(Folha de S.Paulo, 23/06/2016) Há muito o Brasil se debate com o excesso de operações cesarianas em relação ao parto normal. Dez anos atrás, neste espaço, já se registrava a iniciativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de considerar tal excedente para rebaixar a avaliação de convênios de saúde.
Desde então, a situação só fez piorar. Se naquela altura 80% dos nascimentos no sistema de saúde privado ocorriam por via cirúrgica, hoje eles beiram 85% —mais que o dobro da taxa no SUS (40%). A média nacional fica em 55,6%, ou 1,6 milhão de cesáreas em 2,9 milhões de partos anuais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma proporção de 15%. Ajustada para as condições brasileiras, que incluem elevado número de mulheres que passaram por cesáreas, a taxa desejável seria de 25% a 30%.
Estamos, portanto, diante de uma epidemia, e ela se tem provado difícil de debelar. A cesariana, apesar de constituir a melhor indicação médica em algumas ocasiões, quando desnecessária implica riscos aumentados tanto para a mãe quanto para o bebê.
Seguidas tentativas de reverter esse quadro têm esbarrado em barreiras recalcitrantes, como costumam ser as de fundo comportamental. No mundo urbano contemporâneo, tanto mães como médicos parecem enxergar vantagens na cesariana, sobretudo por sua previsibilidade e duração.
O direito da paciente de escolher a via do parto e a autonomia do obstetra podem, no entanto, conflitar com os interesses do nascituro. Cabe ao poder público e à classe médica fixar os limites éticos das cesáreas eletivas, como tenta de novo fazer a recente resolução nº 2.144 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A normativa estipula que a cesariana por escolha da gestante não poderá ocorrer antes da 39ª semana de gestação. Ela segue um novo critério de maturidade fetal adotado em 2013 pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas.
Anteriormente, bebês eram considerados maduros já a partir da 37ª semana. Estudos indicaram, contudo, que cesarianas realizadas antes da 39ª aumentavam a incidência de problemas respiratórios nas crianças.
Há dúvidas, no entanto, quanto à eficácia da restrição em diminuir o excesso de cesáreas. A mesma recomendação do CFM faculta ao obstetra referenciar a gestante a outro profissional quando houver discordância entre médico e paciente —vale para a escolha tanto pela cirurgia quanto pelo parto normal.
Acesse o PDF: Epidemia de cesarianas, editorial do jornal Folha de S.Paulo (Folha de S.Paulo, 23/06/2016)