(Rede Brasil Atual, 28/06/2016) União Brasileira de Mulheres destaca que um dos artigos do projeto sobre o tema que tramita na Câmara provocará uma sobrecarga para os delegados e para a delegacia de mulher
A União Brasileira de Mulheres (UBM) divulgou um artigo ontem (27) defendendo a exclusão do artigo 12 B, que faz parte do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados 07/2016. O PLC trata de alterações na Lei Maria da Penha, no entanto, este artigo em particular é visto pela entidade como um elemento que fragiliza o combate à violência contra a mulher.
“Essas modificações querem fragilizar o poder Judiciário, fortalecer o poder de polícia e tirar a possibilidade de as mulheres lançarem mão da legislação e dos benefícios em caso de serem agredidas”, explicou Lucia Rincon, presidenta da UBM.
Ela destaca que alguns pontos do PLC são positivos como o que reconhece a necessidade de aparelhamentos das delegacias de atendimento à mulher. Por outro lado, o artigo 12 B, que tira do poder judiciário e passa para a polícia a responsabilidade sobre determinados encaminhamentos, não supera as dificuldades de implementação da lei Maria da Penha.
Lúcia lembrou que o referido artigo provocará uma sobrecarga para os delegados e para a delegacia de mulher, que ainda não conseguiu implementar serviços previstos pela lei.
“Vai acumular a polícia e deixa na mão do delegado a decisão de, quando ele decidir, encaminhar, ou não, os casos das mulheres para o judiciário definir por medidas protetivas”, ressaltou a dirigente.
Também ficaria sob a responsabilidade do delegado o acesso da mulher vítima de violência à rede de saúde, pílula do dia seguinte e o aborto legal, em caso de estupro.
“Para o bom funcionamento da Lei Maria da Penha precisamos é de um poder Judiciário engajado para defender as mulheres e não de desresponsabilizá-lo deste dever”, afirma trecho do artigo da entidade.
Confira na íntegra a nota da UBM:
MUDAR A LEI MARIA DA PENHA PARA QUEM?
Ás vésperas de a Lei n. 11.340/ 2006, a Lei Maria da Penha, completar 10 anos de existência como um importante paradigma jurídico consolidado para enfrentar a violência contra a mulher, tramita e será votado um Projeto de Lei (PLC 07), que dispõe sobre o direito da vítima de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial especializado ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino.
A priori seriam modificações benéficas, pois a proposta de alteração em questão visa incluir alguns dispositivos na Lei, a exemplo do artigo 10-A que previnem a revitimização da mulher coibindo a violência institucional no processo de acolhimento da denúncia de violência doméstica, estabelecendo o atendimento ininterrupto por 24 horas, facilitando o acesso das mulheres à perícia especializada, e ao atendimento adequado por profissionais especializados.
A outra modificação posta no artigo 12-A diz respeito à preparação das delegacias para lidar com o feminicídio a partir da criação de núcleos de atendimento, atribuindo essa competência ás delegacias.
Estas duas modificações são importantes aperfeiçoamentos para a aplicação da Lei, e estão de acordo com o que o movimento de mulheres vem pautando desde o relatório da CPMI da Violência Contra a Mulher do Congresso Nacional.
A UBM tem consciência de que é função do congresso alterar leis, contudo no caso desta alteração da Lei Maria da Penha, questionamos a legitimidade, uma vez que ao contrário do processo de formulação da Lei, que se forjou nas proposições do movimento feminista e no diálogo direto com as mulheres, esta proposição não passou pelo crivo das opiniões das mulheres, de seus movimentos representativos, tendo conteúdos que carecem de legitimidade e também de constitucionalidade.
É o caso das alterações previstas no art. 12-B que podem modificar o conteúdo da Lei Maria da Penha, violando direitos. O problema reside na concessão de permissão ao delegado de polícia para deferir medidas protetivas de urgência. O principal argumento é a demora na concessão de tais medidas pelo judiciário.
Não desconsideramos a crítica à demora na concessão de medidas protetivas e tampouco o fato de que muitas vezes essa demora significa a morte de muitas mulheres. Sabemos que a resposta do judiciário nem sempre tem agilidade necessária para assegurar o direito das mulheres à proteção do Estado, encontrando óbices inclusive na opinião de alguns juízes que adotam condutas machistas e misóginas na operação da Lei.
Mas discordamos que o mecanismo de enfrentamento da lentidão na operacionalidade das medidas protetivas, deva ser a alteração da Lei para mudar a competência de quem concede a medida.
Conhecemos essa proposição, ela foi rejeitada no âmbito das alterações legislativas sugeridas pelo CPMI por ser inconstitucional, uma vez que ofende a reserva de jurisdição do poder judiciário. A constituição de 1988 em seu sistema de garantias estabelece que determinadas restrições a direitos sejam submetidas a decisão judicial, por isso as restrições de direitos contidas nas medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, que restringem por exemplo os direitos de locomoção do agressor, só podem ser decididas por juiz.
E embora não haja previsão expressa no texto proposto, a alteração proposta mexe nessa garantia de jurisdição, contrariando princípios como o do juiz natural, o da investidura, o da inelegibilidade, ou seja, na prática, tira a exclusividade de decidir sobre a liberdade e a restrição dos direitos de uma pessoa das mãos do Juiz, dando novo poder aos delegados de polícia.
Pode parecer um contrassenso, posto de forma simplista, mas para nós da UBM o problema da violência contra a mulher não reside na figura dos agressores e não podemos coibir esta violência, que é uma violação de direitos humanos, violando outros direitos humanos.
A transferência de prerrogativas judiciais a agentes policiais, fere o paradigma do Estado Democrático de Direito, cria uma “super polícia” e trará uma inconstitucionalidade para dentro da Lei maria da Penha, inviabilizando-a.
E a rigor, a permanecer o atual estado de coisas, essa alteração apenas trocaria uma lentidão por outra, pois sabemos das dificuldades de estrutura e funcionamento das Delegacias da mulher.
A proposta de alteração do PLC 07 em seu § 2° estabelece que apenas se as medidas que os delegados de polícia deferir não forem suficientes, a juízo deste delegado, é que haverá a representação ao juiz para o deferimento de outras medidas protetivas. Ou seja, piora a situação pois acaba com a capacidade postulatória direta da vítima para o juiz para as medidas protetivas de urgência, pois só quando o delegado de polícia entender necessário, ele é quem representará ao juiz para a aplicação de outras medidas protetivas.
Outro problema será a transferência para as Delegacias de Polícia da atribuição de realizar a intimação quanto ao eventual deferimento das medidas protetivas de urgência. Não mais serão os oficiais de justiça a cumprirem os mandados de intimação, mas apenas os agentes de polícia ou inspetores. Se as delegacias de polícia já estão assoberbadas de trabalho, dariam conta de mais essa atribuição?
Para o bom funcionamento da Lei Maria da Penha precisamos é de um poder judiciário engajado para defender as mulheres e não de desresponsabiliza-lo deste dever.
O problema central é o pouco ou a ausência de investimentos feitos pelos governos estaduais nas políticas de prevenção e enfrentamento a violência contra a mulher, que requerem equipamentos formação e valorização profissional. A polícia precisa é de estrutura, não de chamar para si competência do judiciário sem condições materiais para exercer de fato a proteção das mulheres.
Em vez de reforçar suas pautas corporativas instrumentalizando as garantias das mulheres, as DEAMS deveriam se somar à luta do movimento feminista para pressionar o regular funcionamento da aplicação da Lei pelo poder judiciário.
Melhor para as mulheres são as delegacias da mulher funcionado com estrutura, investigando o feminicídio e conduzindo seu trabalho sem violência institucional.
É preciso excluir o Art. 12-B do PLC 07/2016. Alterar a Lei Maria da Penha só se for para melhorar sua aplicação enquanto uma lei que protege as mulheres sem violar o direito de ninguém.
Não podemos permitir que usem a proteção de nossos direitos para desfigurar o sistema de garantia dos direitos fundamentais, isto é desrespeitar nossa luta e o conjunto de valores que originaram a Lei Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha é das mulheres, não deve ser alterada em favor de quaisquer interesses que não os nossos, afinal uma vida sem violência é nosso direito.
Dra. Ana Carolina Barbosa
UBM / Junho de 2015
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