“Ignorar a violência contra as mulheres faz de você cúmplice deste crime”. Esse é o slogan da Campanha Agosto Lilás 2023, que recebe o apoio do Conselho Nacional de Saúde para denunciar as mais diversas formas de violência de gênero, que tem aumentado significativamente nos últimos quatro anos em que 70% das vítimas são as mulheres e meninas negras que revela o racismo estrutural da sociedade.
É assustador pensar que, na maioria das vezes, essa violência ocorre dentro de casa e praticada pelos próprios familiares e conhecidos da vítima constituindo o espaço doméstico inseguro para a vida das mulheres e meninas.
Segundo os dados do Monitoramento da Violência de 2022, publicado em julho de 2023 no 17ª Anuário Brasileiro de Segurança, o Disque 190 recebeu 899.485 chamadas no último ano, que significa um aumento de 8, 2% de denúncias (102 chamadas por hora). Ainda segundo o relatório, 245.713 mulheres sofreram violência doméstica (um aumento de 2,9%), ou seja, que a cada minuto 8 mulheres sofrem violência no Brasil. Ainda foram registrados 115 casos diários de stalking, um aumento de 49,7% do assédio sexual totalizando 6114 registros e 27.530 casos de Importunação Sexual – um aumento de 37%.
O machismo, a misoginia e o racismo se expressam da forma ainda mais cruel, com o aumento de 6,1% do número de feminicídios que levaram a vida de 1437 mulheres, sendo 61,1% de mulheres negras. Já o crime de estupro teve 74.930 vítimas, sendo 56.820 menores de 14 anos e destas 10% são menores de 4 anos. Precisamos interromper esse ciclo.
A violência contra as mulheres é uma questão de saúde pública, com consequências graves na saúde física e mental das vítimas e impactos severos no Sistema Único de Saúde (SUS) , que tem um papel fundamental no enfrentamento da violência, não apenas no atendimento de emergência, mas também nos diversos níveis de atenção e prevenção.
Precisamos pensar no cuidado integral à saúde associando questões de gênero, direitos reprodutivos e as desigualdades histórico-sociais. O fortalecimento do cuidado à mulher na Atenção Primária à Saúde é urgente, porque esse é o espaço possível de receber atendimento multidisciplinar, com escuta acolhedora e com o devido encaminhamento para a Rede Especializada, que inclui serviços da Segurança, Justiça e Assistência Social.
Pensando no fortalecimento dessa rede de apoio, o CNS publicou na Resolução 715 de 2023 prioridades para os instrumentos de planejamento e gestão do governo federal, com diretrizes que incidem diretamente na saúde das mulheres que devem ter financiamento garantido no orçamento da União. O item 12 do documento destaca que é preciso:
“Considerar que os desafios da Saúde da Mulher perpassam a violência de gênero como um dos determinantes do adoecimento, e para seu enfrentamento deve haver combate permanente ao racismo, ao machismo, a misoginia, às desigualdades remuneratórias, dentre outros determinantes sociais do adoecimento e da morte prematura de mulheres, com o redesenho de políticas públicas de humanização para o atendimento multidisciplinar de todo o ciclo de vida feminino, incluindo o ciclo gravídico puerperal, com ampliação do acesso à profissional doula e considerando as necessidades específicas daquelas que vivem em regiões remotas.”
Temos discutido o tema em diferentes espaços, como no 3º Seminário Nacional de Saúde das Mulheres, realizado pelo CNS, em 2022, com a participação virtual de mais de quatro mil pessoas que identificaram retrocessos das políticas de saúde para as mulheres. Também estivemos presentes na 7ª edição da Marcha das Margaridas, em Brasília, para denunciar o aumento de todas as formas de violência contra as mulheres e meninas, destacando feminicídio e estupro de vulneráveis em sua grande maioria meninas com menos de 14 anos, até crianças com menos de 4 anos. Não podemos viver assim.
A campanha Agosto Lilás foi criada pela Lei 14.448/2022, com objetivo de conscientizar a população sobre essa grave situação. Agosto foi escolhido por ser o mês da sanção da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, que precisou recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 1998, para denunciar o Brasil por omissão, negligência e violação dos Direitos Humanos.
A Lei Maria da Penha contribui para romper o silêncio e a invisibilidade histórica das diversas formas de violência de gênero, praticadas contra as mulheres, denunciando a cultura do patriarcado como estrutura de poder , que invisibiliza, explora, viola e se apropria dos corpos das mulheres , aprofundando as desigualdades de gênero.
Nós, do Conselho Nacional de Saúde, acreditamos ser URGENTE que estados, municípios e União possam avançar na aplicação da Lei Maria da Penha, com Políticas Públicas intersetoriais e interseccionais, destinando orçamento real, para acolher , fortalecer a Rede de Serviços, capacitar profissionais e romper as estruturas e desigualdades histórico-culturais do Patriarcado apropriado pelo Capitalismo, combatendo o machismo , a misoginia , o sexismo, o racismo e salvar a vida das meninas e mulheres.
Estamos em luta! Convidamos todas as pessoas a se unirem contra qualquer tipo de violência enfrentada diariamente pelas mulheres. Não seja cúmplice deste crime.
Helena Piragibe é conselheira nacional de saúde pela União Brasileira de Mulheres (UBM).