(Carta Capital, 08/03/2015) O governo Dilma Rousseff avançou muito pouco na busca por ampliar a representação feminina no poder, e teve retrocessos
Retomar o debate sobre a representatividade feminina em posições de poder é especialmente relevante em tempos de indicação para órgãos públicos no Brasil, como o Banco Central (BC) e o Supremo Tribunal Federal (STF). É também uma reflexão importante para o dia internacional da mulher. Dentre os nomes cotados, formal ou informalmente, para essas instituições, não há representante feminina para o BC e são raras aquelas para o STF. Afinal, essa reduzida representatividade no País se dá por quais razões? Há, de fato, iguais oportunidades para homens e mulheres?
Infelizmente, o diagnóstico é o de que a presença de uma mulher no cargo político mais alto do País, a Presidência da República, não parece ter gerado impacto acentuado e duradouro nos quadros de poder. O governo Dilma Rousseff não foi capaz de implementar uma política robusta para a inclusão da mulher nos quadros políticos e, em sua tentativa no primeiro mandato, os efeitos duraram pouco. Isso reforça o argumento de que as ações políticas de Dilma foram mais simbólicas do que implicaram mudança institucional efetiva.
O segundo mandato do governo já se iniciou com retrocesso. No âmbito do Poder Executivo, menos nomeações femininas foram feitas para cargos de chefia em ministérios comparativamente ao governo de 2011: seis (15%) e onze nomeações (28%), respectivamente, para um total de 39 cargos, o que representa um corte de quase 50%. No Chile, o segundo mandato de Michelle Bachelet contou com 39% de mulheres em ministérios (9/23) e, no primeiro mandato, com 45% (10/22). Apesar do igual retrocesso, as porcentagens são mais significativas em um país latino-americano vizinho, também conduzido por uma mulher. O Chile também conta hoje com representação feminina no comando do Senado, embora o avanço global no Legislativo ainda seja lento.
Desde o início de sua gestão, a presidente já designou 92 dirigentes políticos para ministérios, incluindo secretarias ou agências com o mesmo status. Somente 15 são mulheres (16%). No geral, homens tiveram mais re-nomeações entre si e substituíram mulheres. Ainda, elas ocuparam apenas 12 dos 39 ministérios. No âmbito do Poder Judiciário, Dilma indicou cumulativamente 16 ministros para o STF e para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo somente três mulheres. No total de 18 mulheres escolhidas para o Executivo e para o Judiciário, apenas duas são negras. Ambas foram nomeadas para a mesma secretaria: a de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Esse dado parece apontar mais para um efeito simbólico do que uma mudança institucional efetiva.
Além da simples análise numérica, a natureza dos ministérios tende a revelar o papel reservado à mulher no poder. Das dez pastas com maior impacto político-econômico – quais sejam Fazenda, Planejamento, Justiça, Relações Exteriores, Casa Civil, Defesa, Saúde e Previdência, além do BC e da Advocacia Geral da União (AGU) cujos mais altos dirigentes têm status de ministro –, apenas o Planejamento e a Casa Civil foram geridos por uma mulher no governo Dilma. No entanto, essa conquista não chegou ao segundo mandato.
Justiça, Relações Exteriores, Defesa, Saúde, Previdência, BC e AGU jamais contaram com uma mulher em seu comando, em toda sua história – embora o BC já tenha tido duas mulheres em sua diretoria. Agricultura, pasta considerada tradicional, contou com uma mulher no segundo mandato. Em uma análise global, contudo, as áreas reservadas às mulheres tendem a estar relacionadas a direitos humanos e comunicação. No Brasil, justiça e, especialmente, economia ainda são espaços com vasta predominância masculina. No mundo, já temos avanços importantes na economia: Christine Lagarde no Fundo Monetário Internacional (FMI), Janet Yellen e Zeti Akhtar Aziz nos bancos centrais dos Estados Unidos (Fed) e da Malásia, respectivamente.
Mas o que explica a persistência da reduzida representatividade feminina? É evidente que não é apenas a baixa indicação de mulheres pela presidente, ainda que seja um fator-chave relevante e porque se esperava mais de seu governo do que qualquer outro no País. A baixa representatividade também é efeito de uma cultura social masculina e de instituições subjacentes, que não estão equipadas para receberem mulheres.
Anne-Marie Slaughter, professora de Princeton que ocupou o cargo de diretora de planejamento político no governo dos Estados Unidos, em seu texto publicado pela Atlantic em 2012, questiona o mito de que as mulheres já “podem ter tudo”. Mulheres não estão em pé de igualdade com homens. Algumas mulheres, que chegaram ao ápice do seu sucesso profissional, precisam acumulá-lo com uma carga de frustração pessoal, porque tiveram que abdicar da convivência familiar para poder se qualificar enquanto “funcionalmente capazes”. Outras, como bem descreve a professora da UFSCar Maria da Gloria Bonelli em suas pesquisas, incorporaram os valores masculinos da profissão e apagaram a diferença. O problema passa a ser visto como a incompetência eventual ou a falta de vontade de mulheres, e não como algo estrutural. O mito da igualdade de oportunidades ignora a realidade empírica e todos os obstáculos aos quais elas estão submetidas ao longo de sua carreira, especialmente se considerarmos as distinções entre raça, classe econômica, orientação sexual e identidade de gênero.
Pensar a igualdade de gêneros é também pensar políticas que tornem eficaz a mudança institucional: por exemplo, ter cotas para mulheres em comitês ou conselhos executivos (como se criou na Alemanha, em dezembro último), estrutura adequada para amamentar no local de trabalho, licenças de paternidade e maternidade equiparadas, entre outras. Essas conquistas também seriam um ganho social para homens e entidades familiares em suas diferentes configurações.
A representatividade feminina é importante por potencializar pautas de interesse das mulheres em diferentes áreas, além de contribuir decisivamente para maior produtividade. Por isso, é urgente discuti-la, especialmente considerando o contexto de conservadorismo em que se encontra o Congresso Nacional. Os posicionamentos públicos sobre a criminalização do aborto são sintomáticos. Afirmar que não temos mulheres preparadas o suficiente para assumir cargos de maior influência é simplista, e esconde o problema real, que é estrutural. O governo avançou? Muito pouco e teve retrocessos. Precisamos de ações institucionais e não somente simbólicas.
Camila Villard Duran é professora de direito da USP e pesquisadora visitante das universidades de Oxford e Princeton. Barbara Simão e Maria Luciano são pesquisadoras do PET Sociologia Jurídica (FD-USP/Sesu – MEC).
Acesse no site de origem: Qual é a representatividade da mulher no Brasil?, por Camila Villard Duran, Barbara Simão e Maria Luciano (Carta Capital, 08/03/2015)