‘É esse silêncio que cada dia mata as mulheres, que não nos ajuda avançar’, afirma Cida Gonçalves

15 de abril, 2025 Brasil de Fato Por Fabiana Reinholz

Ministra esteve no Rio Grande do Sul para assinatura de adesão da Assembleia Legislativa à campanha Feminicídio Zero

“Feminicídio é o último estágio da violência. Nós não podemos aceitar a volta da barbárie a partir do corpo das mulheres no nosso país. É a nossa vida. São os nossos filhos. (…) Nós precisamos fazer com que os homens estejam com a gente nessa caminhada. A luta contra a violência contra as mulheres, contra o feminicídio, não é um problema das mulheres, é um problema da sociedade, é um problema do Brasil”, afirmou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, para um auditório lotado, na manhã desta segunda-feira (14), em Porto Alegre.

A ministra participou da solenidade da assinatura de adesão da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul à campanha Feminicídio Zero. O Parlamento gaúcho é o primeiro do país a se juntar à mobilização nacional. O documento foi assinado pelo presidente do poder Legislativo, Pepe Vargas (PT), pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e pela coordenadora da Força-Tarefa contra o Feminicídio, vinculada à Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, Stela Farias (PT).

Na ocasião também foram assinadas cartas compromisso pelo fim da violência contra as mulheres pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), e pelos dois maiores times de futebol do estado, Grêmio e Internacional. Também foi realizado o lançamento da exposição fotográfica Arrancada de Nós, histórias que precisam ser contadas. O evento contou com a presença de movimentos sociais, feministas, entidades da sociedade civil, parlamentares gaúchos, representantes do poder Judiciário, familiares de vítimas de feminicídio, entre outros. Ao final da cerimônia houve apresentação artística.

Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, entre os anos de 2015 e 2024, foram registradas 11.650 ocorrências de feminicídios. Em 2023, foram 1.438 casos de feminicídio. Já em 2024 foram 1.450. Os dados constam no Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam 2025), do Ministério das Mulheres, divulgado no dia 25 de março.

Em outubro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.994/24, que ampliou a pena de reclusão para os crimes de feminicídio, passando de 12 a 30 anos para 20 a 40 anos. Conhecido como “Pacote Antifeminicídio”, o texto incluiu o feminicídio como crime autônomo e hediondo.

A campanha nacional “Feminicídio Zero – nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada”, tem como objetivo mobilizar a sociedade contra todos os tipos de violência contra as mulheres, para que não se chegue ao feminicídio.

É preciso romper o silêncio

“Como um país do tamanho e com a população do Brasil não escuta o grito desesperado de uma mulher pela vida? Como é que pode um país inteiro não escutar o desespero de uma criança de 0 a 9 anos sendo violentada? Como é que esse país não escuta? Como não faz nada? Como é que as pessoas ignoram isso? Todo mundo ignora, é um silêncio. É esse silêncio que cada dia mata as mulheres. É esse silêncio que não nos ajuda avançar”, afirmou a ministra.

Segundo apontou Gonçalves, a violência contra as mulheres aumentou porque no país foi colocada uma cultura de ódio, de intolerância e de desrespeito. “Há dez anos, uma mulher era morta com 54 facadas, crime que só o ódio autoriza. Agora, não são só facadas. São seus filhos que são assassinados também ou seus corpos que são queimados vivo.”

Ela destacou também a responsabilidade que os times de futebol têm no combate à violência de gênero. “Depois dos jogos de futebol a violência contra as mulheres aumenta em 26%, independente se o time ganha ou perde. Portanto, os times têm uma responsabilidade fundamental, estratégica, para que nós possamos lutar contra isso. As torcidas são fundamentais em todo o processo de reconstrução do que eu chamo de mudança de comportamento.”

Conforme enfatizou a ministra, a luta contra a violência às mulheres é de toda sociedade. “A denúncia tem que chegar, o Estado tem que saber. Nós precisamos começar a nos envolver nesse processo, fazer a denúncia. Muitas vezes, basta discar três números – 190 ou 180 – para salvar a vida de uma mulher.”

Ao assinar a adesão, destacou a ministra, o Legislativo gaúcho assume a responsabilidade, junto com o Ministério da Justiça, governo federal, Ministério Público, de fiscalizar e colocar as políticas públicas de enfrentamento à todas as formas de violência, inclusive a desigualdade salarial no debate.

“Feminicídio zero significa um país de amor, de respeito, de solidariedade e justiça social. Significa dizer que nós não vamos aceitar que as mulheres sejam caladas, mortas. Então, sejam bem-vindos à mobilização do feminicídio zero”, finalizou.

Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada

“Precisamos entender que o feminicídio é o ponto final de uma escalada de violências, patrimoniais, físicas, psicológicas e sexuais. É o resultado direto da falta de educação antissexista nas escolas e da carência absoluta de políticas públicas efetivas. O feminicídio no Brasil tem raiz na cultura patriarcal que transforma os corpos femininos em objetos de posse”, expôs a deputada Stela Farias.

Proponente do evento, a parlamentar discorreu sobre as conquistas no combate à violência de gênero, a partir do assassinato de Ângela Diniz, que gerou o movimento feminista de Quem ama não mata, a Lei Maria da Penha, em 2016. A Lei do Feminicídio, em 2015, a atualização da mesma, em 2024, e a proibição, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023, da tese de legítima defesa da honra.

Contudo, salientou a deputada, o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo. “São, em média, quatro feminicídios por dia. Só no Rio Grande do Sul, em 2024, a Secretaria Estadual de Segurança Pública publicou 72 casos. Contudo o trabalho conjunto da Lupa Feminista junto com a Força-Tarefa, chegou a 111 feminicídios no estado. Uma discrepância inaceitável.”

Farias pontuou os retrocessos no governo anterior no que tange as políticas públicas para as mulheres, a precarização de atendimento às vítimas, como também a violência de política de gênero. Por outro lado, destacou os avanços do atual, entre eles, a recriação do Ministério das Mulheres, e a aprovação da Lei nº 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral e tornou crime a violência política de gênero. “Mas só as leis não bastam. É preciso transformar a cultura como estamos fazendo aqui. Com iniciativas que trabalham com homens agressores para desconstruir masculinidades tóxicas. Seguiremos em frente, até que nenhuma mulher seja mais arrancada de nós.”

Não se fala do feminicídio falando da outra

Relatora da Lei do Feminicídio, a deputada federal Maria do Rosário destacou que é nos parlamentos que têm surgido, se fortalecido, um discurso de ódio contra as mulheres. “A mesma Câmara dos Deputados que aprovou estas leis, é onde, todos os dias, existem discursos de violência política contra as mulheres parlamentares. Estamos sendo desafiados e desafiadas, principalmente, no que diz respeito às instituições que nós representamos.”

Para a parlamentar, a Câmara precisa superar esse momento, pois o sistema não pode apenas contar com leis de dentro para fora das instituições. “O sistema precisa modificar o padrão cultural das instituições para assegurar que, de dentro delas, não surja o mau exemplo, que acaba empoderando dentro de cada casa, de cada relacionamento, tantas e tantas vezes, a repetição de crimes de ódio e da naturalização da violência contra as mulheres. O feminicídio não inicia quando uma arma é apontada para a cabeça, ali se dá a finalização.”

Rosário lembrou do feminicídio da jovem indígena Kaingang Daiane Griá Sales, caso que resultou na primeira classificação de etnofobia do país. E ao falar da jovem lembrou que a cada seis horas uma mulher é morta no país. “É por isso que a ministra nos propõe o feminicídio zero. Porque nós nos importamos. Porque nós precisamos nos antecipar. Há mais seis que serão mortas hoje. Doze amanhã. Dezoito em três dias.”

Conforme frisou a deputada não se fala do feminicídio falando da outra pessoa, da outra mulher. “É preciso enxergar em nós mesmas cada vítima para conseguirmos transformar essa sociedade e dizer, parem de nos matar, porque nós existimos para viver. E para a Câmara parar de aceitar os discursos de ódio no ambiente parlamentar. Enfrentar o discurso de ódio ali dentro é uma contribuição tão grande quanto as legislações que foram feitas para que todas as mulheres brasileiras sejam respeitadas e livres. Livres para viver sem violência, para viver sem a morte à espreita.”

Para Pepe Vargas, nada nos afasta tanto de um conceito de sociedade civilizada como essa vergonha nacional que é o número de feminicídios que ocorrem em nosso país. “Jamais seremos uma civilização no verdadeiro sentido da palavra enquanto a gente tenha violência contra as mulheres, discriminação de qualquer forma, desigualdades gritantes, enquanto isso persistir.”

Também enfatizou a presença das mulheres nos espaços de poder, o que para ele tem sido fundamental para dar visibilidade ao problema da violência de gênero, e por isso a importância da ampliação dessa representação. Para que isso ocorra, apontou, é preciso uma mudança no sistema eleitoral, com a instituição do voto em lista intercalada (um homem e mulher). “Isso pode assustar alguns homens, mas dificilmente iremos avançar na superação de todos os tipos de violência de gênero sem que ocorra um avanço da presença das mulheres nos espaços decisórios.”

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