Brasil ocupa 5º lugar no ranking mundial de uniões desse tipo, apesar de grande subnotificação
Tinha muitas coisas para eu fazer, e eu não quis. Não tinha cabeça, não queria ser nada da vida. Nunca tinha pensado em ser isso ou aquilo.” Aos 20 anos, sete deles dedicados a um companheiro oito anos mais velho que ela, Milena (nome fictício) avalia que hoje faria outras escolhas que não a de viver, ainda aos 14 anos de idade, como se fosse casada.
Seguindo o roteiro típico de meninas envolvidas em casamentos precoces, Milena largou os estudos, se isolou numa rotina de cuidados e afazeres domésticos, engravidou.
Nunca havia tido aulas de educação sexual na escola de um bairro pobre de Belém (PA), onde frequentou metade do ensino fundamental. Por isso, mesmo mantendo relações sexuais desprotegidas havia meses, ela diz ter ficado surpresa ao ser informada de que estava grávida.
Sem formação, sem renda e sem um projeto de vida, Milena se tornou totalmente dependente do companheiro e de suas demandas. “Eu deixei tudo pra ficar cuidando dele: estar em casa, arrumando as coisas, lavando roupa, fazendo almoço”, conta ela, moradora de uma casa sobre palafitas. “Ele dizia que eu não precisava trabalhar porque já me dava tudo. E, por isso, achava que podia fazer o que quisesse”, admite.
Naturalizado e subnotificado, tão complexo quanto invisível, o casamento infantil é definido como qualquer união, formal ou informal, que envolva alguém com menos de 18 anos. Em mais de 94% dos casos, esse alguém é uma menina.
Sob o manto de algum consentimento, seja dela, seja de sua família, a união precoce articula vulnerabilidades sociais, raciais e de gênero. Ela rouba uma fase importante do desenvolvimento e amplia as desvantagens de meninas e mulheres, limitando ainda mais suas trajetórias de vida educacional e profissional e tornando-as mais suscetíveis à violência doméstica, seja ela física, psicológica, sexual ou financeira.
Por isso, eliminar casamentos prematuros é parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), dentro da meta número 5: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Amigar, juntar, ajuntar, viver junto, morar junto, amasiar. Essas uniões em geral refletem as opções restritas disponíveis para meninas em situação de vulnerabilidade, ancoradas em normas sociais que ditam papéis bem definidos para meninas e mulheres: cuidadoras, submissas, donas de casa, mães. Nesse contexto, o casamento sempre teve lugar de destaque.
“No Brasil, o casamento precoce é um fenômeno adolescente que ocorre, em média, aos 14 ou 15 anos, o que não quer dizer que não haja meninas se casando aos 12 anos”, explica a pesquisadora Viviana Santiago, ativista pelos direitos das meninas.