(Carta Capital, 16/05/2016) A equipe ministerial é compatível com o ódio destilado na Câmara e no Senado: seu alvo não é só Dilma, mas os beneficiários das políticas sociais
Desde 12 de maio, dia do afastamento da presidenta legitimamente eleita, temos ouvido e lido a seguinte frase: não existe mulher no governo Temer.
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Em um dos programas diários de uma grande rede de TV, seis jornalistas, duas mulheres e quatro homens brancos, favoráveis ao impeachment da presidenta Dilma, faziam uma análise sobre o discurso de posse e a equipe do interino.
Depois de um tempo, ao apontar a flagrante ausência de mulheres ministras, uma jornalista disse:
– Nisso ele pisou na bola! Podia ter colocado pelo menos uma mulher!
Com o que estavam tão assustados? Com a expressão do machismo, do sexismo e do golpe de classe, gênero, raça e parlamentar constatado durante o ato de posse? Com a presença, no auditório, da representação da classe média e da elite que apoiam o golpe?
Num país com mais de 52% da população negra e mais de 50 % formado por mulheres, vimos assumir um governo composto somente por homens, brancos, ricos, heteronormativos e pertencentes a uma mesma geração. Não parece o Brasil que conhecemos nos últimos 13 anos. É o inverso da diversidade do nosso país.
A cobertura midiática hegemônica deixou ainda escapar o que tem sido ostensivamente denunciado nas redes sociais: além das mulheres, não há um negro ou negra na equipe ministerial do governo Temer. Às vésperas do dia 13 de maio, interpretado pelo Movimento Negro como dia nacional de luta contra o racismo, a ausência de negros e negras no primeiro escalão do executivo federal é tão inaceitável quanto um governo conspirador.
Reeducada pelo Movimento Negro, hoje, a sociedade brasileira sabe exigir uma leitura de raça e gênero. A branquitude expressa na foto de posse revela a ilegitimidade de um governo que não está, e não quer estar, comprometido em avançar na construção da igualdade racial e das políticas afirmativas.
A mensagem transmitida é: negros e mulheres sequer foram pensados para constituir a equipe ministerial golpista enquanto a Presidenta Dilma, legitimamente eleita pelo voto popular, estiver afastada.
Uma das principais estratégias do racismo institucional e do machismo é introjetar no imaginário social que as pessoas negras e as mulheres inexistem nos lugares de poder e decisão porque são elas próprias as responsáveis pela sua condição de não existência.
Não é raro ouvirmos que a ausência de negros e de mulheres se deve à falta de formação adequada ou de competência para estar no cargo ou, ainda, que existem poucos quadros políticos de mulheres e/ou negros a serem indicados pelos partidos.
Será que a equipe ministerial de um governo conservador, com uma pauta neoliberal e de elite, daria visibilidade aos sujeitos por eles excluídos e inferiorizados? Sujeitos, por eles tão rechaçados e que, na sua maioria, foram os protagonistas das políticas sociais dos últimos 13 anos. Sujeitos que garantiram o voto e a eleição da primeira mulher presidenta do Brasil, do primeiro operário presidente e, ainda, reafirmaram a continuidade do PT no governo.
A foto da equipe ministerial golpista e interina é compatível com o ódio destilado na Câmara e no Senado durante a votação da admissibilidade do impeachment e tem destinatário certo. Não são somente a presidenta democraticamente eleita e o seu partido. São os sujeitos beneficiários das políticas sociais implementadas durante o mandato da presidenta Dilma, ou seja, os pobres, as mulheres, os negros, os povos indígenas, a comunidade LGBT, entre outros.
A repulsa a esses sujeitos é constatada em duas estratégias do governo interino: a primeira, a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos; a fusão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a fusão do Ministério da Educação com o da Cultura.
A segunda, no slogan pouco criativo escolhido para os dias de (des) governo: ordem e progresso. Mais do que o apelo positivista que esse slogan carrega, ele expressa o pensamento da classe média e da elite que tramaram o golpe.
O pensamento de que os pobres, as mulheres, os negros, os indígenas, os quilombolas, os povos do campo, das águas e das florestas e a comunidade LGBT são considerados subcidadãos, invisíveis ou vistos como seres inferiores. Uma cidadania que lhes foi retirada por terem cometido a ousadia de afirmar a sua existência, reivindicá-la e votar na candidata e no partido que os considera sujeitos de direitos e de políticas.
Diante desse quadro, não é surpreendente e não se pode mesmo esperar que um governo golpista seja capaz de reconhecer a diversidade na composição e nas políticas públicas do poder executivo. Resta-nos, assim, lutar pela restituição da democracia e do seu sentido histórico no nosso país.
Nilma Lino Gomes é doutora em Antropologia Social/USP, pós-doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra, professora da graduação e pós-graduação da FAE/UFMG. Ex-ministra do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos).
Acesse no site de origem: Um governo golpista será sempre incapaz de reconhecer a diversidade, por Nilma Lino Gomes (Carta Capital, 16/05/2016)