Por que há tantas candidaturas-fantasma de mulheres

11 de setembro, 2016

O Tribunal Superior Eleitoral detectou casos em que mulheres eram registradas como candidatas sem que soubessem apenas para que os partidos fingissem seguir a lei de cotas

(Nexo, 11/09/2016 – acesse no site de origem)

Desde 2009, os partidos brasileiros são obrigados por lei a destinar 30% de todas as suas candidaturas ao legislativo para mulheres. A Justiça Eleitoral, porém, costuma encontrar com frequência fraudes nesses registros.

Muitas delas têm seu nome usado sem consentimento ou até participam de esquemas nos quais, em troca de vantagens financeiras, se candidatam no papel, sem compromisso de fazer campanha, apenas para que as legendas cumpram suas cotas.

O Tribunal Superior Eleitoral investiga casos ocorridos nas eleições municipais de 2012, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”. Na cidade de José Freitas, no Piauí, há suspeita de que mulheres foram filiadas a partidos em troca de emprego e aposentadoria. Sem que soubessem, acabaram na lista de candidatas da legenda, apenas para cumprimento dos 30%.

Entenda abaixo qual a situação da representatividade política feminina no Brasil, os problemas da lei e qual a nova proposta em tramitação na Câmara dos Deputados com potencial de ajudar a lidar com o problema.

Representatividade feminina

O Brasil tem uma proporção menor de mulheres no legislativo federal do que a Arábia Saudita, país onde existe segregação entre os sexos em muitos locais públicos, mas em que há uma cota de 20% para mulheres desde 2013.

Segundo dados da Interparlaimentary Union, o país também perde no quesito da representatividade feminina para todos os seus vizinhos da América do Sul.

Seja nas Câmaras Municipais, no Senado ou na Câmara dos Deputados, o avanço da participação feminina tem sido lento.

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA EM ESPAÇOS DE PODER

As críticas à lei de quotas atual

Em 1997, foi aprovada a lei número 9.504, que determinou que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”, uma tentativa de estimular uma maior presença feminina nos cargos políticos.

Mas a medida só passou a ter efetividade maior recentemente. Até 2009, o texto da lei afirmava que partidos deviam “reservar” uma proporção de 30% de vagas para mulheres. Ou seja, havia a possibilidade de que os partidos “reservassem” as vagas, mas efetivamente as destinassem a homens no momento de realizar o registro eleitoral.

Em 2009, no entanto, o verbo foi alterado de “reservar” para “preencher”, afastando essa possibilidade. O texto ficou assim:

“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”

Lei 9.504 de 1997

Em entrevista publicada em setembro de 2015 no jornal “Folha de São Paulo”, a pesquisadora Luciana de Oliveira Ramos, do Grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, afirmou que a lei de cotas para as candidaturas tem impacto limitado porque não exige que se destinem recursos para suas campanhas. Dessa forma, as candidaturas podem ser apenas figurativas.

Além disso, os partidos são instados apenas a criar candidaturas, sem que haja nenhuma determinação para que vagas nos espaços de poder sejam de fato ocupadas por mulheres.

Na ocasião, a pesquisadora afirmou que parte das candidaturas femininas são retiradas após a fiscalização do Tribunal Superior Eleitoral contabilizá-las. São candidaturas-fantasma.

Modelo proporcional

Em entrevista publicada em março de 2016 no Nexo, a socióloga Clara Araújo, do Departamento de Ciências Sociais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), coautora do livro “Gênero, família e trabalho no Brasil”, afirmou que o modelo atual de cotas só funcionaria onde o sistema eleitoral for de lista fechada, ou seja, onde se vota em um partido e na sua relação de candidatos previamente escolhidos.

Se 30% das listas fossem compostas por mulheres, isso significaria levá-las de fato ao poder, caso as listas fossem eleitas. O sistema proporcional usado no Brasil não leva em conta a questão de gênero no que se refere à eleição de fato dos candidatos. O vídeo abaixo mostra como os parlamentares são escolhidos pela população:

Pelo modelo atual, 30% das candidaturas podem até ser femininas, mas nada garante que essas candidaturas terão estrutura para prosperar. “As cotas não alteram esse padrão porque a competição é muito individualizada”, explica Clara.

Financiamento desigual

Outro problema é financeiro. Estatisticamente, as mulheres ganham menos que os homens, de acordo com dados do Imposto de Renda. E suas campanhas arrecadam menos, sobretudo em se tratando de doações de empresas, segundo dados do TSE. Em média, candidatas a deputada federal receberam menos de um terço das doações recebidas por candidatos homens.

“Quando têm mais de um milhão de reais as chances de as mulheres se elegerem mudava consideravelmente, em relação à média, e se torna até mais favorável do que as chances dos homens,” afirma a socióloga.

Ela acredita que falta um comprometimento dos partidos em geral com essa questão e estes colocam mulheres “sem capital político para concorrer”.

Além disso, muitos dos locais onde os partidos vão buscar candidatos, como associações políticas, sindicatos, nichos eleitorais do interior, são em grande parte ainda dominados por homens.

A entrada em vigor, na prática, da lei que determina que 30% das candidaturas fossem ocupadas por mulheres levou a uma explosão da presença de donas de casa entre candidatos do primeiro turno das eleições municipais de 2012, de acordo com dados do TSE.

Foram 13.302 candidatas a mais, ou uma variação de 140%. Em números absolutos, essa variação perde apenas para as candidaturas de servidores municipais, que tiveram alta de 13.576 pessoas, ou de  56%.

Esse pode ser encarado como mais um possível indício de que candidatas sem atuação política ou base eleitoral têm sido utilizadas para cumprir a lei.

Apesar disso, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que defende cotas para mulheres em espaços de poder, avalia que as cotas vigentes conseguiram impulsionar a candidatura de mulheres. Ela ressalta que agora candidatas devem pressionar os partidos para promovê-las.

“Nas eleições municipais deste ano, a importância do fundo partidário cresceu e nós temos alertado as candidatas a acionarem as secretarias de mulheres de seus partidos para fiscalizar as possibilidades abertas pela lei”, afirmou ao Nexo.

Um novo modelo de cotas: vagas no parlamento

Em junho de 2015, a Câmara dos Deputados rejeitou a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 182 de 2007, que garantia um percentual de vagas no Legislativo para as mulheres.

A proposta previa que 10% do total de cadeiras na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas estaduais, nas Câmaras de Vereadores e na Câmara Legislativa do Distrito Federal fossem preenchidas por mulheres. Na legislatura seguinte, o percentual teria de subir para 12% e, na terceira, para 15%. Ou seja, a cota iria aumentando gradativamente.

“O Brasil está se transformando em país de cotas. Em Estados e municípios, não é proibida a candidatura de mulher. Se criarmos cota, amanhã ou depois teremos deputadas federais eleitas com 5.000, 10 mil ou meia dúzia de votos (…) Não entramos aqui pelo sexo nem por opção sexual; foi pelo trabalho, pelo empenho e pelo compromisso com a sociedade”

João Rodrigues
Deputado federal pelo PSC de Santa Catarina, em debate no Congresso sobre a PEC 182 de 2007

Em agosto de 2015, o plenário do Senado aprovou, no entanto, um projeto similar, a PEC 98 de 2015. Conhecida como PEC da Mulher, ela estabelece cotas para mulheres nos Legislativos municipais, estaduais e federal, exceto no Senado.

A proposta foi elaborada dentro da Comissão Especial da Reforma Política. Atualmente, o texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, onde ganhou o número de PEC 134 de 2015.

O relator é o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que é responsável por coordenar o debate entre deputados e sistematizar a proposta final.

Em entrevista concedida em setembro de 2015 para a Agência Brasil, ele afirmou que o texto atual tem perspectiva de ser aprovado porque, ao contrário da PEC 182, não prevê cotas permanentes, mas apenas nos três próximos pleitos.

A proposta prevê a reserva de 10% das cadeiras nas próximas eleições, 12% nas eleições seguintes e 16% nas que se seguirem. Para a senadora Vanessa Grazziotin, o texto não é ideal, mas é factível na atual conjuntura política.

“Claro que essa porcentagem que almejamos não representa o ideal, mas é o possível em um parlamento majoritariamente masculino. Esta luta é um processo, como você vê, já tivemos que lutar para poder votar, para podermos ser votadas, para podermos nos candidatar, para sermos mais competitivas como candidatas. Agora, com a reserva de cadeiras, partimos para a luta pela presença paritária, que espelhará mais fielmente nossa presença na sociedade”

Vanessa Grazziotin
Sendadora do PCdoB do Amazonas que defende cotas para mulheres em espaços de poder, em entrevista concedida por e-mail ao Nexo

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