(UOL, 07/07/2015) A notícia havia ficado restrita ao meio dos especialistas em robótica, mas era algo digno de nota. Entre os dias 26 e 30 de maio, foi realizada em Seattle (Estados Unidos) a International Conference on Robotics and Automation (ICRA) –Conferência Internacional em Robótica e Automação, em inglês–, a maior conferência mundial sobre esse assunto, onde os melhores especialistas em robótica de todo o mundo descreveram seus espetaculares avanços, assim como acontece todos os anos durante esse evento. Mas a grande novidade estava em outro lugar.
O comitê de organização desse colóquio foi composto unicamente por mulheres, uma proeza nesse meio onde os homens ocupam cerca de 90% dos postos de trabalho e quase todos os cargos de poder.
Sei o tamanho do desafio. Quando compus o painel de convidados para o debate “Robôs: o futuro da humanidade”, que será realizado no dia 26 de setembro, na Opéra Bastille, em Paris, como parte do Monde Festival, procurei reunir o mesmo tanto de homens quanto de mulheres entre os especialistas francófonos, como sempre me esforço para fazer, por minha convicção nas vantagens da paridade. Mas não consegui e tive de abrir mão dessa ambição diante da impossibilidade de descobrir mulheres de renome especialistas em robótica.
A composição da mesa, com uma mulher dentre os cinco participantes, me valeu um tuíte triste e desiludido de uma internauta, Eve Coste-Manière, que revelou ser justamente uma dessas pérolas raras, sendo especialista em robótica cirúrgica.
Mas depois ela admitiu que atualmente trabalhava como consultora, depois de abandonar a pesquisa acadêmica frente ao machismo que predomina nesse setor.
“Há anos venho observando os comitês científicos das conferências de robótica. Por que as mulheres são sempre descartadas? Como um cientista de renome, prestes a se aposentar, pode organizar uma jornada de conferências com todos aqueles que marcaram sua vida de 50 anos de pesquisas sem que nenhuma mulher seja convidada? É inacreditável, não?”
De fato, é. E é também o motivo pelo qual uma jornalista, munida de uma lista de cientistas em destaque no congresso, para localizar essas figuras proeminentes e entrevistá-las não conseguirá encontrar mulheres e, portanto, só ampliará o fenômeno.
Só por curiosidade, faça o que acabei de fazer. Para ter mais detalhes sobre Daniela Rus, diretora do laboratório de informática e de inteligência artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das mais prestigiosas universidades norte-americanas, clique em um dos primeiros links que o Google mostra. Ele dá acesso à biografia dessa excepcional pesquisadora. Mas, estranhamente, a foto é de um homem! O editor do artigo provavelmente não conseguiu imaginar que uma mulher pudesse ocupar um cargo científico tão prestigioso.
Então as norte-americanas quiseram quebrar esse círculo vicioso, lideradas por Lynne Parker, professora de informática na Universidade do Tennessee (Estados Unidos). “A maioria dos comitês anteriores só tinha uma ou duas mulheres, e muitas vezes eram sempre as mesmas duas que eram nomeadas. Quis constituir um comitê com 100% de mulheres para aumentar a visibilidade das especialistas em robótica no mundo”, ela explica. Ela fez um apelo às pesquisadoras de países em desenvolvimento e também a cientistas mais jovens, o que não se fazia anteriormente, para que essa busca por diversidade também fosse geográfica e geracional. “Minha esperança é que essa iniciativa incentive jovens mulheres estudantes de robótica, dando-lhes exemplos de mulheres a serem seguidos.” Há europeias nesse comitê, mas nenhuma francesa. Seriam os franceses especialmente machistas?
Nos Estados Unidos, Lynne Parker não faz segredo de que foi um homem quem a incentivou a tomar essa iniciativa, George Lee, especialista renomado em robôs humanoides. “Há muitos anos ele me dizia que adoraria ter uma equipe inteiramente feminina organizando o congresso. Ele continuou insistindo, e acabei aceitando a ideia”, ela explica.
Esse homem esclarecido deve ter pensado que era melhor que os humanoides não fossem fruto exclusivamente da criatividade masculina.
Só que, para reverter a tendência, só se pode contar com a evolução natural das mentalidades. A porcentagem de mulheres na informática só tem diminuído. Nos Estados Unidos, elas representavam 35% da força de trabalho nessa área em 1990, mas somente 26% em 2013, segundo um estudo da Associação Americana de Mulheres Universitárias (AAUW).
Em vez de desencorajar as mulheres cientistas, é melhor inspirá-las, como fizeram Lynne Parker e George Lee. Caso isso não ocorra na França, será que deverão ser determinadas cotas para lhe abrir o caminho?
Acesse no site de origem: Serão necessárias cotas para mulheres cientistas na França?, por Annie Kahn (UOL, 07/07/2015)