Especialista aponta os impactos da violência política de gênero, destaca avanços na legislação e alerta para os riscos nas eleições de 2026 em meio à polarização e ao uso de desinformação
Mesmo com avanços na legislação brasileira, a violência política de gênero continua sendo um dos principais entraves à participação efetiva das mulheres nos espaços de poder.
A advogada Sabrina Veras, coordenadora de ações políticas para participação feminina no Instituto Brasileiro de Direito Partidário (Ibradip) e integrante da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), alerta que esse tipo de violência compromete não apenas o desempenho de mandatos e campanhas, mas também a própria democracia.
“Essas condutas partem de um menosprezo à condição de mulher e se manifestam em forma de assédio, perseguições, exclusão de debates, ameaças ou até difamação pela internet, com base em gênero, raça ou etnia”, afirma a especialista. De acordo com a Lei nº 14.192/2021, essas práticas atentam diretamente contra os direitos políticos das mulheres. Dados do Observatório de Violência Política contra a Mulher, referentes ao biênio 2022-2023, mostram que os principais tipos de violência reportados são psicológicos, econômicos ou físicos.
Exemplos reais e próximos
Três episódios recentes de grande repercussão ilustram a gravidade desse cenário. Um deles envolveu a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede-SP), que foi alvo de ataques misóginos durante audiência na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, no último dia 2 de julho – ela tinha sido vítima de algo semelhante em maio, quando compareceu ao Senado para audiência da Comissão de Infraestrutura. Outro ocorreu no Pará, com a deputada federal Renilce Nicodemos (MDB-PA), vítima de ofensas públicas que culminaram na condenação e prisão do ex-deputado federal Wladimir Costa, em outubro do ano passado, por violência política de gênero. E mais recentemente, em Salinópolis, no nordeste paraense, a vereadora Aury Donato (MDB) também sofreu ataques em suas redes sociais, com conteúdo misógino e difamatório, o que levou à prisão do influenciador digital Bleno Rafael.
O que esses três eventos tem em comum: embora muitas dessas ações já ocorressem anteriormente, Veras explica que a legislação específica sobre o tema trouxe maior visibilidade e encorajamento às denúncias.
“Os casos sempre aconteceram, mas a falta de amparo legal e de compreensão por parte dos agentes públicos dificultava a responsabilização dos agressores. Com a nova lei, há mais consciência e mais denúncias, o que não significa necessariamente aumento nos casos, mas sim na coragem de enfrentá-los”, explica.
Levantamento
Um levantamento da Confederação Nacional de Mulheres, realizado em 2024, revelou que mais de 60% das prefeitas e vice-prefeitas relataram ter sofrido violência de gênero durante a campanha ou o mandato.
Apesar de avanços pontuais na atuação da Justiça Eleitoral e de outras instituições, a advogada alerta para a necessidade de engajamento contínuo e integrado entre órgãos públicos, partidos políticos, entidades da sociedade civil e movimentos feministas.
“A efetividade da Lei 14.192 depende do comprometimento dos agentes responsáveis por receber e processar denúncias, além da capacitação desses profissionais com perspectiva de gênero”, pontua.
Partidos
Um dos grandes gargalos, segundo Veras, está na estrutura interna dos próprios partidos políticos. A legislação determina que as siglas devem implementar mecanismos de prevenção e combate à violência política de gênero, mas a maioria ainda não cumpriu essa exigência.
“Mesmo após quase quatro anos da promulgação da lei, poucos partidos adaptaram seus estatutos. Além disso, faltam ouvidorias, comissões éticas com perspectiva de gênero e canais seguros para acolher denúncias internamente. Isso perpetua a impunidade e afasta ainda mais as mulheres da política”, denuncia.
A resistência, segundo ela, é estrutural. “A baixa participação de mulheres nas direções partidárias reforça a lógica de manutenção do poder nas mãos de poucos. Isso impede o avanço de práticas democráticas e inclusivas”, critica.
A consequência mais grave da violência política de gênero é o impacto direto na permanência das mulheres na vida pública. “Muitas se afastam de mandatos ou desistem de disputar cargos para evitar novos episódios de violência. Isso enfraquece a representatividade e limita o pluralismo político”, diz Veras.