(Marcelo Medeiros, especial paro o caderno Aliás, de O Estado de S. Paulo) No início da semana o Yahoo contratou Marissa Mayer, de 37 anos, para dirigir suas operações. O fato ganhou destaque não tanto por ela ser mulher, afinal a segunda executiva mais importante do Facebook também é, mas porque Marissa está no sexto mês de gravidez.
Há cada vez mais mulheres ocupando postos-chave nos negócios e na política, o que ocorre porque barreiras no reconhecimento da capacidade de liderança delas vêm sendo rompidas. Chefes de Estado, diretoras de empresa e generais de exército mulheres ainda são minoria, mas não causam mais o assombro que causariam há três décadas.
Entre o fim do assombro e a igualdade há uma grande distância. A notícia de um homem assumindo um cargo importante a poucos meses de ter um filho passaria despercebida. Isso porque a emancipação do trabalho feminino não foi acompanhada de mudanças na divisão do trabalho dentro das famílias, nem no que se considera responsabilidades familiares. Ainda recai sobre as mães a maior parte do cuidado dos filhos e são elas que precisam fazer escolhas entre carreira e família. Ninguém se preocuparia seriamente com o risco de um homem ter seu trabalho afetado por causa de um filho. Nesse aspecto, o mundo mudou bem pouco: a ideia de ser apenas dono de casa para cuidar de uma criança, ainda que por poucos meses, provoca arrepios em qualquer homem, mas é considerada natural entre as mulheres.
Marissa deverá voltar ao trabalho logo após o parto – não apenas porque quer, mas porque pode. É uma mulher rica e poderosa, casada com um executivo igualmente rico e poderoso, e receberá US$ 12 milhões anuais, mais que suficientes para contratar quem cuide de sua família em tempo integral. Marissa não assume cargo tão importante porque as barreiras à maternidade deixaram de existir, mas porque consegue se comportar como um homem: transferindo aos outros boa parte do trabalho de cuidar de crianças.
Esse é um luxo impensável para as mulheres comuns em trabalhos comuns. Para elas, a escolha é entre uma segunda jornada ao chegar em casa e abandonar o emprego. A ideia de que a responsabilidade pelo cuidado das crianças é das mulheres, e de elas devem estar disponíveis para isso, é tão arraigada que poucas de nossas instituições transferem para o espaço público aquilo que se julga dever privado. Basta notar que são poucas as creches gratuitas, não temos escolas em tempo integral, com anos letivos longos, nem horários de trabalho compatíveis com o transporte de crianças da casa à escola.
Em um mundo que aceita bem presidentas, mas tem aversão a donos de casa, o trabalho doméstico ainda é tabu do machismo. Seria ingênuo achar que os homens, em um lampejo de generosidade, passarão a dividir esse trabalho com as companheiras. Seria mais realista entender que a família não é a única instituição capaz de cuidar de crianças e que essa é uma responsabilidade coletiva.
Creches, pré-escolas e escolas em tempo integral podem soar como utopia. Mas talvez ajude a reduzir resistências lembrar que o ensino básico gratuito também já foi considerado utópico. Como qualquer outra, a responsabilidade de cuidar de crianças tem seus custos. Até o momento, temos sido capazes de arcar com eles. Mais exatamente, as mulheres têm sido, e vêm pagando com seu tempo. A questão fundamental é se estamos dispostos a transferir esses custos da esfera privada para a esfera pública, como fazemos com vacinas e segurança.
Tempo livre é algo muito importante. Não à toa uma das exigências de Marissa Meyer em seu contrato é terminar o expediente rigorosamente às 5h30, para que possa todos os dias jantar com a família. Adianta muito pouco ter dinheiro sem ter tempo livre para usufruir o que esse dinheiro pode comprar, assim como aproveitar as coisas que dinheiro algum pode comprar. Um reflexo disso é a preocupação crescente em vários países em conciliar trabalho, lazer e família.
Nossa divisão do tempo, no entanto, é tremendamente injusta. Pesquisas brasileiras de uso do tempo mostram que, depois da entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, quando o tempo de trabalho pago é somado ao tempo de trabalho doméstico, a disponibilidade feminina de tempo livre é muito inferior à masculina, marcadamente entre as classes sociais mais baixas.
A emancipação profissional das mulheres caminha no sentido inverso da liberdade de tempo porque a igualdade obtida no mundo do trabalho não tem contrapartida nem no mundo doméstico, nem nos serviços públicos. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a privação de tempo livre e a dificuldade em conciliar o trabalho com o resto da vida não são problemas das grandes executivas, mas das mulheres comuns.
Marcelo Medeiros é sociólogo, professor da Universidade de Brasília;
Acesse em pdf: Mamãe Poderosa, por Marcelo Medeiros (O Estado de S. Paulo – 22/07/2012)
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O castigo-maternidade, por Ruth de Aquino (Blog Mulher 7×7/site Época – 23/07/2012)
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(Folha de S.Paulo) Os desafios de Marissa Mayer, a nova presidente do Yahoo
Ela recebeu congratulações quando surgiu a notícia de que terá um bebê em outubro, três meses depois de assumir o comando do Yahoo!.
As críticas dos que duvidam de sua capacidade de ser mãe e presidente de uma companhia ao mesmo tempo foram estancadas pela declaração de que só tiraria algumas semanas de licença-maternidade.
Isso, por sua vez, resultou em críticas dos que argumentam que encurtar a licença-maternidade estabeleceria um mau exemplo para as demais mulheres trabalhadoras.
Mayer está numa situação impossível: não importa de que modo organize sua agenda, ela sem dúvida enfrentará os padrões dúplices que tantas mulheres têm de encarar no trabalho -com acusações de que estão negligenciando ou seus empregos ou seus filhos.
Ela será convidada a se pronunciar, a servir como exemplo para outras mulheres, mesmo que deseje apenas liderar a recuperação de uma das maiores companhias mundiais de tecnologia.
A sociedade ainda não aprendeu a aceitar mães de crianças pequenas como comandantes de corporações bilionárias.
Incluindo Mayer, só 19 das empresas da lista “Fortune 500” são comandadas por mulheres. Pouco mais da metade tem filhos.
Em 2011, um investidor do Vale do Silício disse que “ter uma mulher grávida como fundadora ou presidente-executiva resulta em falência”.
Ao contemplar um investimento em uma empresa criada por uma mulher que esperava gêmeos, ele não conseguia entender de que forma ela “lideraria uma equipe, construiria um negócio e mudaria o mundo carregando os bebês pelos próximos meses e cuidando deles depois”.
A pior discriminação que as mulheres enfrentam no mundo dos negócios se relaciona à maternidade.
Um estudo de Stanford oferecia aos participantes dois currículos de candidatos a um posto de consultoria de gestão.
Os dois eram de mulheres e idênticos, exceto que um mencionava que a pessoa em questão era parte de uma associação de pais e professores.
Segundo a classificação dos participantes do teste, a mulher com filhos tinha chance de contratação 79% menor e ofertas salariais US$ 11 mil mais baixas.
Outro estudo constatou que mulheres altamente motivadas eram vistas pelos empregadores como tão dedicadas ao trabalho que provavelmente eram más mães e isso resultava em aumentos salariais menores e em menos promoções.
Mayer superou ao menos um desses preconceitos, ao conquistar o conselho do Yahoo!, que elogiou sua experiência e qualificações ao contratá-la.
Mas sua ascensão ao topo vai afetar um debate correlato que irrompeu entre as mulheres ocupantes de postos executivos, envolvendo especialmente duas delas.
Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook, aconselha as mulheres a procurar parceiros capazes de apoiá-las, dividir as tarefas caseiras e ajudá-las a manter suas ambições, mesmo que o casal esteja pensando em iniciar uma família. E disse às mulheres que é aceitável contratar uma babá.
Mas as opiniões foram contestadas por Anne-Marie Slaughter, ex-diretora de planejamento político no Departamento de Estado dos EUA.
O que precisa mudar, segundo ela, é a cultura das empresas: a ideia de que presença e jornadas longas de trabalho, e não eficiência, traduzem-se em competência no trabalho.
Diversas mulheres intervieram para apontar que Sandberg e Slaughter não haviam chegado nem perto de tratar dos problemas da maioria das mães trabalhadoras, cujas carreiras não oferecem salários capazes de bancar babás, e as criticaram por não dedicar atenção suficiente ao papel dos homens na equação.
Mayer já está sendo pressionada a participar, a ser porta-voz das mulheres de baixa renda, a estabelecer exemplos para outras mães do Yahoo!.
E isso a põe noutra situação impossível: não basta ser uma boa mãe e uma boa executiva -ela tem de ser também uma boa feminista.
Ao se tornar uma presidente-executiva grávida, precisa assumir uma posição sobre presidentes-executivas grávidas, e os críticos estão só esperando para atacar qualquer posição que assuma, mesmo que, e até especialmente se, preferir o silêncio.
Acesse em pdf: Os desafios de Marissa Mayer, a nova presidente do Yahoo (Folha de S.Paulo – 22/07/2012)