Militantes explicam a perspectiva do feminismo camponês e popular e sua construção nos processos de organização da Via Campesina
(Iridiani Graciele Seibert, Lizandra Guedes e Kelli Mafort/Capire) Antes do surgimento do feminismo – como um movimento social, político e cultural no século XIX –, as mulheres já organizavam distintas formas de resistência diante das imposições dominantes das sociedades de classes, e muitos foram os processos de enfrentamento a esses sistemas societários. É desse legado histórico que surge o feminismo, e muitos movimentos feministas foram criados com o avanço das lutas das mulheres por sua emancipação, vinculados a diferentes correntes teóricas e políticas.
Na perspectiva do feminismo das trabalhadoras, e, portanto, de luta por emancipação humana, estamos construindo o feminismo camponês e popular – com identidade e revolucionário. Suas bases estão estruturadas a partir de uma análise da realidade do campo em nível mundial, que identifica elementos comuns em toda parte onde atuamos como CLOC-Via Campesina: a apropriação e especulação sobre os bens naturais pelas empresas transnacionais, a padronização das commodities agrícolas e minerais como modelo hegemônico no campo e o forte aparato do Estado, subsidiando o capital, com financiamentos públicos, perdão de dívidas e um amplo arcabouço jurídico/ institucional. Tais questões impedem avanços concretos na democratização do acesso à terra, na reforma agrária, na demarcação de territórios indígenas, no reconhecimento de territórios camponeses e quilombolas e em uma plataforma de políticas públicas voltadas para o fortalecimento da pequena agricultura, e em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas.
As mulheres do campo têm desenvolvido um processo de resistência e lutas frente a esse modelo, e a maior expressão disso ocorre nas ações do 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, tal como a ação protagonizada pelas mulheres da CLOC-Via Campesina Brasil, em 2006, um marco histórico que teve como simbologia a destruição de mudas de eucalipto nos viveiros da empresa Aracruz Celulose.
Feminismo, agroecologia e soberania popular
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês), as mulheres rurais são responsáveis por mais de 45% da produção de alimentos no Brasil, chegando a 80% em outros países da América Latina e Caribe. O seu empoderamento, além de promover maior justiça social, poderá garantir a segurança alimentar do planeta e ampliar em 30% a produção agrícola. No entanto, apesar desse evidente protagonismo das mulheres na agricultura e na alimentação, elas e as crianças são as maiores vítimas da fome e somente 20% delas cultivam em suas próprias terras.