(HuffPost Brasil, 14/06/2016) Nos últimos tempos, a rarefeita participação feminina na política tem voltado ao debate público, seja por conta da recente composição ministerial do Executivo nacional, seja por conta de episódios violentos que tomaram conta do noticiário, clamando por soluções legislativas.
Diante de tal cenário, não seria surpreendente que alguém afirmasse que a legislação brasileira carece de iniciativas para promoção da maior participação feminina nas diversas esferas de poder. A contrário senso, a legislação eleitoral brasileira passou a esboçar, desde a década de 1990, uma crescente preocupação com a redução das desigualdades de gênero na política, culminando, atualmente, em diversos mecanismos previstos em lei. Faz-se necessário, portanto, entender quais mecanismos são esses e porque eles não dão conta de sanarem a desigualdade de gênero existente na política brasileira.
Atualmente, há duas medidas a cargo do Estado para incentivar o ingresso feminino nas esferas formais de poder. A Lei das Eleições (Lei 9.504/97) prevê como função do Tribunal Superior Eleitoral, órgão administrativo e jurídico máximo do processo eleitoral, a produção e difusão de propaganda eleitoral destinada à promoção da participação política feminina.
A legislação prevê, ainda, a destinação de 5% dos recursos do Fundo Partidário a iniciativas direcionadas ao combate da desigualdade de gênero. Ocorre, contudo, que a lei não prevê apenas medidas ao Estado, mas também conta com duas outras medidas a cargo dos partidos políticos.
A primeira, introduzida ainda nos anos 1990, consiste nas chamadas “cotas eleitorais de gênero”, aplicáveis aos cargos do sistema proporcional (deputado federal, deputado estadual e vereador). Segundo a Lei das Eleições, os partidos, ao registrarem suas candidaturas para estes cargos, deverão respeitar a proporção mínima de 30%-70% entre os gêneros, isto é, não poderão ter menos de 30% de candidatas mulheres em suas listas.
Outro mecanismo, este mais presente no cotidiano dos brasileiros, atinge a propaganda partidária: pela Lei 9.096/95, 10% do tempo de televisão e rádio de cada partido deverá ser destinado à promoção da participação feminina na política, sob pena de perda de minutos em futuras exibições. Quanto à fiscalização do cumprimento da medida, tem-se demonstrado essencial o papel do Ministério Público Eleitoral e da Justiça Eleitoral na sanção dos partidos que não cumprem a determinação legal. Apenas em São Paulo, os partidos perderam, no total, 37 minutos de TV e 30 minutos de rádio por este motivo no ano de 2015.
Podemos concluir, assim, que tanto a Lei das Eleições, como a Lei 9.096/95 trabalham com a promoção de igualdade e incentivo à participação feminina de mulheres que já estão minimamente dentro da política brasileira. Essa frente de empoderamento de mulheres políticas que almejam se eleger é essencial e deve estar presente, no entanto, ela é insuficiente pois não abrange a totalidade do problema.
Para sanar o problema da falta de representatividade de mulheres na politica são necessárias soluções multifacetadas, e não apenas legais, uma vez que o problema é complexo e a natureza dos obstáculos que as mulheres enfrentam ao entrarem na política é diversa.
O obstáculo de maior dificuldade é o que está mais intrínseco em nossa sociedade: a percepção de que as mulheres não pertencem à política. Para que esse cenário mude, é preciso que meninas cresçam sendo incentivadas a serem lideres para que, mais a frente, essas mulheres acreditem que são qualificadas o suficiente para concorrerem a cargos de liderança, sendo eles políticos ou não.
Uma possível vertente de atuação, de extrema importância para a promoção da igualdade, recai sobre os partidos políticos. Estes, por sua vez, precisam ser convencidos (ou deixar de ignorar o fato) de que existem inúmeras mulheres competentes para ocupar cargos políticos e, por conseguinte, a investir em suas candidaturas.
Nesse momento, as cotas anteriormente citadas são de extrema importância e podem auxiliar muito no processo. No entanto, de nada adiantará a previsão legal se essas mulheres não contarem com o apoio das legendas e com o acesso a recursos financeiros, como acontece atualmente em muitos casos. Nesse sentido, a democratização das instâncias intrapartidárias se torna uma agenda necessária à promoção da participação feminina.
A mentalidade machista da sociedade possui uma parcela de culpa substancial ao reforçar noções como a reclusão doméstica da mulher, “bela, recatada e do lar”, e o desmerecimento da mulher que se dispõe a ter uma carreira pública. Mentalidade esta, aliás, que se projeta para o âmbito intrapartidário, reduzindo as candidaturas femininas a mero requisito legal e tornando-as sub-financiadas. É esta a realidade concreta à qual o Direito deve se dirigir ao formular soluções para as distorções representativas de gênero.
Isadora Maria Gomes de Almeida é mestranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Fernanda Quiroga é estudante de graduação no curso de Administração Pública e no curso Direito da Fundação Getúlio Vargas.
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