Onde estão as mulheres no financiamento climático?, por Daiane Dultra

12 de novembro, 2025 AzMina Por Daiane Dultra

Apesar de mais afetadas e atuantes, mulheres seguem com acesso mínimo ao financiamento climático. É preciso reformar critérios e canais já

Quando o assunto é financiamento climático, o mundo convive com duas verdades incômodas. A primeira é que os valores mobilizados continuam muito abaixo do que especialistas apontam como necessário. A segunda: entre os recursos que chegam, a presença das mulheres ainda é pontual e incipiente, tanto como lideranças que mobilizam iniciativas, quanto como público contemplado nas estratégias de ação. Não se trata de ausência total, mas de uma presença frágil, pouco estruturada, que reflete as desigualdades históricas também na agenda climática.

Estudos recentes mostram que, embora as mulheres estejam na linha de frente da resposta à crise climática, elas também estão entre as mais afetadas, e de maneira desproporcional. Isso porque, em muitas regiões do mundo, elas enfrentam desigualdades estruturais no acesso à terra, à água, à renda, à educação e à tomada de decisão política.

Em contextos rurais, por exemplo, é comum que as mulheres dependam de recursos naturais para garantir a subsistência de suas famílias, enquanto são as principais responsáveis por tarefas como buscar água, cuidar da alimentação e da saúde. A sobrecarga de atividades se potencializa  em cenários de escassez e eventos climáticos extremos.

Relatórios e dados comprovam maior impacto sobre mulheres

Essas vulnerabilidades já se refletem em números concretos. Um relatório da Deutsche Gesellschaft für Auswärtige Politik (DGAP) mostra que as mudanças climáticas não apenas amplificam desigualdades de gênero já existentes, como  colocam as mulheres, especialmente das zonas rurais de países de renda média-baixa, em situação de fragilidade. Isso significa menos capacidade de adaptação, menor autonomia sobre decisões e mobilidade limitada frente a desastres climáticos.

Dados da Food and Agriculture Organization (FAO)revelam que famílias chefiadas por mulheres em países de baixa e média renda perderam  cerca de 8% a mais da renda durante ondas de calor e 3% a mais durante inundações do que famílias chefiadas por homens. Esses impactos mostram como as mudanças climáticas aprofundam desigualdades econômicas já existentes e impõem barreiras adicionais à autonomia das mulheres.

Apesar desse papel central, o acesso das mulheres ao financiamento climático segue extremamente limitado. Segundo a ONU Mulheres, apenas 0,01% do financiamento global voltado ao clima “apoia projetos que abordam tanto os direitos das mulheres quanto os impactos climáticos”. Outro levantamento da Climate Policy Initiative aponta que, entre 2019 e 2020, somente 2% dos fluxos de financiamento climático global foram classificados como “gender-responsive”, ou seja, tinham a perspectiva de gênero no centro da estratégia.

Essa disparidade revela a contradição entre discurso e prática. Em muitas situações as mulheres estão na linha de frente da adaptação climática: conservam sementes crioulas, recuperam solos, gerenciam ecossistemas frágeis, apoiam vítimas de eventos extremos. Adaptação climática, nesse contexto, se refere às estratégias locais, sociais e tecnológicas para reduzir a vulnerabilidade das comunidades diante dos impactos já inevitáveis das mudanças no clima, como secas mais intensas, enchentes, escassez de água, aumento das temperaturas e insegurança alimentar.

São respostas que não apenas protegem a vida, mas também mantêm vivas culturas, modos de produção e formas de organização comunitária. E, justamente por estarem próximas do território e da experiência concreta, as mulheres têm criado soluções altamente eficazes, mas que raramente são reconhecidas, replicadas ou financiadas.

Financiamento é marcado por burocracia e editais inacessíveis

Essas experiências estão acontecendo agora. Na Rio Climate Action Week de 2025, no Museu do Amanhã, ouvi uma fala contundente de Bekoe Tupinambá, liderança indígena do povo Tupinambá de Olivença, que relatou as dificuldades enfrentadas por mulheres indígenas para acessar recursos climáticos. Apesar da atuação concreta em seus territórios, elas esbarram em uma série de burocracias, editais inacessíveis e mecanismos centralizados, que mantêm os recursos longe de quem mais precisa.

O caso não é isolado. No semiárido, por exemplo, mulheres agricultoras agroecológicas vêm utilizando a Caderneta Agroecológica. Esta ferramenta de registro organiza e viabiliza a produção, o autoconsumo, a troca e a venda de alimentos, como uma estratégia concreta de adaptação e geração de renda, com pouco ou nenhum recurso externo.

O Consórcio das Juventudes, que atua em região de seca no interior da Bahia, também é uma dessas experiências que mostram que há ação na ponta. Jovens têm desenvolvido práticas de convivência com o semiárido que envolvem desde o reuso de água até o fortalecimento da produção agroecológica e da educação ambiental. Mesmo com estruturas mínimas e apoio limitado, têm criado caminhos concretos de adaptação climática e fortalecimento comunitário.

Essas histórias mostram que a adaptação já acontece, mas fora do radar das estruturas formais de financiamento. Enquanto as mulheres constroem soluções a partir dos seus territórios, os recursos costumam circular longe dessas práticas. Há, portanto, um descompasso entre quem está fazendo e quem está financiando. E essa distância tem custo: para o clima, para a justiça e para a efetividade das políticas públicas.

Acesse o artigo no site de origem.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas