Nota de apoio ao arquivamento do inquérito policial e de representação protocolada na OAB/SC para investigar a legalidade da atuação de advogadas em favor de uma menina que buscava garantir o seu direito ao abortamento legal

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22 de junho, 2023

Nós, organizações e pessoas que assinam a presente nota, nos manifestamos pelo arquivamento do inquérito policial e de representação protocolada na OAB/SC para investigar a legalidade da atuação das advogadas, Daniela Félix e Ariela de Melo Rodrigues, em favor de uma menina de 11 anos que buscava garantir o seu direito ao abortamento legal em Santa Catarina.

Na última terça-feira, 20 de junho, o jornal The Intercept Brasil em conjunto com o Portal Catarinas publicaram uma reportagem em que descreviam recentes acontecimentos que caracterizam violação dos direitos humanos e das prerrogativas de Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues, advogadas inscritas no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina. As violações vivenciadas pelas advogadas se dão por sua atuação na defesa dos direitos humanos de meninas e mulheres, em um contexto de criminalização do direito ao aborto legal e perseguição a profissionais que defendem esse e outros direitos sexuais e reprodutivos. Esse caso é exemplo real do risco que correm todas as defensoras que atuam em temas tão fundamentais como esse.

Em 2022, Daniela e Ariela atuaram como advogadas no caso de uma criança de 11 anos, residente no estado de Santa Catarina, que, grávida em decorrência de estupro de vulnerável, buscava ter acesso ao direito ao aborto legal. Apesar de preencher os requisitos legais para o procedimento, a menina enfrentou diversas violências para acessá-lo.

Uma dessas violências foi denunciada pelos veículos The Intercept Brasil e Portal Catarinas, em reportagem publicada no dia 20 de junho de 2022. Segundo a reportagem, uma juíza e uma promotora, durante audiência judicial destinada a discutir a manutenção de medida de acolhimento institucional da menina, tentaram dissuadir a menina a realizar a interrupção da gestação, mesmo que ela e sua mãe concordassem com a realização do aborto legal. . A reportagem exibia trechos da audiência judicial que revelavam a conduta inadequada das autoridades judiciais.

A denúncia das violências institucionais e do constrangimento sofridos pela menina foi fundamental para cessar a sequência de violações que ela vinha sofrendo. A indignação da sociedade  permitiu com que a menina finalmente pudesse acessar o procedimento.

No entanto, a denúncia também desencadeou uma tentativa de criminalização das pessoas envolvidas  na garantia dos direitos da menina, dentre elas os profissionais de saúde, as jornalistas que assinam a reportagem e as advogadas que atuaram no caso.

Em julho de 2022, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) aprovou a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar supostos crimes cometidos por profissionais que atuaram no caso, ainda que os requisitos constitucionais e regimentais para abertura do procedimento, de natureza excepcional, não estivessem sendo cumpridos.

No relatório final da CPI, os profissionais de saúde, advogadas e jornalistas foram acusadas pela ALESC de compor “organização criminosa” que fomenta a prática do crime de aborto. Sabe-se que a lei autoriza, independente  da idade gestacional, que o aborto seja assegurado livremente a meninas e mulheres nos casos de violência sexual, risco à vida e anencefalia (vide ADPF 54).

Após um ano de sua atuação no caso, tivemos conhecimento de que as perseguições às profissionais não se encerraram com a instauração da CPI.

Nova reportagem do jornal The Intercept e do Portal Catarinas expôs que Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues são investigadas e foram indiciadas em inquérito policial em trâmite perante a Polícia Civil de Tijucas (SC), para apurar possível prática do crime de violação de sigilo profissional.

O inquérito foi instaurado a partir de denúncia anônima realizada pelo Disque 100 de evidente viés ideológico, em que se requer que se apure: (i) eventual violação do segredo de justiça, em razão da divulgação dos vídeos da audiência, (ii) possível responsabilidade do The Intercept pela divulgação do caso e (iii) eventual responsabilidade cível e criminal da equipe médica. Tal denúncia foi realizada a despeito da legalidade do aborto, garantido com respaldo do Ministério Público Federal, após expedição da Recomendação nº 19/2022– GABDCE – PR/SC – MPF em 22 de junho de 2023.

Além disso, também foi apresentada uma representação perante a Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB/SC) para investigar a atuação de Daniela como advogada da criança que teve seu acesso ao abortamento legal negado.

Por meio da representação, a Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto em Defesa da Vida, a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Família e a Deputada Estadual Ana Carolina Campagnolo, requereram a instauração de processo disciplinar em face de Daniela Felix, para verificar possível violação de seus deveres profissionais previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94) e no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como a prática de infrações criminais, dentre elas a violação de sigilo profissional e provocação de aborto por terceiros, sem consentimento da gestante (art. 125, do Código Penal).

Todas as estratégias descritas acima – instauração de inquérito policial, a Representação protocolada perante a OAB/SC – não possuem qualquer embasamento jurídico. Não há qualquer prova ou embasamento, sob os critérios da legalidade e da razoabilidade, que justifiquem a instauração de investigação criminal, tratando-se meramente de conjecturas infundadas voltadas para a instrumentalização de instituições do Estado e da justiça criminal para fins de perseguição ideológica e de restrição de direitos já garantidos pela legislação brasileira.

A representação em trâmite perante a OAB/SC sequer preenche os requisitos de admissibilidade previstos no art. 57 do Código de Ética e Disciplina da OAB, já que apenas a narração dos fatos não permite verificar a existência, em tese, de infração disciplinar.

O que há, na verdade, é uma narrativa que busca criminalizar o acesso ao aborto legal. Não se pode permitir, nesse contexto, a criminalização das advogadas Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues tão somente por terem atuado no caso e defenderem os direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres.

Os fatos narrados apenas evidenciam que o verdadeiro interesse tanto da instauração de CPI, como da instauração do inquérito policial e da representação junto à OAB/SC, é o da perseguição através da criminalização da advocacia na defesa dos direitos humanos, dentre os quais figuram os direitos reprodutivos. Autoridades que promovem e  impulsionam esse tipo de perseguição atuam, ao invés de garantir o acesso a direitos, de forma a impedir o cumprimento da lei.

A Constituição Federal de 1988, bem como o Código de Ética e Disciplina da Advocacia, assegura que advogadas e advogados são invioláveis por seus atos no exercício da profissão. Trata-se de garantia fundamental à efetivação da justiça, de modo que os intentos contra Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues representam risco não apenas à sua atividade individual na defesa dos direitos humanos, mas ameaçam todas defensoras e defensores que atuam em temas tão fundamentais quanto os direitos reprodutivos de meninas e mulheres, ainda escassamente garantidos no país.

A publicidade das condutas da juíza e promotora, Servidoras Públicas sujeitas às regras de suas Instituições e da Administração Pública, que foram evidenciadas pela matéria jornalística, em hipótese alguma poderia fundamentar qualquer punição às advogadas, não apenas pela ausência de indícios de que tenham contribuído para o acesso da imprensa às imagens, mas também pela preservação da identidade da criança e atuação em favor da garantia de seus direitos. Novamente, não há que se falar na existência de conduta ilícita, cuja responsabilidade deve ser apurada.

A divulgação das condutas violadoras praticadas durante a audiência atendem ao interesse público, já que expuseram os obstáculos ao acesso à justiça com os quais outras meninas e mulheres vítimas de violência sexual, além de defensoras e defensores de direitos humanos, podem se deparar. Entendimento contrário significa acatar que mecanismos de proteção às vítimas sejam utilizados para blindar a conduta de agentes do Estado do controle social e cercear a liberdade de imprensa, impedindo a atividade jornalística e a divulgação de fatos de interesse público.

Nesse sentido, exigimos que o inquérito policial e a representação em trâmite na OAB/SC sejam arquivados por violarem direitos de advogadas defensoras de direitos humanos que estavam atuando tão somente nos estritos limites legais, garantindo o direito de acesso de uma criança vítima de estupro à interrupção de uma gestação, nos exatos termos da lei.

Assinam esta manifestação:

  1. Cravinas
  2. Anis – Instituto de Bioética
  3. Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde
  4. Associação Portal Catarinas
  5. Campanha Nem Presa Nem Morta
  6. Coletivo Margarida Alves
  7. Cladem Brasil
  8. Ipas
  9. Artemis
  10. Instituto de Estudos de Gênero da UFSC
  11. Católicas pelo Direito de Decidir
  12. Movimento de Mulheres Camponesas
  13. TRANSES -UFSC
  14. UFPR
  15. #MeRepresenta
  16. Acontece Arte e Política LGBTI+
  17. Criar Brasil
  18. CPM/UBM Goiás
  19. Weissheimer & Ceni Sociedade de Advogadas
  20. Assentamento Comuna Amarildo de Souza
  21. Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, seccional Paraná
  22. Laboratório de Estudos de Gênero e História – LEGH – UFSC
  23. MMC
  24. Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – ReHuNa
  25. Diversas feministas/MSV
  26. Coletivo Derlei De Luca por Memória, Verdade e Justiça
  27. Mara Mello Advogados
  28. Veredas – Estratégias em Direitos Humanos
  29. AbortionData
  30. Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
  31. Cooperativa de Trabalho Comunicacional Sul
  32. Instituto Gentes de Direitos- IGENTES
  33. Rede Feminista de Juristas – deFEMde
  34. Regina Helena Carneiro de Mendonça
  35. Movimento Feminista da Diversidade
  36. Movimento Negro Unificado Núcleo Campo Grande
  37. Núcleo de Antropologia do Contemporâneo (TRANSES) – UFSC
  38. Fórum de Mulheres do Mercosul capítulo Brasil seção Lages
  39. Movimento de Meninos e Meninas de Rua de Goiás
  40. Marcha Mundial das Mulheres – núcleo de Lages SC
  41. Sinergia
  42. Movimento de Meninos e Meninas de Rua de Goiás
  43. Coletivo Puta Davida
  44. Instituto Marielle Franco
  45. Frente Mineira Legaliza pela Legalização e Descriminalização do Aborto
  46. Coletivo LGBT + do Gres Diversidade
  47. Querela Jornalistas Feministas
  48. Elas por Elas Vozes e Ações das Mulheres
  49. Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
  50. CEPIA
  51. Borges & Eleutério Advocacia
  52. SINTE Regional Joinville
  53. Conselho Local de Saúde do Bairro Jardim Paraíso em Joinville
  54. Renfa
  55. GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
  56. CUT Central Única dos/as Trabalhadores/as
  57. Movimento Popular de Saude (MOPS) Campinas
  58. FRETE FEMINISTA 8M
  59. SINTECT SC
  60. Marcha Mundial das Mulheres
  61. Articulação Negra de Pernambuco
  62. Grupo de pesquisa Epistemologias Afetivas Feministas (EAF)
  63. Bike Polo Floripa
  64. Luciana Laudares Faria Alvarenga
  65. Revista Bá
  66. Movimento Parem de nos matar
  67. Cia da Hebe Associação de Arte e Cultura
  68. Agência Amazônia Real
  69. Rede Mulheres Negras – PR
  70. Arquivos Feministas
  71. 8M Pelotas Frente feminista antirracista e anticapitalista
  72. Movimento de Mulheres Socialistas PSBRS
  73. Nuderg
  74. Humaniza SC
  75. SEEDUC
  76. Brigadas Populares
  77. Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos
  78. Instituto de Estudos Políticos Mário Alves
  79. Flores do Outono – Iniciativa de Combate à Pobreza Menstrual em Cuiabá e Várzea Grande/MT
  80. Ong Nova Mulher
  81. Movimento Humaniza Santa Catarina
  82. Frente Feminista 8M Pelotas
  83. REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano
  84. Prado Ribeiro Advogados
  85. Coletivo BIL – Coletivo de Mulheres Bissexuais e Lésbicas Trans e Cis
  86. NIGS – Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades
  87. Instituto Mário Alves
  88. Grupo de Pesquisa e Extensão Poder, controle e dano social (UFSC)
  89. UNEGRO GOIÁS
  90. Instituto Prios de Políticas Públicas e Direitos Humanos
  91. Instituto Memória e Direitos Humanos UFSC/UDESC
  92. Forum Permanente de Mulheres do Sul e Sudeste do Pará
  93. Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna
  94. Clínica de Atenção à Violência (CAV/UFPA)
  95. Grupo de Estudos e Pesquisas Direito Penal e Democracia
  96. Núcleo Interdisciplinar Sociedade e Encarceramento (NISE – UFJF/GV)
  97. Associação brasileira dos advogados do povo Gabriel Pimenta
  98. Coletivo Mulher Vida
  99. Mulheres Negras Decidem
  100. Terra de Direitos
  101. Centro de Direitos Humanos de Jaraguá do Sul
  102. União Brasileira de Mulheres/UBM
  103. Abrapo
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