(Correio Braziliense) Procuram-se mulheres. Não precisam ser bonitas, mas é imprescindível que tenham espírito de liderança. Se tiverem o dom da oratória, melhor. O mais importante é que se façam ouvir. Casadas, solteiras, divorciadas, brancas, negras, não importa. Ricas, remediadas ou pobres. Letradas pelos livros ou pela vida. Não foi feito anúncio, só que, ao longo do ano passado, a busca se deu em templos religiosos, nas associações de moradores, nas ruas empoeiradas das comunidades carentes e nos protestos que sacudiram Brasília e o país em 2013.
Olheiros de todos partidos se lançaram à procura de potenciais candidatas a um cargo público nas eleições. A missão: engrossar o quadro de filiadas e, principalmente, convencê-las a disputar um pleito. Por lei, cada legenda deve fechar a lista com, no mínimo, 30% de mulheres. Uma exigência que, segundo especialistas, é atendida de forma protocolar em várias siglas partidárias. Por idealismo ou somente para fazer o que manda a lei, o sucesso da empreitada será medido pelas urnas, em outubro.
Até lá, as potenciais deputadas, senadoras e presidente enfrentam o desafio de destrinchar os enredos da política. E o beabá de uma campanha vitoriosa tem muitos meandros. Um projeto sólido, dinheiro para financiar o corpo a corpo com os eleitores e carisma para cair nas graças do povo. Nos bastidores, a busca dos partidos por mulheres animadas a disputar uma eleição começou há mais de um ano. E, mesmo as siglas com militância feminina, relatam dificuldades de encontrar quem queira largar tudo e mergulhar em uma campanha. Os motivos são os mais variados. Desde a descrença com a política, passando por questões familiares e de ordem financeira.
Entre as estratégias dos dirigentes, está a criação de núcleos voltados para a mulher, como fizeram o PMDB, o PSL, o PT, entre outros. No caso do PTC, o braço feminino do partido se desmembra em unidades regionais, como o PTC Mulher, de São Sebastião. Cada uma dessas unidades foca as ações em questões relacionadas ao universo feminino e leva a discussão a todo o Distrito Federal.
Após quatro convites para ingressar na vida política, a servidora federal aposentada Fátima Mosquera aceitou sair como pré-candidata a uma vaga à Câmara Legislativa. Filiada a partido político há 14 anos, o último deles no PMDB Mulher do DF, ela acha que chegou a hora de ir para a linha de frente. “Naquela época, eu queria trabalhar com políticos. Eu rodava o país à frente de lideranças femininas do partido. Agora, estou em uma outra fase da vida”, conta.
A presidente do PMDB Mulher do DF, Ericka Filippelli, conta que o núcleo feminino é resultado de um trabalho desenvolvido desde 2011. “Resgatamos lideranças e conquistamos nomes. Conseguimos preencher o quadro com um grupo de muita qualidade”, alega. Sobre as resistências, Ericka cita que a mulher ainda tem dificuldade de se ver como uma representante do povo. “O período eleitoral é muito puxado. Elas têm filhos, trabalho e casa. Isso pesa. Política é uma atividade que não tem hora nem local. Mas tentamos mostrar que é preciso ter representante feminina na Câmara (Legislativa) se quisermos mudanças”, finaliza.
Corrente
O PSL Mulher aposta na tendência de que o eleitor quer renovação nos quadros. Criado no fim de 2012, o braço feminino da legenda é comandando por Joacinara Jansen. Ela adotou uma espécie de corrente para atrair mulheres a reuniões: cada convidada tinha de levar cinco amigas ao próximo encontro. “Mostrei a importância de participarem do processo decisório. Elas desenvolvem um trabalho político. Só não se colocam como candidatas porque, primeiro, acham que é caro, e isso é uma concepção equivocada”, explica Joacinara.
O presidente regional do PSL/DF, Newton Lins, garante ter cumprido a cota dos 30% e planeja para maio uma pré-convenção a fim de medir o potencial. Ele reconhece a dificuldade para cumprir a meta legal e atribui a resistência feminina a fatores históricos. “A mulher ficou fora do processo eleitoral por muito tempo e ainda não compreende o funcionamento dos partidos. Também tem mais dificuldade para obter financiamento de campanha”, elenca Newton.
A pastora evangélica Maria Ferreira Bezerra Dias Silva, 50 anos, a Socorrinha Dias, recebeu com receio o convite para se candidatar pelo PSL. “Como toda a população, estou saturada, nem tenho muita paciência para ouvir falar de política por conta da roubalheira. Mas pensei bem e decidi enfrentar. Ainda estou procurando me informar sobre como funciona uma campanha”, reconhece.
O que diz a lei
A Lei nº 12.034/2009 obriga o partido político a reservar 30% das vagas e, no máximo, 70% para candidaturas de cada sexo. Na Câmara Legislativa, há 24 cadeiras. Cada partido pode lançar até 36 concorrentes, sendo 11 mulheres. No caso das coligações, independentemente do número de siglas, poderão ser registrados candidatos até o dobro do número de lugares a preencher. Ou seja, 48, sendo que 14 mulheres.
Em busca de igualdade na disputa
A maioria dos representantes partidários ouvidos pelo Correio atribui a fatores históricos e culturais a resistência feminina em participar de uma eleição como candidatas. Para o especialista em direito eleitoral Flávio Britto, há outro fator preponderante. Muitos partidos incluem mulheres na lista de candidatos apenas para atender a exigência legal. “A concepção da lei é falha. Ela cria a ficção de que uma média aproximada de 30% das cadeiras do parlamento serão ocupadas por mulheres, e isso não ocorre porque tem partido que nem sequer investe nas suas candidatas. Estão lá porque eles são obrigados a incluí-las”, avalia o advogado.
Segundo Britto, uma alternativa capaz de garantir o acesso da mulher ao poder seria a criação de cotas. “O certo seria fixar que 30% das vagas sejam ocupadas por mulheres. Aí, os partidos se preocupariam, verdadeiramente, em apoiar e eleger as suas candidatas”, defende. Se funcionasse assim, das 24 cadeiras da Câmara Legislativa, sete seriam destinadas ao sexo feminino.
Presidente regional do PTC, Agaciel Maia ressalta que é importante os partidos escolherem nomes com potencial. “A pessoa precisa ter o dom. Mas mesmo quem inclui a mulher somente para cumprir a exigência da lei acaba beneficiado, pois, ainda que recebam poucos votos, isso ajuda a elevar o coeficiente eleitoral”, diz.
No caso do PT, a norma interna do partido prevê a paridade entre homens e mulheres. Portanto, em vez dos 30% previstos na legislação eleitoral, a cota feminina é de 50%. O presidente regional da legenda, Roberto Policarpo, ressalta que a sigla tem um quadro de militância forte e, ainda assim, existe dificuldade para atingir a meta. “Isso é cultural. Tanto que no parlamento só 9% dos 513 deputados federais são mulheres. Mas, à medida que ela se coloca como candidata, tem obtido sucesso”, conta.
Depois de anos “ajudando outros a se elegerem”, a pastora Arquilene Regina Mota de Sousa, 36 anos, aceitou o convite para ser candidata pelo PTC. “Fui vista por um “olheiro”, digamos assim. Trabalho com presidiários, e ele disse: “Olha, você tem um público diferenciado e está no meio do povo, por que não vem como candidata?”. Vou entrar porque cansei de bater a portas”, resume. Ela cita, no entanto, dificuldades na empreitada: “Sou pastora e alguns candidatos homens pastores envergonharam o nome de Deus. Convencer as pessoas de que você tem projeto é difícil”.
Na avaliação do presidente regional do PCdoB, Augusto Madeira, o desafio maior dos partidos é batalhar para que as candidatas tenham condições de disputar em pé de igualdade com o homens. “O Brasil tem um dos menores percentuais de mulheres no parlamento. Na América Latina, a média é de quase 40%, e a nossa, de apenas 9% no Congresso”, revela.
Servidora pública, Fabiana Ferreira também encara a disputa pela primeira vez. Não se sente intimidada pela disputa, mas reconhece a dificuldade de disputar com nomes conhecidos. “Quem já tem mandato tem uma estrutura financeira consolidada. Ninguém consegue entrar numa campanha com R$ 10 mil. É preciso investir R$ 300 mil, R$ 400 mil. Isso não é fácil”, reconhece.
Para saber mais: Direito a voto
Há 87 anos, a professora Celina Guimarães Viana entrou para a história ao requerer a inclusão do nome dela na lista de eleitores do município de Mossoró. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), naquele ano, o Rio Grande do Norte colocou em vigor a lei eleitoral que garantia o direito de as mulheres votarem e serem votadas. Essa medida assegurou a participação feminina nas eleições de Natal, Mossoró, Açari e Apodi. A primeira mulher a se eleger prefeita no país também é do Rio Grande do Norte. Em 1929, Alzira Soriano venceu o pleito na cidade de Lages. Mas a participação delas nas eleições em âmbito nacional se deu em 3 de maio de 1933 no pleito para a Assembleia Nacional Constituinte. Oitenta anos depois, no pleito de 2012, as mulheres representaram 51,9% dos 140 milhões de eleitores.