Tese recém-defendida no campus Saúde revela que há também consequências de natureza psicológica e social, como ansiedade, depressão e perda de empregos
A violência contra as mulheres é responsável, no Brasil, por altas taxas de mortalidade, mas também pode gerar outros agravos. Os impactos podem ter a forma de prejuízos à saúde física, mental e sexual. De acordo com pesquisa realizada por Nádia de Machado Vasconcelos para tese de doutoramento do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da UFMG, mulheres que convivem cronicamente com a violência estão em maior risco de desenvolver problemas de saúde como cefaleia, dores abdominais e lombares, distúrbios do sono, fibromialgia e síndrome do intestino irritável, e ainda ansiedade, depressão e inclinação para o uso abusivo de drogas.
“A gente fala sempre das consequências físicas, que são as lesões, fraturas, que muitas vezes exigem a internação, mas existem também as psicológicas, como a depressão, a ansiedade e tentativas de autoextermínio, por exemplo”, pontua a autora da tese A carga da violência contra as mulheres no Brasil.
Nádia Vasconcelos lembra que mulheres que têm parceiros violentos são muitas vezes forçadas a práticas de sexo inseguro, o que compromete o planejamento familiar e aumenta a exposição ao risco de contrair infecções sexualmente transmissíveis (IST). De acordo com a doutora em Saúde Pública, quando as mulheres tentam lidar com a violência e suas consequências, elas podem também desenvolver hábitos não saudáveis, como o consumo de drogas, álcool, o tabagismo, entre outros.
“Há também consequências que vão além da saúde física e mental, como as faltas excessivas ao trabalho e, muitas vezes, a perda do emprego. Quando a gente fala de pessoas mais jovens, a violência gera ausência na escola e, portanto, baixo desempenho acadêmico. Ou seja, a violência afeta as mulheres, individualmente, e a sociedade”, ressalta Nádia Vasconcelos, que foi orientada pela professora Deborah de Carvalho Malta, da Escola de Enfermagem.
A violência contra a mulher caracteriza-se como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como privado. É considerada uma violação dos Direitos Humanos, na medida em que priva as mulheres de seu direito à vida e à integridade física.
Agressões predominam no ambiente familiar
A pesquisa realizada por Nádia Vasconcelos revela que um aspecto crucial da violência contra as mulheres é que ela se dá, mais frequentemente, nos ambientes doméstico e intrafamiliar e que os principais agressores são pessoas próximas, como os parceiros íntimos.
Dados gerados pela investigação mostram que, globalmente, 26% das mulheres com 15 anos ou mais relataram ter sofrido violência do parceiro íntimo ao longo da vida, enquanto 10% delas relataram que houve casos nos últimos 12 meses. No Brasil, estudo anterior mostrou que 37,5% de mulheres vítimas de violência atendidas em hospitais e postos de saúde sofreram a agressão de um parceiro íntimo, e 25,4%, de um familiar. Além disso, 63,5% das violências ocorreram na residência da vítima.
Quando se trata do núcleo familiar, pode haver impactos na vida de outras pessoas. Por exemplo, as agressões continuadas podem levar ao distanciamento entre mães e filhos, uma vez que as mulheres se isolam como forma de lidar com a violência sofrida. Além disso, as crianças que crescem em lares violentos têm grandes chances de também se tornarem vítimas.
“Sabemos que crianças em lares com violência têm maior risco de também sofrerem violências e ainda de se tornarem agressores quando mais velhos. É sabido, da mesma forma, que uma menina que presencia, desde muito nova, agressões do pai contra a mãe tende a se tornar vítima no futuro porque muitas vezes passa a ver aquela violência como algo natural dentro de casa”, observa Nádia Vasconcelos.
A pesquisa ainda destaca que a violência durante a gestação também pode trazer consequências severas para a mãe e para o feto. De acordo com Nádia, estudos indicam que a gravidez aumenta a vulnerabilidade à violência e que os agravos durante esse período podem ter desfechos muito desfavoráveis para a saúde materna, como o aumento de sintomas depressivos, inadequação do cuidado pré-natal, complicações obstétricas – podem afetar a saúde do feto ou do recém-nascido e, no limite, levar ao aborto. “Essas mulheres muitas vezes têm dores durante a gestação e partos prematuros. A criança que nasce antes da hora pode ter baixo peso e sofrer consequências que podem durar a vida inteira”, destaca a pesquisadora.
Questão de gênero
De acordo com a tese apresentada em dezembro de 2024, a análise do desenvolvimento histórico e contextual das relações de gênero revela que o domínio do homem sobre a mulher se explica principalmente pela hierarquização socialmente criada. As relações são regidas por dois princípios básicos: as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens estão subordinados aos homens mais velhos.
“A gente sabe que a violência é uma forma de demonstração de poder; ela acontece quando a pessoa que está no topo da hierarquia tenta dominar outra que ela considera abaixo. Isso diz muito sobre a questão do gênero em nossa sociedade: as mulheres são inferiorizadas, sobretudo pelos homens brancos”, explica Nádia Vasconcelos. A violência de gênero não se dirige apenas às mulheres, mas também a crianças, adolescentes, idosos e outros grupos considerados dissonantes, como as minorias sexuais e de gênero. “Visto como expressão do ser e não apenas do ponto de vista biológico, o gênero define, para os agressores, os grupos que eles devem dominar”, completa Nádia.
Números de pesquisas recentes mostram que, no mundo, ocorreram 88.900 feminicídios apenas no ano de 2022; no Brasil, foram registrados 3.930 assassinatos de mulheres em 2023. Porém, as mortes representam apenas uma fração do problema.
Uma revisão conduzida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) analisou estudos realizados entre 2000 e 2018 e constatou que 30% das mulheres com 15 anos ou mais relataram pelo menos um episódio de violência física e/ou sexual ao longo da vida. Isso significa que aproximadamente 736 milhões de mulheres dessa faixa etária já foram vítimas de violência.
No Brasil, uma pesquisa do Instituto DataSenado revelou que 32% das mulheres com 16 anos ou mais relataram ter sofrido violência ao longo da vida, e 22% delas afirmaram que pelo menos um episódio ocorreu no último ano.