(El País, 05/07/2016) Diego Vieira foi encontrado morto com sinais de espancamento e seminu no campus da UFRJ
Diego Vieira Machado, de 29 anos, morreu assassinado no último sábado, dia 2, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu corpo apareceu às margens da Baía de Guanabara, nu da cintura para baixo, sem documentos e com sinais de espancamento e um golpe na cabeça. A morte de um negro, gay e bolsista não só chocou o campus, que reclama há tempos da falta de segurança e iluminação, mas revelou a existência de ameaças à comunidade negra e gay da universidade. “Se confirmar que se trata de um crime de homofobia será a confirmação de que vivemos um período de retrocesso na garantia dos direitos civis da população LGBT”, alertou o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Paulo Melo.
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Em um e-mail veiculado em maio através da rede interna da UFRJ, um grupo autodenominado “Juventude Revolucionaria Liberal Brasileira” lançou uma série de ameaças dirigida aos bolsistas: “Tomem cuidado. […] Vamos começar por um certo aluno que se diz minoria e oprimido por ser homossexual, que gosta de fumar maconha e outras cositas a mais (cocaína, chá de amanita…), às vezes com o dinheiro da bolsa ou da família opressora, que briga com os familiares por ter opiniões divergentes da sua grande intelectualidade marxista, que odeia [Jair] Bolsonaro, que prega a liberdade e o amor, mas apoia o aborto […]”. Por enquanto não há indícios de que o texto, denunciado pelos próprios estudantes ao programa estadual Rio Sem Homofobia, aponte Diego como o alvo do grupo, mas é parte da investigação e escancara um clima de intolerância que já podia se intuir nas pichações homofóbicas nos banheiros e muros de várias faculdades. Diego, segundo o depoimento dos amigos à polícia, sofria ameaças.
Homossexual, Diego era conhecido por enfrentar o preconceito e botar o dedo na ferida quando achava necessário. Era raro ele se calar se alguma coisa o incomodava. A motivação homofóbica é uma das principais linhas de investigação da polícia, que já identificou quatro suspeitos – estudantes e pessoas de fora do campus – após ouvir o depoimento dos amigos do jovem. Mas não é a única. Em 7 de abril, Diego denunciou no seu perfil do Facebook a suposta agressão e estupro de um jovem por parte de seguranças das obras do campo de rugby, uma atitude que hoje os colegas e a família contemplam como outra possível motivação do crime. “Os seguranças do campo de rugby violentaram e torturam um rapaz, o deixando nu e humilhado na rua [..]. e [depois] a nossa segurança interna, que levou meia hora pra chegar, sendo que eu levo 15 minutos andando […] não registrou a ocorrência, não levou o rapaz pra fazer averiguação ou ao médico, e ainda usaram desculpas do tipo, ‘mas o que você estava fazendo aí’. Essa é nossa segurança, que nos protege, chamando a PM para alunos e acobertando seus comparsas estupradores….”, disse.
Diego era o mais velho de quatro irmãos, e criou-se com sua avó e o irmão Maycon na violenta periferia de Belém. O pai nunca o reconheceu, e a mãe, doméstica, não tinha condições de cuidar deles. Ele sempre sonhou em morar no Rio e achou nos estudos a fórmula para se mudar. Entrou na faculdade em 2011 pelo programa de cotas. “Ele dizia que aqui, no norte do país, era muito atrasado, que tinha uma mente muito conservadora. No Rio as pessoas são de outro nível, dizia, são de outra cultura. E aí deu isso, mataram meu irmão, de forma cruel só por ele ser diferente”, relata pelo telefone o irmão Maycon, de 28 anos. “Ele chegou a pedir dinheiro para minha tia para sair do alojamento onde morava. Ele não se sentia seguro ai”, afirma o irmão. Após três anos sem vê-lo, o plano também era comprar em parcelas uma passagem para que Diego visitasse a família durante as férias.
Diego sabia que queria ficar no Rio, mas ainda procurava o seu lugar. Cursava letras, mas frequentava a faculdade de arquitetura e de Belas Artes e pensava em trocar para publicidade. Pela sua renda e a distância do seu domicilio, Diego era beneficiário de uma bolsa de cerca de 500 reais e tinha direito a se hospedar no alojamento universitário. O prédio onde morava – ele e outros pelo menos 250 estudantes – desconstrói a imagem preconcebida de quem imagina os bolsistas vivendo luxuosamente às custas do dinheiro público. O superlotado alojamento universitário, o único que a universidade oferece, parece estar caindo aos pedaços, com os muros pichados, sujo, e com dependências abandonadas ocupadas agora por barracas de alunos que não conseguiram uma vaga, mas não têm onde morar. Diego dormia com mais duas pessoas em um cômodo de 1,85 por 5 metros e compartilhava um banheiro imundo com o teto desabado. Na cabeceira da sua porta há ainda um alho, tradicional simpatia para afastar as más energias. Na porta de enfrente, uma frase pintada: “Aqui vivem racistas”.
María Martín
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