(Ceert, 12/06/2016) Causa profundo estranhamento o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciar um plano de medidas de combate à violência contra a mulher, o qual deverá ser administrado pela Polícia Federal.
O ministro não detalhou quais ações serão postas em prática nem quanto deverão custar, muito menos mencionou as políticas públicas já existentes no país de combate à violência contra a mulher.
É de conhecimento público a atuação tida pela Secretária de Política para as Mulheres (SPM), desde sua criação, em 2003, com a implementação de 400 ações relativas ao 3º Plano Nacional de Política para as Mulheres (PNPM 2013-2015). Lembro que o processo de construção do PNPM é consequência das reivindicações e demandas femininas, resultantes da mobilização dos movimentos sociais, com a participação da sociedade civil, movimento de mulheres rurais e urbanas, feministas e organismos estaduais e municipais de políticas para as mulheres, cuja presença, nas conferências nunca foi inferior a 3.000 participantes.
As mulheres reunidas nas conferências representam os 52% da população feminina do país, uma vez que são, concomitantemente, sujeitos e protagonistas tanto de suas próprias vidas quanto da construção de um Brasil sem exclusões e desigualdades. A realização da 4ª Conferência, ocorrida em maio passado, reafirmou a plenitude do 3º Plano Nacional de Política para as Mulheres.
A SPM implementou, a partir de 2005, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que nos 10 anos de prestação de serviços realizou aproximadamente 4 milhões e meio de atendimentos a mulheres em situação de violência. Em 2006, foi criada a Lei Maria da Penha (LPM), que no art. 1º estabelece os mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil.
A Lei Maria da Penha dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção àquelas em situação de violência doméstica e familiar. No art. 2º, define que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Essa lei, ao ampliar o conceito de violência, caracteriza também sua especificidade: a violência sexual é entendida como qualquer conduta que constranja a mulher a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Tais comportamentos podem induzir a mulher a comercializar e a utilizar seu corpo e sua sexualidade de qualquer modo, o que pode levá-la ao estupro, ao aborto ou à prostituição.
Cabe destacar a importância que a SPM teve na realização da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil (CPMIVM, 2013), que mapeou a violência contra as mulheres nos 27 estados da Federação, e da qual resultou a tipificação dos crimes de Feminicídio. A lei alterou o Código Penal para incluir essa modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio, conceituado como crime praticado contra a mulher por questões da condição de sexo feminino. O Brasil tem servido de referência a muitos países pela sua exemplaridade em relação ao avanço legislativo e jurídico das leis propostas ao combate a violência contra a mulher.
Diante desse panorama, um agudo estranhamento ocorre ao se ouvir no discurso de posse do presidente interino Michel Temer: “…Que se tem que prestigiar aquilo que deu certo, completá-los, aprimorá-los e insertar outros programas que sejam úteis para o país. Eu expresso, portanto, nosso compromisso com essas reformas”. Pergunto: Com a iniciativa proposta, onde está o prestígio do que deu certo? Onde estão os aprimoramentos? Onde ficarão os programas que serão úteis ao país?
Sem desqualificar a competência meritória da Polícia Federal, pergunto: Por onde andará a atuação da SPM, no conjunto de políticas públicas destinadas ao combate à violência contra as mulheres? Quem aplicou o Decreto nº 7.958, que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde, no caso recente da adolescente de 16 anos estuprada por muitos homens? Será que a SPM, relegada à condição de uma instância de terceira categoria, invisibilizada e deslegitimada entre outros serviços, poderá manter o papel de protagonista das políticas públicas para as mulheres? Hoje, tempos sombrios, como mencionou a pensadora política Hannah Arendt, se colocam no horizonte das mulheres brasileiras.
Lourdes Maria Bandeira é socióloga, professora titular da UnB, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem)
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