Que o cuidado dos filhos tem um peso desproporcional nas mulheres, afetando o percurso profissional delas, já é sabido —não à toa, o Nobel de Economia em 2023 foi para a professora de Harvard, Claudia Goldin, por estudos que expõem esse problema.
O reconhecimento desse desequilíbrio pode ser o primeiro passo para a igualdade de gênero no trabalho, mas não é suficiente: faltam ações concretas, segundo cientistas que estudam o tema há anos.
Na última semana, o caso da professora do curso de Humanidades da UFABC (Universidade Federal do ABC), Maria Caramez Carlotto, que teve sua bolsa de produtividade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) negada, repercutiu devido ao caráter discriminatório do parecer. Na carta, que é anônima, o avaliador disse que “as suas gestações [provavelmente] atrapalharam essas iniciativas [pós-doutorado no exterior], o que poderá ser compensado no futuro”.
À Folha a pesquisadora disse que ficou “incrédula e indignada” ao ler o trecho principalmente porque era um edital sensível a essa questão, e mesmo assim ela sofreu uma violência de gênero. “Fiquei chocada porque, em 2023, depois de tudo que a gente avançou, vem um parecer destes, sem filtro.”
O órgão publicou uma nota de esclarecimento afirmando lamentar o ocorrido, mas justificando que a carta era de um consultor externo e que “instruirá seu corpo de pareceristas para maior atenção”.
Mesmo admitindo que houve uma falha no procedimento, a entidade ainda tem um caminho longo para trilhar quando o assunto é equidade de gênero.