(Época, 03/09/2014) Minha mãe, que tem 86 anos, anda orgulhosa de ver três mulheres debatendo na televisão pelo posto de presidente da República. Desde que me lembro, a única constante política na vida da Dona Leonor tem sido votar em mulheres sempre que a oportunidade se oferece, para todos os cargos. Desta vez, para felicidade dela, não há somente a presidente Dilma, que busca reeleição. Há também Marina Silva, com chances cada vez maiores de vencer, e Luciana Genro, que pontifica nos debates com sotaque gaúcho e perguntas agressivas. No domingo, ao telefone, minha mãe dizia lembrar-se muito bem de um tempo em que o horizonte das mulheres estava mais ou menos confinado à cozinha: “Que bom que mudou, não filho?”.
O valor simbólico desse novo protagonismo feminino é, ao mesmo tempo, imensurável e indiscutível. Um mundo em que as mulheres podem ocupar um cargo de tanto poder – e, efetivamente, o ocupam – é, de uma forma intangível, mas ao mesmo tempo muito clara, um mundo melhor do que aquele que limitava as aspirações femininas à vida doméstica ou a funções profissionais subalternas.
Mas há um descompasso grave entre a simbologia da eleição e o mundo real. Neste, não só os problemas das mulheres brasileiras continuam gravíssimos, como não parece haver nenhum empenho especial das candidatas em abordá-los – embora as mulheres sejam 51,5% da população brasileira e haja no país 6 milhões de mulheres a mais que homens.
Um caso exemplar é a violência contra mulheres. Estatísticas divulgadas pelo governo no ano passado mostram que ocorrem no país algo como 5 600 mortes violentas de mulheres todos os anos – quase 16 casos por dia, ou um caso a cada hora e meia. Esse número, apesar da Lei Maria da Penha, não melhora. Pior, os homicídios são apenas os casos mais extremos de violência a que as mulheres estão sujeitas. As denúncias de insultos e agressões, quando não estupros, contam-se em outra ordem de grandeza. Você viu alguma das candidatas tocar nesse assunto durante os debates – ou trazê-lo com destaque para a propaganda eleitoral? Não vi uma coisa e nem outra.
Outro exemplo é o aborto. Embora seja uma questão de enorme importância para a vida e a saúde das mulheres, sua proibição não é discutida na eleição. Paira sobre o tema um veto religioso que apenas candidatos menores, sem chances aparentes de vitória, se atrevem a confrontar. Enquanto isso, estima-se que seja feito 1 milhão de abortos clandestinos por ano no Brasil e que, a cada dois dias, morra uma brasileira pobre por causa disso. O fato de haver duas mulheres com chances de vitória não alterou o pacto de silêncio que cerca o assunto.
As diferenças de oportunidade de trabalho e de remuneração também passam ao largo da campanha. As mulheres brasileiras ainda recebem em média 28% a menos do que os homens pelo mesmo trabalho, e o desemprego entre elas é três pontos percentuais maior, em todas as regiões do país. Por que as candidatas não falam sobre isso no horário eleitoral?
Há outros exemplos de temas negligenciados no debate eleitoral, mas esses são suficientes para ilustrar minha tese: não adianta haver candidatas se os assuntos que interessam às mulheres não forem levados ao debate. O ganho simbólico não se traduz em avanços reais.
Como maioria da população, e como grupo socialmente mais frágil, as mulheres mereceriam mais atenção das candidatas. Não tem sido o caso. Pergunto por quê e não tenho resposta. Talvez elas achem que pega mal falar em defesa das próprias mulheres. Ou, quem sabe, julguem que esses assuntos não são relevantes para o resto dos brasileiros, embora sejamos todos filhos, irmãos, maridos ou amigos de alguma mulher.
Sei, com certeza, é que entre minhas amigas não há euforia pela existência de três candidatas e de uma provável presidente. Estão todas orgulhosas pelo domínio feminino da eleição, mas as contradições saltam aos olhos. De um lado, a sensação de dominar o mundo. De outro, a dura realidade: as mulheres não conseguem andar na rua sem ser incomodadas, vivem num país machista onde é arriscado até viajar sozinha e, na hora de pegar o holerite, percebem que ganham menos que o cara ao lado.
Dilma, Marina e Luciana deveriam discutir essas questões diante de nós, como fariam quaisquer mulheres que se encontrassem numa noite de sexta-feira para conversar e tomar um chopinho.
Acesse no site de origem: Três mulheres não bastam?, por Ivan Martins (Época, 03/09/2014)