Que se respeite a crença religiosa de cada um, mas também que se reafirme que o Estado é laico
Imagine uma jovem mãe, negra, moradora da periferia, viúva, batalhando para sustentar filhos com seu trabalho, que acaba engravidando de forma indesejada. Com medo da criminalização, esconde da família e da comunidade religiosa. Mesmo com receio do que possa lhe acontecer, ela passa pelo procedimento em clínica clandestina, de forma insegura. Essa mulher deveria ser presa ou morta?
O aborto é um evento reprodutivo comum na vida das mulheres de todo o mundo. Sabemos que está entre as quatro principais causas de morte materna no Brasil. A Pesquisa Nacional do Aborto revelou o perfil das mulheres que abortam no país: são mães, que professam uma religião, de todas as classes sociais e de todas as raças. No Brasil, uma a cada sete mulheres faz um aborto até os 40 anos. A criminalização é uma política racista e discriminatória, que encarcera e mata mulheres, em especial negras e pobres, mantém um tabu sobre o tema e dificulta o acesso ao aborto legal, como nas hipóteses do feto anencéfalo, de risco de vida para a mulher e de gravidez fruto de estupro.
Nos países em que o aborto é legalizado, é um procedimento simples e seguro. Reduz as mortes maternas e leva a queda significativa no número de abortos, em função do maior acesso a métodos contraceptivos e orientação sobre procedimentos seguros. Enquanto nesses países a vida de mulheres e meninas é protegida, e a educação sexual incentivada, prevenindo gestações indesejadas, o Brasil mantém a lógica da criminalização e do desrespeito aos direitos fundamentais de pessoas que gestam.