(O Globo, 18/01/2016) A corrida para conseguir cumprir a norma, de 30% de mulheres, gera histórias inusitadas
Candidata a vereadora no Rio pelo PV nas últimas eleições municipais, em 2012, a consultora imobiliária Luciene Correa Calazans, a Lu Calazans, não esconde o arrependimento por ter participado da disputa. Com somente cinco votos, ela admite que apenas atendeu a um pedido de colegas do partido e sequer fez campanha. O pano de fundo é um dilema que já começa a mobilizar os bastidores das legendas para este ano: para cumprir a cota obrigatória de gênero, de 30%, válida desde 2010, lideranças forçam mulheres a concorrer, mesmo sem qualquer perspectiva de sucesso nas urnas.
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— Eu fico triste porque meu nome ficou ali, para qualquer um ver na internet, com só cinco votos. Nem eu votei em mim porque trabalhei para outros — conta Lu Calazans, que não concorrerá novamente, mas segue filada a um partido, agora o PSB.
O caso de Lu Calazans não é isolado: um levantamento feito pelo GLOBO nos dados do pleito de 2012 para vereador no Rio mostra que dos 33 candidatos que registraram entre um e dez votos, 28 (85%) são mulheres.
— Esse é um dado que caracteriza a burla do sistema. Do jeito que está, os partidos colocam candidaturas de araque. Mas quantas mulheres estão realmente na liderança? Nesse caminho das cotas, somente uma reserva efetiva de cadeiras, atualmente em discussão no Congresso, poderia resolver — comenta Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio.
A dificuldade de conseguir mulheres suficientes para cumprir a cota feminina parece ainda maior em partidos pequenos. Entre as 28 candidatas que tiveram entre um e dez votos nas eleições para vereador do Rio em 2012, o nanico PTN foi o que apareceu mais, com quatro de suas filiadas. A dona de casa do bairro de Anchieta Lea Esch foi uma delas, com sete votos:
— No início, até pensei em me candidatar, mas desisti. Acabei deixando o meu nome porque existe essa dificuldade da cota. E alguns amigos votaram em mim.
Sandra Maria Alves dos Santos, a Sandra Guerreira, não ficou nada feliz ao saber que, mesmo tendo avisado que não queria concorrer em 2012, teve seu nome mantido pelo seu partido à época, o PTdoB. Ela só soube quando um funcionário ligou, às vésperas das eleições, para que ela fosse à sede buscar o material de campanha.
— Achei aquilo um absurdo. Mas chega perto da eleição e é uma corrida danada atrás das mulheres. Nem sei o que fizeram com o material porque eu não fui buscar. E nem sei quem foram as duas pessoas que votaram em mim — reclama Sandra, que este ano pretende se candidatar pelo recém-criado PMB (Partido da Mulher Brasileira).
A corrida para conseguir preencher a cota gera até histórias inusitadas. A assessora parlamentar Shirlei Aparecida Martins Silva, que foi inscrita pelo PRTB em 2012, mas teve só seis votos após abandonar a campanha, conta que já recebeu pedidos para angariar mulheres de última hora para concorrer. Ao menos uma vez, não deu certo:
— Teve uma vez que mandei várias, inclusive uma que conhecíamos como Xuxete. Acontece que, na hora da inscrição, descobriram que Xuxete, na verdade, chamava-se Osvaldo.
SÓ SEIS VEREADORAS
Atualmente, na Câmara do Rio, há apenas seis mulheres (21%) entre os 51 vereadores. Mais votada no pleito passado, Rosa Fernandes (PMDB) defende a cota de gênero de 30%:
— É claro que há candidaturas feitas só para cumprir a exigência, mas ainda assim o fato é que as mulheres estão mais presentes na vida política.
O GLOBO tentou contato com os diretórios do Rio do PTN, do PV e do PRTB, mas não obteve retorno. O presidente do PTdoB do Rio, Vinícius Cordeiro, negou que tenha forçado a candidatura de Sandra Guerreira, mas admitiu que há casos em que mulheres são persuadidas:
— Todos fazem isso. Concordo que a participação das mulheres tem de ser maior, mas a imposição da cota não melhora isso.
Ruben Berta
Acesse o PDF: Para cumprir cota, partidos criam candidaturas até sem consentimento (O Globo, 18/01/2016)