(O Globo, 14/07/2016) Há uma miopia econômico-financeira sobre a questão nas empresas
Feliz da nação, Brasil entre elas, que tem a chance de fazer da diversidade uma força e, assim, escapar do tédio da homogeneidade, da fraqueza da dimensão única. Crescentemente, é a abundância de tipos — não a escassez — que ancora as perspectivas de futuro de democracias sólidas e corporações de peso, mundo afora. Por isso, em vez de exaltar os valores de justiça e ética embutidos na agenda de construção da igualdade, passo a tratar da miopia econômico-financeira de quem não enxerga riqueza na diferença. Se o humanismo não convence, tentemos a grana.
Faz quase um ano, a poderosa revista britânica “The Economist” tornou pública uma lista de instituições e personalidades globais atuantes contra a discriminação no mercado de trabalho. O rol incluía de Barack Obama, presidente americano, a Hillary Clinton, candidata democrata à sucessão nos EUA; do líder religioso Dalai Lama à jovem ativista Malala Yousafzai, que levou o Nobel da Paz 2014; da atriz Angelina Jolie a Bill Gates, fundador da Microsoft, e Christiane Amanpour, âncora da CNN. O Brasil entrou com um par de nomes: Cida Bento, fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), e Jean Wyllys, deputado federal (PSOL-RJ).
Se a citação à Bíblia dos liberais não causar efeito, cabe sublinhar a profusão de prêmios e certificações a empresas que adotam programas de equidade entre funcionários e cobram o mesmo de fornecedores e parceiros. A comprovar estão por aí os relatórios de reputação corporativa, os compromissos da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e LGBT, os selos pró-equidade de gênero e raça. Sem falar nos estudos que relacionam mão de obra diversificada à capacidade de inovação e ao aumento da rentabilidade.
Há argumentos econômicos sólidos a favor da cultura da diversidade. Que o diga o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, arquiteto de um gabinete com igual número de homens e mulheres, além de múltiplas origens étnicas e credos. Questionado sobre a decisão, só precisou de uma frase: “Porque estamos em 2015”. É pena que, no Brasil, o presidente em exercício, Michel Temer, tenha preferido formar um ministério de homens brancos, subordinado à embolorada lógica de fatiamento partidário.
Tal como no Canadá, a heterogeneidade da população brasileira é oportunidade para diversificação da mão de obra, segmentação de mercado e estímulo à inovação. Novamente, deixarei de fora argumentos (óbvios) relacionados à justiça social, à ética, à construção da igualdade, para priorizar vantagens econômicas. Mulheres, por exemplo, são maioria na população, na classe média e no eleitorado; na força de trabalho, aproximam-se da metade. No Bolsa Família, carro-chefe dos programas de transferência de renda, 90% dos cartões são emitidos no nome das mães. Dar atenção ao mundo feminino é se aproximar de mais de cem milhões de pessoas, de variados níveis de renda e escolaridade.
Da mesma forma, 53% da população nacional se autodeclararam preta ou parda. De cada dez brasileiros que ascenderam à classe média desde 2004, oito eram negros, contabilizou o Instituto Data Popular. Um em dez negros na faixa etária de 25 a 34 anos, segundo o IBGE, já tem curso superior. São sinônimos de mão de obra qualificada e padrão de consumo cobiçado. Rimam com diversidade e com lucratividade.
O estoque de jovens é outra potência. O país está no pico da população de 15 a 29 anos. Até 2023, serão cerca de 50 milhões de habitantes nessa faixa etária. É quase uma Coreia do Sul. No entanto, o contingente é o que mais tem dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Enquanto a taxa média de desocupação beira 9% na média nacional, entre os jovens passa de 20%. O hiato, embora em patamar menor, já existia antes da crise.
No outro extremo, o país também concentra número expressivo de idosos. Nos anos 1960, os brasileiros mal chegavam aos 55 anos de idade; hoje, a esperança de vida supera os 70. O país tem 16,8 milhões de habitantes com 65 anos ou mais; em 2030, serão 30 milhões de idosos, estima o IBGE. É o equivalente à população inteira do Estado de São Paulo. A inclusão de idosos é desafio para formuladores de políticas públicas e oportunidade para os capitalistas.
No Censo 2000, o IBGE contou 67 mil casais formados por pessoas do mesmo sexo. Mas a população LGBT é estimada em 20 milhões de habitantes, mais que um Chile. O reconhecimento de direitos civis (casamento e adoção, entre eles) bem como as mobilizações contra a discriminação hão de estimular a inclusão do grupo. A entidade internacional Out Leadership estima que o potencial de consumo do público gay beira 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Outra evidência de que cidadania plena, além de justa, é rentável. Diversidade rende.
Acesse em pdf: Diversidade é riqueza, por Flávia Oliveira (O Globo, 14/07/2016)