(Folha de S.Paulo) Considerada pioneira do feminismo no Brasil, Rose Marie Muraro, 80 anos, em entrevista à jornalista Eleonora de Lucena, fala dos avanços alcançados pelas mulheres, mas enfatiza a desigualdade de salário. O movimento feminista hoje, para a estudiosa, é “mais silencioso, mas mais profundo”. Abaixo, trechos da entrevista de Rose Marie Murano, que está preparando seu 36º livro, “Um Mundo ao Alcance de Todos”.
MURARO, POR ELA MESMA
“Eu sou porra-louca. Quebro todos os padrões, inclusive os da velhice. Minha rotina continua a mesma. Sem olhos, eu continuo pensando o dia inteiro… Venho perdendo a visão desde que nasci… Pessoas que gostam de mim vêm ler para mim. É comunitário.”
“Sou um catavento. Não vou contra o vento, não. O vento é a história. Estou aberta para o andar da história. Se ela involuir eu morro. Mas não está involuindo, está melhorando. Sempre fiz o que tinha que ser feito, independentemente do meu medo. Sou normal; os outros é que são -posso dizer um palavrão?- cagões. Eu não sou cagão porque sou cega.”
Trechos da entrevista
“Agora temos uma mulher presidente da República. Houve um grande avanço na participação da mulher nas estruturas. As Nações Unidas fizeram uma pesquisa em 121 países e descobriram que com mulheres no poder cai o nível de corrupção. O homem pensa primeiro nele e depois nos outros, daí sai a corrupção. A mulher pensa primeiro nos outros depois nela.”
“Isto me irrita: achar que o feminino é mais fraco porque é menos barulhento. Ao contrário, está muitíssimo mais forte. Saiu a Lei Maria da Penha, que diminuiu a violência doméstica, que é a primeira violência que a criança vê. É a raiz de todas as outras violências, das guerras etc.”
“Mais importante de tudo -que acho que não vai ser conseguido nem nos Estados Unidos por enquanto- é: trabalho igual, salário igual. O resto foi conseguido. Nos EUA, a mulher ganha 80% do que ganha o homem; no Brasil, 70%.”
“Sou muito adepta da Secretaria de Política para as Mulheres. Hoje em dia, em todas as comunidades populares as mulheres tendem a fazer microcrédito, feiras de troca e diminuírem a pobreza extrema.”
“É um movimento geral, mas silencioso – 97% dos movimentos de transformação da pobreza estão na mão da mulher: o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida. Hoje é cem vezes melhor [em relação aos anos 1960, 1970].”
“Não faça uma identidade entre grandeza do movimento e barulho. Há muitos movimentos silenciosos, como esses da economia solidária, por exemplo, que são levados por mulheres. É um movimento mais silencioso, mas mais profundo. Está dando “empoderamento” às mulheres e fortíssimo, até nas áreas rurais.“
“Meu projeto é “empoderar” as mulheres de baixa renda, que vão mudar a estrutura da corrupção no Brasil, o que vai fazer os fluxos de dinheiro se voltarem para onde devem. Como na Escandinávia, onde se voltam ao povo, para pão, escola, trabalho.”
“Microcrédito, feiras de troca e bancos comunitários. Elas se apossarão do dinheiro. Porque nos espaços do Brasil onde já existem essas coisas a mulher é quem faz, negocia. Os homens brigam. Há muita diferença entre homens e mulheres. A mulher é soft; o homem é hard.”
“Não existe uma vanguarda intelectual. Isso é uma maneira machista e centralista de pensar. Existem movimentos no mundo inteiro, já entrou na sociedade.”
“Vanguardas? Não sei. Pode ser que as presidentes das repúblicas sejam. Eu não acredito no sistema de liderança como é no sistema masculino, mas num sistema de comunidades, feminino.”
“São 15 países que não têm o avanço. Nos outros todos o aborto é legalizado. Mexer com a Igreja aqui no Brasil é uma barbaridade. Ruth Cardoso levou [a questão] e a Igreja ficou danada. Jandira Feghali perdeu a eleição no Rio porque era a favor da legalização do aborto. A Igreja tem muito poder no Brasil. As mulheres pobres é que sofrem. Será uma surpresa uma modificação disso no curto prazo.”
Acesse na íntegra: Quero ‘empoderar’ as mulheres de baixa renda (Folha de S.Paulo – 08/03/2011)