No fim do ano passado, o presidente Lula sancionou a lei 14.786/2023, que cria o protocolo “Não é não”, a ser implementado em casas noturnas, boates e shows em que haja venda de bebida alcoólica, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima. Trata-se de desdobramento do caso que envolveu o ex-jogador da seleção brasileira Daniel Alves, condenado pela prática de estupro.
Apesar das críticas às penas, que foram consideradas baixas, ao fato de Robinho ter conseguido voltar ao Brasil para se esquivar da justiça italiana e à soltura de Daniel Alves mediante o recolhimento de fiança no valor de um milhão de euros, tanto a condenação de Robinho quanto a de Daniel Alves devem ser lidas como uma vitória na luta pelo reconhecimento pelos direitos das mulheres. Em uma sociedade em que o sistema de justiça criminal informa à população, por meio da punição, quais são os valores que devem ser respeitados, as sentenças condenatórias são uma ferramenta importante de combate ao machismo.
Nos dois casos, a versão apresentada pelas vítimas foi colocada em questão pela defesa dos acusados (e por boa parte da opinião pública), mas não pelo sistema de justiça. No curso da investigação, a justiça italiana recorreu a gravações de conversas entre Robinho e outros homens envolvidos no ato violento, que, entre outras coisas, confirmaram o depoimento prestado pela vítima. Ao condenar Daniel Alves, a justiça espanhola destacou que a vítima, mesmo receosa da repercussão do caso e da revelação de sua identidade, ofereceu um depoimento coerente e persistente.
No Brasil, a recorrência com que a palavra da vítima é posta em dúvida pelas instâncias encarregadas da aplicação da lei penal fez surgir uma lei para proteger vítimas de atos contra a sua integridade física e psicológica durante o processo judicial, sobretudo na apuração de crimes contra a dignidade sexual (lei 14.245/2021 – Lei Mariana Ferrer). Na mesma toada, ao criar o tipo penal “violência institucional”, a lei 14.321/2022 prevê pena para o agente público que submeter vítima ou testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que levem a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização. Essas leis reconhecem que a justiça falha no processo de apuração da violência contra as mulheres e busca aperfeiçoar a atuação do sistema de justiça criminal e evitar a revitimização, em harmonia com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (2021).
A legislação penal tem sido atualizada, com a incorporação de novos tipos penais, como o assédio sexual (lei 10.224/2001), o estupro de vulnerável (lei 12.015/2009) e a importunação sexual (lei 13.718/2018), e a previsão de aumento de pena para o estupro corretivo e o estupro coletivo. Além disso, desde 2018 o acesso ao sistema de justiça pelas mulheres vítimas de violência foi facilitado pela previsão de que o processamento dos crimes contra a dignidade sexual ocorre por meio de ação penal pública incondicionada, ou seja, a ação penal é de titularidade do Ministério Público, que deve adotar as diligências necessárias em direção à apuração e à responsabilização do acusado.