(Opera Mundi, 27/02/2016) Dois militares foram considerados culpados por assassinatos e pelo estupro sistemático de mulheres indígenas em base militar entre 1982 e 1988
Um tribunal guatemalteco condenou o tenente coronel Francisco Reyes Girón e o comissário militar Heriberto Valdez Asij a 360 anos de prisão por crimes contra a humanidade durante a guerra civil no país (1960-1996). Os dois foram considerados culpados por assassinatos e pelo estupro sistemático de mulheres indígenas na base militar de Sepur Zarco, no leste da Guatemala, entre 1982 e 1988.
Esta é a primeira condenação de militares envolvidos em violência sexual durante o conflito que durou 36 anos. A sentença foi comemorada pelas vítimas, muitas com mais de 70 anos de idade, e por ativistas de direitos humanos. O público presente no tribunal aplaudiu os juízes após a leitura da sentença.
“Nós juízes acreditamos firmemente nos testemunhos das mulheres que foram estupradas em Sepur Zarco”, declarou Yassmin Barrios, juíza-chefe da Corte. “O estupro é uma arma de guerra, é uma maneira de atacar o país, matando ou estuprando as vítimas, com as mulheres vistas como um objetivo militar.”
“Isto é histórico, é um grande passo para mulheres e sobretudo para as vítimas”, declarou Rigoberta Menchu, mulher indígena guatemalteca vencedora do Prêmio Nobel em 1992 por sua atuação em prol dos direitos humanos no país, presente na audiência.
Francisco Reyes Girón, que comandava a base de Sepur Zarco, foi considerado culpado de manter 15 mulheres como escravas domésticas e sexuais e por matar a indígena Dominga Coc, que tinha 20 anos de idade, e suas duas filhas, Anita e Hermelinda, em 1982. No total, sua sentença soma 120 anos na prisão.
Já Heriberto Valdez Asij recebeu sentenças que somam 240 anos na prisão pela mesma acusação de manter escravas sexuais e pelo desaparecimento forçado de sete homens.
Moises Galindo, advogado de Girón, afirmou que o processo foi “fabricado” e que seu cliente nunca esteve no local dos crimes. “Vamos recorrer e anular este caso”, declarou.
As vítimas dos crimes lutavam há mais de 30 anos por justiça. “Fomos estupradas, tudo isso aconteceu. Se não tivesse acontecido, onde estão nossos maridos? Não sabemos onde eles estão”, declarou Demesia Yac, hoje com 70 anos de idade, que atuou como representante das 15 mulheres estupradas sistematicamente pelos militares.
De acordo com a acusação, em 1982 as forças armadas guatemaltecas atacaram repetidamente a vila de Sepur Zarco, matando ou desaparecendo forçosamente com líderes indígenas que exigiam títulos de propriedade da terra em que viviam, se opondo a proprietários de terra da região. Eles foram acusados de ser parte de guerrilhas contra as quais as forças guatemaltecas lutavam na época.
Agustin Chen, um dos sobreviventes, testemunhou que os soldados o prenderam e o espancavam todos os dias. “Eles mataram sete pessoas, jogando duas granadas na fossa em que as tinham aprisionado”, declarou.
As mulheres testemunharam que foram tomadas como escravas domésticas e sexuais, sendo obrigadas a realizar tarefas como cozinhar e lavar as roupas dos militares e sendo submetidas a estupros coletivos.
Segundo a antropóloga Irma Alicia Velasquez Nimatuj, que depôs no tribunal, bases militares foram instaladas na região para proteger os interesses e assegurar o domínio dos proprietários de terra.
“Essas condenações históricas sinalizam de maneira inequívoca que a violência sexual é um crime grave e que não importa quanto tempo passe, ela será punida”, declarou Erika Guevara-Rosas, da Anistia Internacional.
Segundo a ONU, mais de 245 mil pessoas morreram na guerra civil entre as forças armadas guatemaltecas e guerrilhas, que durou de 1960 até 1996, quando foi concluído um acordo de paz entre as partes envolvidas no conflito.
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