(O Globo, 17/06/2016) É contundente a resposta da comunidade científica brasileira, mostrando sua capacidade de enfrentar problema complexo e que envolve abordagem multidisciplinar.
Nas histórias de sucesso da ciência brasileira, as doenças infecciosas e parasitárias sempre tiveram um papel relevante. Destaco a descoberta da doença de Chagas, tema em que o Brasil ocupa liderança mundial reconhecida.
Há muitos anos o Aedes aegypti vem se mostrando um eficiente vetor para a transmissão de uma série de vírus, cujos nomes e doenças por eles causadas vêm se incorporando ao nosso vocabulário cotidiano, como a febre amarela; as diferentes formas da dengue, que apareceram a partir de 1968; chicungunha, que surgiu em 2014; e zika, a partir de 2015. Este último é conhecido desde 1947, quando foi encontrado em macaco Rhesus da Floresta Zika, em Uganda; e em humanos na Nigéria, em 1968, chegando ao Brasil em 2015. Seria mais uma arbovirose, caso não surgissem em pacientes grávidas infectadas por este vírus algumas manifestações neurológicas, como a microcefalia, lesões retinianas, entre outras. O diagnóstico vem sendo feito com a detecção do RNA viral, ampliando-se com o uso de testes sorológicos.
Cabe aqui ressaltar que a emergência da infecção pelo zika surpreendeu a todos pela sua gravidade em uma parcela significativa de casos. Por outro lado, levantou um conjunto de questões cujas respostas só podem ser dadas com investigação científica de qualidade. São muitas as perguntas sem resposta e que requerem estudos a serem realizados utilizando as abordagens mais adequadas e baseadas no que há de mais moderno. É importante conhecer melhor os vários vírus que circulam entre as dezenas de insetos hematófagos transmissores dos vírus mencionados e outros, como oropouche e mayaro, que podem criar sérios problemas a qualquer momento; desenvolver novas alternativas de controle da proliferação dos vetores; melhorar o conhecimento sobre a estrutura, composição e mecanismos de invasão celular pelo zika; desenvolver um modelo experimental que reproduza o quadro de infecção pelo zika, inclusive a microcefalia, entre outras dúvidas importantes.
O Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia foi rapidamente mobilizado no sentido de responder às principais dúvidas sobre o vírus e a doença. A Finep, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, lançou um edital de R$ 30 milhões para apoio às instituições de pesquisa científica e outro de R$ 300 milhões para apoio, na forma de crédito, ao setor industrial que desenvolve produtos e processos na área. Outro edital acaba de ser lançado pelo CNPq, Capes e Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, envolvendo recursos da ordem de R$ 60 milhões. Algumas fundações estaduais de apoio à pesquisa vêm apoiando pesquisas sobre o zika. Em poucos meses, se organizou o maior sistema de apoio financeiro à pesquisa em um tema específico de saúde pública no país.
O que já está claro neste momento, e merece ser divulgado e comemorado, é a contundente resposta da comunidade científica brasileira, mostrando sua capacidade de enfrentar um problema complexo e que envolve uma abordagem multidisciplinar. Esta resposta pode ser medida pelo significativo número de artigos científicos publicados por nossos pesquisadores em revistas do mais elevado nível internacional. Entre 540 artigos publicados sobre zika em 2016, 15% tiveram a participação de pesquisadores brasileiros. Pela primeira vez, podemos comemorar a publicação de três artigos na “Science”, um na “Nature”, quatro no “Lancet” e três no “Jama”, quatro das mais importantes revistas científicas do mundo, em um período de cinco meses.
Wanderley de Souza é presidente da Finep e professor da UFRJ
Acesse o site de origem: Zika é oportunidade para ciência brasileira,por Wanderley de Souza (O Globo, 17/06/2016)