(O Globo, 03/10/2014) O direito de votar no Brasil era restrito no início do século XX aos homens da elite intelectual, os cavaleiros letrados. Após uma série de manifestações no Rio, então capital da República, das chamadas sufragistas, as mulheres que lutavam pelo direito de votar, o país se transformou num dos pioneiros do voto feminino. Dois anos depois da Revolução de 30 e do início da Era Vargas, o sufrágio feminino era adotado no Código Eleitoral de 1932, antes mesmo de nações como França, Itália e Japão. Na América Latina, foi o segundo país a garantir o direito à mulher, atrás apenas do Equador.
Logo no ano seguinte, no pleito de maio de 1933, as brasileiras compareceram às urnas. Em sua primeira página, O GLOBO noticiava o clima de “enthusiasmo, dentro da ordem e da liberdade” nas eleições, honrando a “cultura da mulher brasileira”. Ainda no Império, em 1885, a dentista gaúcha Isabel de Souza Matos reivindicou na Justiça o seu alistamento eleitoral, o que lhe foi negado, anos depois, já na República Velha. Na ocasião, o direito ao voto era limitado aos homens maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever, num país de grandes contingentes de analfabetos. Curioso é que, no Império, o analfabeto pôde votar quase sem restrições, até a Lei Saraiva, de 1881, que criou o título de eleitor no país e vetou o acesso dos iletrados às urnas, elitizando ainda mais as eleições.
Nas primeiras décadas do século passado, da mesma forma como as sufragistas inglesas, as brasileiras costumavam promover ruidosas manifestações de rua na capital. Para divulgar a sua causa, também escreviam cartas à imprensa, a autoridades e concediam entrevistas, além da pressão que exerciam sobre os parlamentares no Congresso Nacional. Poucos anos antes de a conquista abranger todo o território nacional, por meio do código de 1932, as mulheres obtiveram vitórias para garantir o direito de votar e serem votadas. A professora potiguar Celina Guimarães Viana venceu a corrida e entrou para a história política brasileira, após a sanção de uma lei estadual. Seu nome foi incluído entre os eleitores do Rio Grande do Norte em 25 de outubro de 1927. A obrigatoriedade do voto das mulheres no Brasil, porém, só foi instituída décadas depois, em 1965, enquanto para os homens valia desde 1932.
Iniciado em 1532, na época da Colônia, quando os nobres, senhores de engenho, militares e comerciantes da Vila de São Vicente (atual São Paulo) elegeram o conselho municipal, o processo eleitoral brasileiro tornou-se mais democrático, de fato, somente com a inclusão dos analfabetos. Isso ocorreu com o fim da ditadura (1964-1985) e a redemocratização do país. Os analfabetos estavam proibidos de ir às urnas até 1985, quando foi promulgada emenda constitucional, no dia 15 de maio, assegurando o direito. Pela Constituição Federal de 1988, o alistamento eleitoral e o voto passaram a ser facultativos para os cidadãos analfabetos, que, no entanto, permanecem inelegíveis. Pelos dados do IBGE, a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais ainda é de 8,3%. O número representa cerca de 13 milhões de pessoas. Também são facultativos hoje os votos dos maiores de 70 anos e dos maiores de 16 e menores de 18 anos.
Depois dos modelos de urnas de madeira no Império e de ferro nas primerias décadas da República, antecedendo o de lona, atualmente os brasileiros votam em urnas eletrônicas. Elas se transformaram em símbolo da democracia brasileira. Segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 24 milhões de eleitores já são identificados por meio biométrico (das digitais). Referência mundial, o sistema eletrônico de votação adotado no Brasil afere os votos, com rapidez, de um eleitorado que se aproxima de 143 milhões de pessoas.
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