(HuffPost Brasil, 02/08/2016) Uma lista de ações para os pais, criada com a esperança de que possamos ter uma geração de crianças menos sujeitas a estupros e ataques sexuais.
O horror do noticiário sobre estupros é um alerta para os pais. Sempre soubemos que estupro é um problema, mas nunca estivemos tão mobilizados para mudar.
Como escritores, educadores e defensores do consentimento, nós quatros fomos inundados com pedidos de pais que querem saber o que fazer para termos um futuro com menos estupro e ataques sexuais.
Acreditamos que os pais podem começar a educar suas crianças sobre consentimento e empoderamento desde o primeiro ano de vida, até o fim da adolescência. Nossa esperança sincera é que essa educação nos ajude a criar adultos empoderados, que sintam empatia pelos outros e entendam claramente o que é o consentimento saudável.
Esperamos que pais e educadores considerem útil esta lista de itens e ferramentas educativas e que, juntos, criemos uma geração de crianças que enfrentem menos estupros e ataques sexuais em suas vidas.
São três seções, baseadas nas idades das crianças: pré-escola, ensino básico e adolescentes e jovens adultos.
Para crianças muito pequenas (de 1 a 5 anos)
1. Ensine as crianças a pedir permissão antes de tocar ou abraçar um amiguinho. Use frases como “Sarah, vamos perguntar ao Joe se ele gostaria de dar um abraço de despedida”.
Se Joe responder “não”, diga para sua filha: “Tudo bem, Sarah! Vamos dar tchau para ele e mandar um beijo”.
2. Ajude a criar empatia no seu filho, explicando como as ações dele podem ter magoado alguém.
Use palavras como: “Sei que você queria aquele brinquedo, mas você bateu no seu amiguinho e ele se machucou e ficou triste. Não queremos que ele fique triste porque o machucamos”.
Incentive seu filho a imaginar como ele ou ela se sentiriam se outra criança tivesse batido neles. Isso pode ser feito com um tom afetuoso e um abraço, para que a criança não sinta vergonha nem constrangimento.
3. Ensine as crianças a ajudar os outros que estejam com dificuldades. Converse com seus filhos sobre ajudar outras crianças e alerte adultos de confiança quando elas precisam de ajuda.
Peça para seu filho prestar atenção nas interações e observar o que está acontecendo. Eles precisam aprender a observar. Pergunte para eles o que eles estão vendo.
Use um bicho de estimação como exemplo. “Parece que a gatinha está com o rabo preso! Precisamos ajudar!” Elogie seu filho quando ele prestar ajuda a outras pessoas, mas lembre-o de que, quando um adulto precisa de ajuda, quem tem de fazer isso é outro adulto.
Elogie seu filho quando ele alertar que as pessoas estão em situação difícil.
4. Ensine para seus filhos que “não” e “pare” são palavras importantes e devem ser honradas. Uma maneira de fazê-lo: “Sarah disse ‘não’ e quando ouvimos ‘não’ sempre paramos o que estivermos fazendo”.
É importante também que eles saibam que o “não” deles será honrado. Explique que nossos amigos sempre devem parar quando nós falamos “não”.
Se um amigo não para quando dizemos “não”, precisamos pensar se gostamos de brincar com eles. Tudo bem escolher outros amigos.
Se achar necessário, intervenha. Seja gentil, explique para a outra criança como a palavra “não” é importante. Sua criança vai internalizar a importância da ideia para ela e para os outros.
5. Incentive a criança a ler expressões faciais e outros sinais de linguagem corporal: com medo, feliz, triste, frustrado, bravo etc. Jogos com desenhos dessas expressões são uma ótima maneira de ensinar a interpretar esses sinais e expressões.
6. Nunca force a criança a abraçar, tocar ou beijar ninguém, qualquer que seja a razão. Se a vovó pede um beijo e a criança resiste, ofereça alternativas. “Quer soprar um beijo para a vovó?”
Você pode explicar o porquê para ela depois. Não discuta na frente da criança. Se a vovó ficou chateada, que seja. Sua função é fazer o melhor para seu filho e dar as ferramentas para que ele e os outros sejam felizes e seguros.
7. Incentive seu filho a lavar seus próprios órgãos genitais no banho. É claro que os pais às vezes têm de ajudar, mas explicar para o filho por que o pênis é importante e que ele tem de tomar conta dele é uma ótima maneira de incentivar o orgulho e o senso de posse do próprio corpo.
Também dê exemplo de consentimento pedindo permissão para lavar o corpo dos seus filhos. Sempre respeite o pedido do seu filho de não ser tocado.
“Posso lavar suas costas agora? E os pés? E o bumbum?”
Se a criança diz não, peça que ela se lave.
“Legal! Precisamos lavar bumbum. Vamos lá!”
8. Dê a oportunidade de que elas digam sim ou não também nas escolhas do dia a dia. Deixe que elas escolham suas roupas e tenham opinião sobre o penteado e sobre as brincadeiras. Obviamente, em algumas situações você vai ter de se impor (quando estiver frio e ela quiser usar aquele vestidinho).
Ajude-os a entender que você está ouvindo a voz deles e que ela importa para você, mas que você quer que eles estejam seguros e saudáveis.
9. Permita que as crianças falem sobre seu corpo da maneira que quiserem, sem vergonha. Ensine as palavras corretas para seus órgãos genitais, e seja um sinônimo de segurança quando eles quiserem falar de corpos e sexo.
Diga: “Estou tão feliz por você me perguntar isso!” Se você não souber a melhor maneira de responder naquele momento, diga: “Estou feliz que você está me perguntando sobre isso, mas preciso pesquisar. Podemos falar sobre isso depois do jantar?” – e certifique-se de cumprir o combinado.
Se o seu instinto é calá-los ou demonstrar vergonha, treine sozinho ou com um parceiro. Quanto mais você ensaiar, mais fácil será.
10. Fale sobre instintos. Às vezes sentimos medo, estranheza ou nojo e não sabemos bem por quê. Pergunte ao seu filho se isso já aconteceu com ele e ouça a resposta em silêncio, enquanto eles explicam.
Ensine que essa “voz interna” às vezes está certa e que se eles já têm esse sentimento meio confuso, eles podem sempre te procurar para pedir ajuda nas decisões. Lembre-os de que ninguém tem o direito de tocá-los se eles não quiserem.
11. “Use suas palavras.” Não responda nem faça nada quando eles dão chilique ou fazem birra. Peça a seu filho para usar palavras, mesmo que sejam simples, para explicar o que está acontecendo.
Para crianças mais velhas (de 5 a 12 anos)
Ensinar desde cedo as crianças a respeitar o espaço das outras pessoas ajuda a desenvolver a empatia.
1. Ensine as crianças que a forma como seus corpos estão mudando é excelente, mas às vezes pode causar confusão. A maneira como você falar sobre essas mudanças — quer se trate de dentes moles ou espinhas e pêlos pubianos – indica sua disposição de conversar sobre outros assuntos sensíveis.
Seja científica, direta e responda quaisquer perguntas que seu filho possa ter, sem vergonha ou constrangimento.
Mais uma vez, se o seu primeiro instinto é calá-los porque você está envergonhada, treine até conseguir agir com naturalidade, como se o assunto não fosse grande coisa.
2. Incentive-os a falar sobre o que é bom e o que não é. Você gosta de cócegas? Gostaria de ficar tonto? O que mais? Do que você não gosta? Ficar doente, talvez? Ou quando outra criança te machuca? Dê espaço para o seu filho para falar sobre qualquer outra coisa que lhe vem à mente.
3. Lembre seu filho que tudo o que ele está passando é natural. Todo mundo cresce.
4. Ensine as crianças como usar palavras de segurança durante as brincadeiras. Ajude-os a negociar uma palavra de segurança para usar com seus amigos.
Isso é necessário porque muitas crianças gostam de entrar a fundo em seus mundos de faz-de-conta, como brincar de guerra ou fingir que estão discutindo.
Nessa idade, dizer “não” pode ser parte da brincadeira. Por isso, eles precisam ter uma palavra que pare tudo. Talvez seja algo tolo, como “pão com manteiga”, ou mais direto, como “Estou falando sério!” O importante é que funcione para todos.
5. Ensine as crianças a fazer pausas na brincadeira para checar se está tudo bem com os amigos. É importante ensiná-los a dar um tempo de vez em quando, para garantir que todos estão se sentindo bem.
6. Incentive as crianças a observar as expressões faciais uns dos outros durante as brincadeiras, para ter certeza de que todo mundo está satisfeito e seguro.
7. Ajude as crianças a interpretar o que elas veem no playground.Pergunte o que elas poderiam fazer ou teriam feito diferente para ajudar. Se eles chegam em casa e falam sobre um episódio de bullying, brinque de “voltar no tempo”.
“Você me contou uma história realmente difícil sobre o seu amigo que apanhou. Sei que você estava com medo de intervir. Se voltássemos no tempo, o que você acha que poderia fazer para ajudar?” Improvise tudo: de se transformar em super-herói a chamar um professor.
Elogie o fato de que eles estão falando sobre coisas difíceis.
8. Não provoque as crianças sobre amizades menino-menina, ou por ter paixões. Se a amizade parece ter algum interesse romântico, não diga nada. Você pode fazer perguntas abertas: “Como vai sua amizade com Sarah?”… Esteja preparada para ele falar — ou não falar – do assunto.
9. Ensine às crianças que comportamentos delas afetam os outros. Você pode fazer isso de forma simples, em qualquer lugar. Peça-lhes para observar como as pessoas reagem quando outras pessoas fazem barulho ou jogam lixo na rua. Pergunte o que eles acham que será o resultado. Será que alguém vai ficar com medo? Será que alguém vai ter de limpar o lixo? Explique às crianças como as escolhas delas afetam os outros e explique que há momentos para fazer barulho e lugares para fazer bagunça.
10. Ensine as crianças a procurar oportunidades para ajudar. Eles podem ajudar a recolher o lixo? Podem fazer silêncio para não interromper a leitura de alguém no ônibus? Podem se oferecer para ajudar a carregar um pacote ou segurar a porta? Tudo isso ensina às crianças que elas têm um papel a desempenhar para ajudar a aliviar os pesos proverbiais e literais.
Para adolescentes e jovens adultos
1. A educação sobre “toques bons / toques ruins” continua sendo crucial, especialmente no ensino médio. Esta é uma idade em que surgem várias “brincadeiras de toque”: tapas na bunda, meninos batendo nos órgãos genitais e beliscando os mamilos dos outros. Quando as crianças falam sobre essas brincadeiras, surge uma tendência: os meninos dizem que acham que as meninas gostam; as meninas dizem que não gostam.
Temos de fazer as crianças falar sobre o impacto dessas brincadeiras nos outros. Eles vão tentar mudar de assunto, mas é importante incentivá-los a conversar. Pergunte como eles se sentiriam se fosse com eles.
Quando vir sinais desse tipo de brincadeira, corte o mal pela raiz. Isso não é “coisa de menino”. É assédio, e às vezes agressão.
2. Desenvolva a auto-estima dos adolescentes. No ensino médio, o bullying passa a visar especificamente identidade, e a autoestima começa a cair em torno dos 13 anos. Aos 17, 78% das meninas dizem odiar seus corpos.
Temos a tendência de incentivar as crianças menores dizendo como elas são incríveis. Por algum motivo, paramos de fazê-lo quando elas chegam ao ensino médio. Mas este é um momento muito crucial no desenvolvimento da autoestima dos nossos filhos, e isso não tem a ver só com beleza. Faça comentários constantes sobre os talentos, as habilidades e a gentileza deles, assim como sua a aparência.
Mesmo que eles deem de ombro (“Eu sei, pai!”), é sempre bom ouvir um elogio.
3. Continue tendo conversas sobre sexo e comece a incorporar informações sobre consentimento. Somos bons em falar em esperar até o casamento para ter relações sexuais ou ensinar sobre doenças sexualmente transmissíveis e sexo seguro. Mas não costumamos falar sobre consentimento. É hora de começar.
Faça perguntas como: “Como você sabe se o seu parceiro está pronto para te beijar?” e “Como você sabe dizer se uma menina (ou menino) está interessada em você?”.
Este é um ótimo momento para explicar o consentimento entusiasmado. Sobre pedir permissão para beijar ou tocar um parceiro, explique que só o “sim” significa “sim”. Não espere seu parceiro dizer “não” para pedir consentimento.
Educar consentimento significa que não tem de reeducá-los mais tarde e lidar com maus hábitos, talvez depois que tenha acontecido algum problema.
4. Corte o “papo de vestiário” pela raiz. O ensino médio é quando as conversas sobre sexo começam a acontecer em ambientes segregados por gênero, como vestiários. Paixões e desejos são normais e saudáveis.
Mas, como pais e educadores, precisamos fazer mais do que simplesmente impedir as crianças de falar sobre outras crianças como se fossem objetos. Precisamos também dar o exemplo de como falar sobre nossas paixões como pessoas saudáveis.
Se você ouvir uma criança dizer: “Ela é tem um bundão”, você poderia dizer: “Acho que ela é mais que uma bunda”. Você pode fazer piada, e eles vão revirar os olhos, mas a ficha vai cair. Eles precisam de bons exemplos adultos. Mesmo dizendo algo como: “Também é legal que ela (ou ele) jogue tênis tão bem, não?”.
5. Explique que a mudança hormonal é parte do crescimento e que os hormônios podem te impedir de pensar direito. Às vezes, isso significa um desejo esmagador, ou sensações de raiva, confusão ou tristeza. É perfeitamente normal sentir-se dominado por esses sentimentos novos.
Diga aos seus filhos que eles sempre podem falar com você sobre o que estão sentindo. Mas seus sentimentos, desejos e necessidades são de responsabilidade exclusiva deles mesmos. Eles ainda precisam praticar a bondade e respeito por todos ao seu redor.
6. Oriente adolescentes e meninos em idade universitária sobre o que é masculinidade. Homens precisam falar com os rapazes sobre o que é bom na masculinidade. Pergunte sobre os problemas culturais envolvendo a masculinidade no passado. Como construir uma forma mais inclusiva de masculinidade que abranja todos os tipos de caras: atletas, aspirantes a atores, homossexuais e gente como a gente? Essas conversas podem incentivar uma forma não-violenta de masculinidade para o futuro.
Os meninos precisam começar a falar sobre a construção de uma masculinidade saudável começando no ensino médio e continuar até a faculdade, porque transformar a masculinidade é vital para transformar a cultura do estupro.
7. Fale sinceramente com as crianças sobre festas. Deixe claro que você não quer que eles bebam ou usem drogas, mas que você sabe que as crianças vão a festas e quer que seus filhos estejam bem informados. Pergunte como eles vão se manter seguros quando estiverem bebendo. Perguntas como:
– Como você vai saber que bebeu demais?
– Como você vai agir se o motorista bebeu demais? (Deixe claro que seu filho sempre pode chamá-lo para buscá-lo, se necessário)
– Como você vai saber se o seu consumo de álcool ou drogas atingiu um nível perigoso, ou se já podem ser considerados vícios?
– Como seu comportamento muda quando você bebeu demais? Como você pode proteger os outros de si mesmo nessa situação, se, talvez, você se torna um bêbado nervoso ou que viola o espaço e a segurança das pessoas?
– Como você vai saber se não há problema em beijar alguém, tocar alguém, ou ter relações sexuais com alguém quando você bebeu demais? Explique que o raciocínio às vezes fica prejudicado quando você está bêbado. Como você vai ter certeza que você está lendo os sinais da outra pessoa de forma correta? Sugira que eles sempre peçam permissão para tocar ou beijar outra pessoa, especialmente quando houver bebida envolvida.
– Embora devesse ser óbvio, explique que uma pessoa bêbada, drogada ou alterada não deve ser tocada, assediada ou sexualmente agredida. Ensine seus filhos a defender e procurar ajuda para amigos que estão muito bêbados.
– Tenha cuidado com a linguagem que você usa com seus filhos sobre festas. A responsabilidade de impedir um ataque nunca é da vítima.
8. Continue conversando sobre sexo e consentimento com os adolescentes quando eles começarem a ter relacionamentos sérios. Sim, eles vão te dizer que sabem tudo, mas continuar a conversa sobre consentimento saudável, respeito pelos nossos parceiros e sexualidade saudável mostra a importância desses temas para você. Isso também normaliza o tema do consentimento, o que significa conversas abertas e respeitosas com os parceiros.
9. Finalmente, os adolescentes são sedentos por mais informações sobre agressão sexual, o consentimento e sexualidade saudável. Eles querem aprender e vão encontrar maneiras de obter informações sobre sexo. Se você é a fonte de informações — amorosa, honesta e consistente –, eles vão levar essa informação para o mundo com eles.
Acesse no site de origem: Como explicar o que é consentimento às crianças?, por Joanna Schroeder, Julie Gillis, Jamie Utt e Alyssa Royse (HuffPost Brasil, 02/08/2016)