem menor. O MEC diz não saber quantas creches efetivamente estão em funcionamento, já que a gestão, após o término das obras, cabe às prefeituras. Mas um balanço do próprio MEC revela que, até o mês passado, só 221 unidades estavam 100% prontas. Se forem consideradas outras 37 que apareciam com pelo menos 99% de execução — caso do estabelecimento de Angra dos Reis, inaugurado em janeiro pela presidente Dilma Rousseff e pelo então ministro Fernando Haddad —, o total sobe para 258.
As 221 creches completamente prontas correspondem a 5% das 4.035 obras aprovadas pelo MEC desde 2007, quando o programa foi lançado. O número divulgado pelo ministério é maior porque inclui obras que superaram a marca de 80% de execução física, mesmo não finalizadas. O controle do MEC é feito com base na liberação da última parcela do cronograma de repasses. E a derradeira liberação de verbas ocorre quando a construção atinge os 80%.
Em nota, o MEC diz não saber o número de unidades abertas, já que cabe às prefeituras tocar as creches. “A princípio, todas as 633 podem estar em funcionamento. Caso alguma não esteja, se deve a uma circunstância localizada”, afirma. O MEC sustenta ainda que creches com menos de 100% de execução estão aptar a matricular alunos: “As escolas podem começar a atender crianças quando a empreiteira entrega a obra para a prefeitura. Isso não significa necessariamente que a supervisão da obra esteja em 100%. Muitas obras com percentual abaixo dos 100% estão concluídas e em funcionamento.”
Não é o que ocorre em Anápolis (GO), a 50 quilômetros de Goiânia, onde só uma creche financiada pelo ProInfância funciona. A unidade, construída no bairro Residencial das Flores, aparece com 80,12% de execução física, mas está longe de poder receber crianças. Na quarta-feira, quando o GLOBO foi ao local, cerca de 25 operários trabalhavam no prédio. Faltava assentar os pisos interno e externo, terminar a pintura e instalar a caixa d’água.
Uma placa do governo federal na frente do terreno informava que o término estava previsto para 3 de novembro do ano passado, ao custo de R$ 1,19 milhão. O convênio foi assinado em 2009. O mestre de obras Nivaldo Paulo Cardoso disse que o prazo foi prorrogado para 27 de abril, embora ele pretenda encerrar o serviço no fim de março.
— O que está pesando é a caixa d’água — afirmou Nivaldo.
Mesmo que a conta do MEC estivesse correta, e as 633 unidades já funcionassem, o ritmo do programa continuaria lento, avalia a coordenadora-geral de Educação Infantil do ministério, Rita Coelho.
— Seiscentas também é bem devagar — diz Rita.
No Adriana Parque, outro bairro de Anápolis, a desempregada Priscilla Vieira já passou madrugadas na porta de uma creche, em busca de vaga para a filha. Nunca foi atendida. Aos 19 anos, diz não ter com quem deixar a menina. Resultado: não trabalha nem estuda. Priscilla é vizinha do terreno onde está sendo erguida uma creche e pré-escola do ProInfância.
A exemplo do que ocorre em todo o país, porém, a obra está atrasada. Com apenas 46% de execução, ela não consta na lista de concluídas do MEC. O convênio também foi assinado em 2009.
— Meu medo é que minha menina nem vá precisar mais de creche, quando esta ficar pronta — disse Priscilla na última quarta-feira, ao passar diante da construção, ao lado da filha Fernanda, de 4 anos.
Passos de tartaruga não são novidade no ProInfância. As unidades são financiadas pelo MEC, mas a construção fica sob responsabilidade das prefeituras. Cada estabelecimento oferece creche e pré-escola. O Palácio do Planalto teme não cumprir a promessa de Dilma de abrir pelo menos seis mil novas unidades em seu mandato. O MEC estima que o atual déficit no Brasil é de 19.766 creches e pré-escolas.
A educação infantil foi historicamente negligenciada no Brasil. Só depois da criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em 2007, é que essa etapa passou a receber maior atenção, ao ganhar uma fonte específica de financiamento para o atendimento em creches e pré-escolas. O ProInfância foi lançado neste mesmo ano, no maior programa já concebido pelo governo federal para suprir as carências do setor.
A falta de vagas no Brasil é crônica. O censo do IBGE mostra que, em 2010, apenas 23,6% das crianças com idade até 3 anos frequentavam creches. Na pré-escola, eram 80%. O público não atendido na faixa de 0 a 5 anos era de 9,5 milhões de crianças.
Em Formosa (GO), na divisa de Goiás com o Distrito Federal, o eletricista João Braz Rodrigues tenta uma vaga para o neto Eduardo, de 2 anos. A mãe do menino é sua filha e está desempregada. Sem ter com quem deixar a criança, ela não pode trabalhar.
— Minha filha me pediu pelo amor de Deus. Ela quer trabalhar — disse o eletricista na última quinta-feira.
Funcionário da prefeitura, ele foi à sede da Secretaria municipal de Educação de Formosa. Queria matricular o neto no Centro Municipal de Educação Infantil Maria Aparecida Hamu Opa, o único do ProInfância em funcionamento no município. Saiu sem a vaga.
O ProInfância prevê investimento federal de R$ 7,6 bilhões até 2014. O MEC fornece o projeto arquitetônico, paga a construção, os móveis e eletrodomésticos. A prefeitura dá o terreno.
Antes do PAC-2, o ProInfância era tocado por meio de convênios com prefeituras. De 2007 a 2011, foram assinados 2.528. Desde o ano passado, o MEC firma termos de compromisso. Já foram celebrados 1.507 termos, mas nenhuma unidade ficou pronta no primeiro ano do governo Dilma. Estão previstos mais 4.920. Se todos forem assinados e executados no prazo, assim como os convênios, o país terá 8.955 creches e pré-escolas até 2014 — 6.670 contratadas no governo Dilma.
No Rio, unidades estão fechadas
No último dia 18 de janeiro, o sonho dos moradores da comunidade carente Morada do Bracuí, em Angra dos Reis, no Sul Fluminense, parecia ter virado realidade. Afinal, a presidente Dilma Rousseff foi pessoalmente inaugurar a promessa de campanha mais aguardada naquela região: a creche Centro Municipal de Educação Infantil Júlia Moreira da Silva. A expectativa de pais e mães, porém, acabou junto com o fim da solenidade. O espaço nunca funcionou.
Em Tanguá, na Região Metropolitana, o prefeito Carlos Pereira (PP) promoveu show de música gospel para inaugurar a creche Oziris Rodrigues da Silva. Enviou até convites do evento aos moradores com o nome do secretário municipal de Educação, Rodrigo Medeiros, pré-candidato a prefeito do município pelo PP nas eleições deste ano, com o apoio de Pereira. O local, no entanto, jamais foi aberto ao público.
As duas creches foram construídas pelo ProInfância. Previstas para serem entregues em agosto do ano passado, as obras sofreram atraso. Em Angra dos Reis, a unidade recebeu investimento de R$ 1,9 milhão, sendo R$ 1 milhão da prefeitura e R$ 900 mil do governo federal. Já em Tanguá o projeto custou R$ 1,4 milhão, mas Medeiros não soube informar o valor da contrapartida do município.
Acompanhada do governador Sérgio Cabral e do então ministro da Educação, Fernando Haddad, atual pré-candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Dilma brincou com as mães e com as crianças que participaram da inauguração. A presidente também elogiou Haddad, a quem chamou de um dos “grandes ministros”. A creche deveria atender cerca de 250 crianças, entre 6 meses a 5 anos. Mas, de forma improvisada, a prefeitura de Angra dos Reis abrigou no local alunos da Escola Municipal Morada do Bracuí, que está em obras.
— Não matriculei meus filhos porque sou vendedora ambulante e não tenho como comprovar a renda. Estamos esperando a creche ser aberta. A Dilma veio, inaugurou, só que, na prática, não está funcionando — diz Graciane Kely Pereira Mateus, de 21 anos, mãe de três crianças.
A empregada doméstica Silvana Paula Cândido, de 27 anos, conta que alguns moradores da Morada de Bracuí pagam até R$ 70 em creches particulares. Sem dinheiro, Silvana parou de trabalhar para cuidar do filho Fábio, de 4 anos.
— É um absurdo. Não sabemos mais o que fazer. Já reclamamos muito. Nada foi feito — afirma Silvana.
Em Tanguá, a sala de informática da creche Oziris Rodrigues da Silva estava sem computadores até quarta-feira passada. A placa do governo federal, com as informações sobre as obras, estava jogada no terreno baldio ao lado. O espaço era para atender 350 crianças com idades entre 6 meses a 4 anos. Com o convite da inauguração nas mãos, a dona de casa Franciane Nunes da Silva, de 26 anos, lamenta:
— Estive na Secretaria de Educação antes do carnaval e eles ficaram de me ligar. Até agora, contato zero.
Rodrigo Medeiros diz que o atraso na obra foi porque, inicialmente, o ProInfância liberou R$ 700 mil para a construção da unidade. Segundo ele, a verba foi insuficiente. Ele informa que o local começará a funcionar amanhã. Em nota, a prefeitura de Angra avisou que a previsão é que a creche seja aberta em um mês.
Nas creches já inauguradas, horário integral e um professer em cada sala
ANÁPOLIS e FORMOSA (GO), SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE e SURUBIM (PE), ITU e TATUÍ (SP) – O centros de educação infantil do ProInfância que já começaram a funcionar são disputados pelos pais e recebem elogios. Além de prédios amplos e limpos, com banheiros infantis separados por turma e faixa etária, eles servem até quatro refeições diárias e podem funcionar em horário integral. Cada sala tem uma professora e uma auxiliar de educação.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) fornece dois modelos padronizados de projeto arquitetônico para 120 e 240 crianças. Existe a opção de reduzir o número de alunos, caso a prefeitura opte por atender as crianças em horário integral. É assim que funcionam as duas unidades do ProInfância já inauguradas em Anápolis e Formosa, em Goiás.
Em Anápolis, a creche foi batizada de Zilda Arns e atende 138 crianças, a maioria em horário integral, com entrada às 7h e saída às 17h, podendo ir até as 18h. Nas oito salas, ilustrações com números e letras são coladas nas paredes. As crianças ouvem histórias, desenham, pintam, brincam com massinha e escrevem.
— Nosso lema é ensinar brincando — resume a diretora Sandra Costa.
Secretária de Educação de Anápolis, Virgínia Maria Pereira de Melo é uma entusiasta do modelo. Ela admite demora no início das obras, mas diz que a experiência dos últimos anos permitirá acelerar a execução do programa. A meta é ter 25 unidades do ProInfância até 2014.
Virgínia conta que um dos convênios ainda não saiu do papel porque a primeira e a segunda empresas contratadas por licitação desistiram da obra.
Em Formosa, o Centro Municipal de Educação Infantil Maria Aparecida Hamu Opa chegou a ser inaugurado em janeiro de 2011, mas só começou a funcionar em setembro. A secretária de Educação Ione Magalhães Antonini diz que a demora foi causada por supostas falhas apontadas pela vistoria do MEC. Depois, o Tribunal de Contas dos municípios de Goiás teria impedido a contratação de profissionais de apoio, por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal.
— Estava com a creche inaugurada, mas não tinha servidores para trabalhar. É uma linha de duas mãos de culpas. Hoje ninguém nos pega mais — diz Ione, prometendo maior celeridade na construção de três unidades.
Ana Paula Costa do Nascimento, de 3 anos, gosta tanto da creche do ProInfância em Formosa que chora na hora de ir embora. O pai, José Durval Costa, de 55 anos, conta que a menina faz questão de acordar cedo para ir de manhã:
— Ela adora.
Para a empregada doméstica Greice Kelle Sousa Porto, de 20 anos, que leva e busca o filho de bicicleta, a creche é o que permite que ela trabalhe:
— Sem, não ia ter como.
Em duas creches, 590 crianças atendidas
Construídas com verbas federais em parcerias com as prefeituras a custos superiores a R$1 milhão, as creches das cidades de Santa Cruz do Capibaribe e Surubim, ambas no Agreste, estão praticamente concluídas, segundo o relatório do MEC. No entanto, as creches Terezinha Figueiroa de Siqueira, em Santa Cruz, e Maria Isabel ainda não estão recebendo as 590 crianças já matriculadas. Mas as secretarias de Educação dos dois municípios asseguram que até o final da primeira quinzena deste mês os dois estabelecimentos entram em operação. Na Terezinha Figueiroa, a mobília está instalada e até a despensa já está abarrotada de alimentos não perecíveis.
— Vamos receber 290 alunos e só aguardamos a chegada de 300 brinquedos educativos, livros e computadores para o laboratório de informática — conta a diretora Mônica Miriam Gonçalves de Araújo, que semana passada administrava curso de capacitação para os 47 funcionários, enquanto uma nutricionista ensinava as merendeiras a preparar o alimento do bebês.
Na creche Maria Isabel, em Surubim, que o MEC também classificou como praticamente concluída, o mato já exige poda. Secretaria de Educação do município, Maria Berenice Pessoa conta que a unidade já recebeu os brinquedos, mas aguarda os computadores e os livros, que estão em processo de licitação. Ao todo, 300 crianças entre 0 e 4 anos estão matriculadas.
Em SP, unidades ainda sem computadores
Em São Paulo, duas creches construídas com recursos do ProInfância e visitadas pelo GLOBO estão funcionando. Porém, cada unidade deveria ter sete computadores, mas eles ainda não chegaram. E começaram a funcionar meses após a inauguração, devido à demora no realocamento de funcionários.
As salas onde ficariam os computadores da Creche Municipal Sérgio Camilo Daccache, em Itu, e da Escola Municipal de Educação Infantil Arthur Avalone, em Tatuí, estão trancadas ou são um depósito. No caso de Tatuí, com 126 crianças, a prefeitura diz que não comprou os computadores porque a obrigação não constava no convênio com o MEC e que espera resposta do ministério sobre serem entregues pelo ProInfo. Mas diz que, se preciso, comprará os equipamentos.
Na creche de Tatuí, que atende 152 alunos, há 58 colchonetes, o que obrigou a direção a criar dois horários para o descanso das crianças. Em Itu, a creche, inaugurada há um ano, começou a funcionar em maio de 2011.
MEC anuncia 633 unidades do ProInfância, mas só entrega 221 (O Globo – 04/03/2012)
Creches inauguradas têm horário integral e um professor por sala (O Globo – 04/03/2012)
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