Estamos em campanha política e o nome de Deus é vocativo popular para dizer qualquer coisa sobre o bem do povo brasileiro. Em geral, a frase é anunciada com pompa: “em nome de deus”. Assim mesmo, no singular e multiuso, um só Deus e para muitas coisas. Duvido dos que se aprumam para o discurso político “em nome de deus”; mas me assustam mesmo os que lançam o vocativo e seguem com listas de perseguições. “Em nome de deus, não haverá casamento gay”, “Em nome de deus, o aborto será proibido”, “Em nome de deus, não haverá isso de ideologia de gênero nas escolas”.
(HuffPost Brasil, 19/09/2016 – acesse no site de origem)
Por isso, prefiro os sem vocativo com apelo divino; gosto dos mundanos. Eles são minoria, é verdade, mas precisamos ouvir o que dizem. Busco os candidatos que dizem ser gênero matéria obrigatória nas escolas e que não há nada disso de ideologia de gênero: o que há é essa pura criatividade que somos – nascemos qualquer coisa e nos reviramos na descoberta sobre o que queremos ser. Uns nascem com genitália de um tipo e rebolam o corpo de outro jeito; outros nunca pensaram sobre isso de sexo ou gênero. Por isso, gênero importa para todo mundo na escola: para os que querem descobrir e para os que querem só seguir o mapa sem curvas da heterossexualidade naturalizada. Gosto mais ainda dos candidatos que gritam por uma terra sem deuses, e por isso pedem escolas sem ensino religioso. Falam em palavras difíceis, como Estado laico. Como o tempo de propaganda política é curto, nem sempre dá para explicar que é o Estado laico o que garante a liberdade religiosa das pessoas. Sem religião nas escolas, as crianças poderão ir ao templo ou à praia nos domingos, mas sem precisar ter medo de demônios durante o horário de aula. Só uns poucos têm coragem de dizer que a criminalização do aborto é injusta para as mulheres, pois é a lei penal que mata e tortura as mulheres. A esses corajosos candidatos, ofereço minha solidariedade: falar a verdade sobre as convicções éticas lhes renderá, além de poucos votos, uma perseguição sanguinária dos “em nome de Deus”.
Ainda não ouvi nenhum candidato ousado dizer “em nome de Deus” e esquecer a pregação persecutória. Como não faço futurismo, talvez haja um que diga “em nome de Deus, não haverá mais deus nas escolas”, “em nome de deus, não haverá mais perseguição aos gays”, “em nome de deus, o aborto será legalizado”. Mesmo se existisse um sujeito com tamanha ambiguidade no discurso, esse candidato não teria o meu voto. A benção divina ou das religiões não é necessária para a vida política de uma democracia laica. Religião é matéria de ética privada, o que significa que cada pessoa deve ser livre para fazer suas escolhas, religiosas ou ateias. Precisamos de candidatos que digam: “por respeitar os direitos humanos, defendo a igualdade sexual e racial”, “por respeitar os direitos humanos, garantirei a separação entre Estado e igrejas”, “por respeitar os direitos humanos, lutarei pela descriminalização do aborto”. Assim, um conselho: atente para os vocativos dos candidatos, dê preferência para os que falam do mundo.