(Valor Econômico, 07/01/2016) Em 2015, as mulheres nas ruas gritaram “Fora Cunha”, foram as primeiras a atacar o poderoso político e conseguiram enfraquecer o inimigo. Em 2016, poderão ir às praças para brigar em outra quadra, a eleitoral. Mas é bom advertir, desde já, que o cenário político brasileiro vai continuar indefinido e confuso por muito tempo. Nada impede de se fazer projeções prováveis, como sobre eleitores e candidatas. As eleições municipais deste ano significarão muito para o Brasil e para as mulheres em particular. As cidades, nos últimos anos, têm levado grande número delas a se candidatar para câmaras municipais e prefeituras.
Essas candidatas, líderes de movimentos sociais, militantes de diversos partidos, sabem que os poderes das cidades podem mudar as coisas para as outras mulheres. A política municipal define a disponibilidade de serviços fundamentais para a vida delas e de suas famílias, como transportes de qualidade, postos de saúde e hospitais, creches e escolas, centros de cultura e tantos outros. O 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, poderia até ser dedicado à tenacidade dessas mulheres que enfrentarão os caciques partidários e os poderosos de sempre que manejam os controles das máquinas urbanas.
Já está claro que não falo de uma data meramente comemorativa ou associada a um oportunismo comercial, mas de um calendário para um março pautado por eventos políticos. É o que se pode esperar em meio das tormentas trazidas por 2015, que continuarão a fustigar os próximos tempos da política brasileira.
Aliás, a data que no mundo inteiro simboliza esse mês já foi marcada, na primeira metade do século XX, por grandes lutas contra a exploração das trabalhadoras e por movimentos pelo direito do voto feminino. Nas décadas recentes, as feministas têm sido as protagonistas de grande ativismo que reivindica os direitos da mulher sobre seu corpo, a liberdade de escolha de ter ou não ter filhos, a descriminalização do aborto e até o de andar nas ruas sem sofrer abuso sexual. O poder público e o político seguem fingindo não compreender tais exigências.
Assim, neste março de 2016, as mulheres poderão reafirmar um direito adquirido, mas não exercido: a da igualdade com os homens na divisão dos espaços do governo das cidades. O que é certo é que milhares de mulheres vão brigar, dentro dos seus partidos, contra um coronelício fora do tempo, que insiste em atrasar o Brasil.
Nas eleições de 2008 foram 72.476 candidatas para vereança; em 2012, com a lei de cotas, passaram para 133.828. Um crescimento de 85%. Nesse ritmo e neste momento superpolitizado, o número de candidatas poderá mais do que dobrar. Ainda assim, enfrentarão, dentro dos partidos, um verdadeiro corredor polonês para conquistar o direito de competir nas urnas. É assim que tem sido em todas as Eleições.
Nas últimas municipais foram eleitas 663 prefeitas, um crescimento de 31%. Nada mau, mas muito pouco para mudar significativamente as políticas públicas e, em consequência, melhorar a qualidade de vida delas e das pessoas em geral. Sabe-se, por outro lado, que as taxas de participação das mulheres nas esferas políticas e os indicadores de qualidade de vida têm alta correlação.
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), divulgado no dia 14, traz indicadores comparativos da situação de gênero em 155 países. O índice de desigualdade de gênero no Brasil o coloca entre os 60 piores países para as mulheres viverem. E, para o nosso constrangimento, mostra que na nossa frente estão 96 países mais avançados.
Segundo o relatório, o índice brasileiro piorou em 2014 e está atrás do de vários países da América Latina, como México, Argentina, Cuba, Chile e Uruguai. Ou seja, o Brasil continua a ocupar a vanguarda do atraso na questão de direitos iguais para homens e mulheres. Sem eufemismos: é um escândalo em um país que se ufana de estar entre as dez maiores economias do mundo. A baixa participação feminina nos parlamentos (9%) é o principal fator que desenha esse quadro diminutivo do Brasil.
Neste ano novo, a gravidade da crise política e econômica, os estragos da corrupção, o anacrônico modelo eleitoral, a persistência de procedimentos machistas nos partidos políticos pedem uma profunda chacoalhada nos modos e costumes de fazer política no Brasil.
É bem provável e até necessário que as mulheres, com o espírito do 8 de Março, saiam novamente na vanguarda das pressões por reformas. Que elas tenham fôlego em 2016 para derrubar os entraves do progresso, como já fizeram no ano que passou. Que caminhem nas ruas, que lotem as praças, que tomem as cidades para viabilizar as mudanças que tardam tanto. Seria um Dia Internacional das Mulheres de encher os olhos daqueles que olham a história de frente.
Fátima Pacheco Jordão é socióloga, diretora da FPJ-Fato, Pesquisa e Jornalismo. Com Celi Regina Pinto e José Eustáquio D. Alves organizou “Mulheres nas eleições de 2010” (Associação Brasileira de Ciência Política e Secretaria de Políticas para as Mulheres)