(Folha de S.Paulo) Maioria dos linfócitos em pessoas com o vírus morre por reação inflamatória. Dois novos estudos desvendam esse processo e propõem uso de anti-inflamatório para combater a Aids
Um processo inflamatório seguido por uma forma “explosiva” de morte celular está por trás da destruição do sistema de defesa de quem tem HIV, de acordo com duas pesquisas publicadas hoje nas revistas “Nature” e “Science”.
Os estudos vão além, ao propor que um anti-inflamatório que já está em testes com humanos para tratar psoríase (doença inflamatória que se manifesta na pele) e epilepsia seja avaliado em pessoas com HIV, para evitar que suas células de defesa CD4 morram.
Os trabalhos, feitos pelo laboratório liderado pelo pesquisador Warner Greene, dos Institutos Gladstone, nos EUA, afirmam ter desvendando pela primeira vez os caminhos químicos exatos que levam a essas reações responsáveis pela morte da maior parte das células de defesa CD4, linfócitos que são o alvo do HIV.
Diferentemente do que se possa pensar, só uma minoria das células CD4 morre por causa da infecção pelo HIV propriamente dita.
Cerca de 95% das células que morrem acabam se “suicidando” após tentativas frustradas do vírus de completar seu ciclo.
O “ideal” para o HIV é se ligar ao linfócito CD4 e escravizá-lo para produzir novas partículas virais. Mas na maioria dos casos o processo de replicação não se completa, deixando só restos de DNA viral na célula.
Os restos causam uma reação inflamatória que leva à morte da célula. Esse processo “explosivo” espalha o conteúdo do citoplasma da célula morta, que contém substâncias pró-inflamatórias. Elas atraem novas CD4 e o ciclo começa de novo.
“Sempre se discutiu qual é o mecanismo que leva pessoas com HIV a ter essa grande deficiência imunológica, porque o número de células infectadas no corpo é relativamente pequeno, e o HIV não mata a célula de imediato, ele a usa para se multiplicar”, afirma o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo.
Como o nome já diz, a Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida) é caracterizada pela redução da capacidade do corpo de manter duas defesas. Hoje, as drogas do coquetel anti-HIV conseguem interferir no processo de replicação do vírus, reduzindo sua presença no corpo, mas não acabam com ela completamente.
Se fosse possível evitar a destruição do sistema imune, a pessoa ficaria só com o vírus em circulação, mas sem sofrer seus efeitos.
NOVA DROGA
O novo estudo avaliou a capacidade de um anti-inflamatório evitar a morte de linfócitos. Os pesquisadores usaram tecido linfático retirado das amígdalas e do baço de pessoas com HIV e testaram a ação do medicamento em comparação com um antirretroviral. A ação de ambos em reduzir a morte das células foi similar.
A inflamação já é uma característica conhecida dos pacientes com HIV. Segundo Timerman, em exames clínicos e laboratoriais, percebem-se os sinais da inflamação. “Por isso os infectados envelhecem mais rápido, têm mais aterosclerose e até câncer. Há uma inflamação crônica.”
Uma das ideias dos autores do novo estudo é aliar o anti-inflamatório aos antirretrovirais para combater esse processo inflamatório, que também pode ser uma via responsável pela permanência do HIV latente nos tecidos do corpo mesmo em pessoas com carga viral indetectável por conta do tratamento com antirretrovirais.
“Os dados mostrados no estudo são bastante convincentes, mas ainda precisam ser comprovados na prática clínica”, diz Timerman.
Acesse o PDF: HIV provoca ‘suicídio em massa’ de células de defesa (Folha de S.Paulo, 20/12/2013)