03/08/2012 – Mais pesquisas são necessárias antes de dar antirretrovirais a não infectados, por David Uip

03 de agosto, 2012

(Folha de S.Paulo) Mais pesquisas são necessárias antes de dar antirretrovirais a não infectados como profilaxia. Há efeitos adversos, e surgiria resistência aos medicamentos
Ao longo de três décadas trabalhando, estudando e pesquisando HIV/Aids no Brasil e de dez anos na África, aprendi a apreciar a ousadia e reverencio toda iniciativa científica.
Entretanto, nem sempre um bom trabalho científico consegue embasar novas políticas públicas realmente eficientes contra uma epidemia.
Em provocativo artigo publicado nesta Folha (“Oportunidade e ousadia contra a Aids”, no último dia 25), o professor Esper Kallás se baseia em um número insuficiente de trabalhos científicos e na opinião de alguns pesquisadores para lançar propostas que merecem, no mínimo, reflexão mais aprofundada.
O fato é que foram poucos os trabalhos para constatar a segurança e eficácia do Truvada na profilaxia pré-exposição do HIV.
Os protocolos concluídos tiveram acompanhamento médio de um ano e dois meses. Em um, o medicamento reduziu em 44% o risco de 2.499 homens que faziam sexo com homens adquirirem o HIV quando comparado ao grupo placebo.
No outro, em 75% de 4.758 mulheres negativas que faziam sexo com homens positivos.
No terceiro, com quase 2.000 mulheres africanas, não houve diferença estatística entre o grupo medicado e o controle. Além disso, no grupo que recebeu Truvada houve aumento no número de mulheres que engravidaram, decorrente de relações sexuais não protegidas.
As três histórias de pacientes que se infectaram descritas no artigo de Kallás -um pai de família que vai a casas de prostituição, um jovem homossexual e a esposa de um homem com HIV- são algumas das tantas que ocorrem no cotidiano de quem trabalha com pacientes HIV/Aids.
Porém, a sua proposta teórica sinaliza tratar 33 milhões de infectados no mundo, realizar a circuncisão voluntária de pelo menos 3 bilhões de candidatos, além de utilizar a profilaxia pré-exposição em alguns bilhões que têm vida sexual.
Além disso, como realmente definir o que é exposição de risco? O indivíduo que tem 40 parceiros no ano pode, obviamente, ser considerado de risco. Mas é possível saber onde ele está? Difícil, mas cabível no caso de profissionais do sexo e em alguns grupos de homens que fazem sexo com homens caso haja acompanhamento mensal, dentro de uma política pública voltada a uma determinada população. Essa é a diferença entre a teoria e a prática.
É preciso levar em conta que a profilaxia pré-exposição levaria ao aumento da resistência aos medicamentos antirretrovirais. O temor é em relação àqueles que se contaminarem, por provável falta de adesão, e perderem opções terapêuticas já no início do tratamento.
Além disso, é necessário debater os efeitos adversos dos medicamentos, incluindo os mais severos, como insuficiência renal e osteopenia, bem como discutir as perspectivas de novos antirretrovirais para velhos e novos alvos, além de estimar a disponibilização das vacinas preventivas e terapêuticas.
Não há dúvidas de que a história da doença mudou com a descoberta dos antirretrovirais, comprovada pelo tratamento dos infectados, objetivando-se o prolongamento da vida com qualidade, a diminuição da transmissibilidade e a prevenção da contaminação materno fetal.
Quanto à prevenção pré-exposição, existem ainda muitos questionamentos. São necessários novos trabalhos científicos antes de incorporá-la no rol das medidas públicas de profilaxia.
Aguardo com ansiedade a descoberta de uma vacina preventiva, pois acredito ser a única forma real e definitiva de prevenção. Mas, enquanto ela não chega, o uso do preservativo continua sendo a principal arma para evitar não somente o HIV/Aids, mas outras doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis, o herpes tipo 2 e a infecção pelo papilomavírus humano (HPV), que causa câncer do colo uterino e também pode levar à morte.
É preciso, obviamente, avançar na prevenção ao HIV. O combate à Aids requer, sim, ousadia, mas igualmente bom senso e responsabilidade.


David Uip, 60, médico infectologista, é diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Leia em pdf: Aids: ousadia, bom senso e responsabilidade (Folha s.Paulo – 03/08/2012)

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