(O Estado de S. Paulo, 24/04/2016) Para promotora, números não significam que pessoas desses grupos estejam sendo mais vítimas de violência, mas comprovam que agressões acontecem em todas as classes sociais
As estatísticas da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo revelam que, em média, 780 mulheres foram agredidas por mês somente na capital (uma por hora), em 2015. Promotores e magistrados ouvidos pelo Estado observam que mulheres de classe média e média alta aparecem cada vez mais nesse grupo. E as autoridades estimam que hoje, em cada 100 casos, de 15 a 20 vítimas pertencem a essa classe social.
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Para a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid), os números não significam que as mulheres de classe média alta estão sendo mais agredidas, mas comprovam que esse tipo de violência está em todas as classes sociais. “Trabalho no atendimento às vítimas que moram na área central da cidade, como Baixada do Glicério, mas também atendo casos dos bairros nobres, como Higienópolis e Jardins. Posso dizer que recebo todos os tipos de vítima: pós-graduadas, profissionais bem-sucedidas, empresárias. E a sociedade tem dificuldade de compatibilizar isso: como uma empresária, uma CEO de uma grande empresa, sofre violência dentro de casa?”, indaga.
Relação assimétrica. Na avaliação de Silvia, as mulheres conquistaram nos últimos anos mais espaço e poder na sociedade, mas muito pouco dentro de casa e a relação dentro dos lares continua, na maioria dos casos, assimétrica, na qual se verifica a “hierarquia de gênero” – com as mulheres exercendo papéis sociais desvalorizados, em condição de subserviência, de subordinação em relação ao homem. “Atendemos no Ministério Público mulheres que têm autonomia financeira, mas que dentro de casa são vulneráveis e sofrem violência. E têm, portanto, muita dificuldade em denunciar.”
A maioria dos casos é de mulheres agredidas e espancadas pelos companheiros. Mas há também muitos processos de outros crimes, principalmente estupro, agressão e ameaça.
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Violência. Um dos casos mais complexos é o da psicóloga Patrícia (nome fictício), hoje com 50 anos de idade. Em 2005, ela decidiu se separar do então marido e começar um relacionamento com um namorado que teve no começo da adolescência. Logo nos primeiros dias de convivência, começaram os espancamentos. “Ele era usuário de drogas, um viciado, na verdade. E me batia sem eu falar absolutamente nada, sem motivo”, relata.
As agressões eram sempre acompanhadas de ameaças. O companheiro dizia que mataria o filho dela e outros membros da família, se o abandonasse.
Durante cinco anos, o nível das agressões cresceu. “Apanhava todos os dias. Eram socos no rosto, na barriga, na cabeça, no corpo todo. Ele me jogava na parede, me chutava. Depois, quando passava o efeito da droga, dizia que estava arrependido, mas ameaçava que mataria meu filho se eu fosse embora”, lembrou a psicóloga.
O companheiro chegou a ser preso durante uma das agressões e ficou seis meses na cadeia por causa da aplicação da Lei Maria da Penha. Mas, segundo a vítima, ela retirou a queixa a pedido dos filhos do agressor. “Eles me convenceram de que não voltaria mais a me procurar e estavam passando fome por causa da ausência do pai.”
No entanto, assim que saiu da cadeia, o réu foi diretamente para a casa da mulher e as agressões recomeçaram. “Ele dizia que havia aprendido a bater sem deixar marcas. Eu apanhava do pescoço para baixo.”
Por causa do relacionamento, abandonou o emprego de psicóloga de uma empresa e abriu uma loja de motos, a mando do agressor, que faliu por causa das dívidas. “Acabei perdendo tudo.”
Há cinco meses, Patrícia fugiu da casa onde ficava “trancada” e está vivendo com os pais. “Aproveitei um dia que saímos juntos e ele se distraiu. Eu saí correndo, cheguei na casa da minha mãe e implorei para ficar aqui”, diz a psicóloga.
Ela prestou nova queixa contra o então companheiro e ele está sendo processado pela Justiça. Enquanto a sentença não é definida, Patrícia raramente sai de casa. “Tenho recebido apoio do meu filho, da minha neta e do meu ex-marido, que é um homem muito bom. Eu sei que vou conseguir recomeçar.”
Medo. Para a Promotoria, é comum as mulheres demorarem a procurar as autoridades para denunciar o agressor. “É muito importante que, assim que a violência aconteça, a mulher busque ajuda. Infelizmente, há muitas mulheres que morrem acreditando na mudança do parceiro, que vai conseguir mudar o comportamento do autor da violência”, disse a promotora Silvia Chakian.
Alexandre Hisayasu
Acesse o PDF: Uma em cada 5 mulheres agredidas em SP é de classe média ou alta (O Estado de S. Paulo, 24/04/2016)