Durante um período que tem sido deprimente para a política internacional, a ascensão de líderes do sexo feminino pode ser considerada motivo para otimismo. Após Angela Merkel, chanceler da Alemanha desde 2005, Theresa May se tornou a segunda mulher primeira-ministra do Reino Unido em julho. Se Hillary Clinton vencer a eleição presidencial americana em novembro, mulheres estarão no comando de três das mais poderosas nações do Ocidente.
(UOL, 22/09/2016 – acesse no site de origem)
Mas isso significa uma mudança fundamental na forma como a sociedade trata as mulheres? Ou o gênero dessas três líderes, todas criaturas do establishment, é de interesse apenas simbólico?
Mesmo se o segundo for verdadeiro, símbolos importam. Menos de 100 anos desde que as mulheres britânicas adquiriram o direito de votar, sem dúvida é inspirador para a próxima geração de meninas e meninos ver mulheres no comando como algo normal. Entretanto, assim como a ascensão de Barack Obama não transformou as condições materiais da maioria dos afro-americanos, vale a pena questionar até que ponto as vidas das mulheres são automaticamente melhoradas pelo fato de mulheres estarem no comando.
Ainda mais por Merkel, May e Hillary Clinton serem três líderes provenientes de tradições centristas ou de direita. Historicamente falando, a esquerda tem defendido a igualdade das mulheres e políticas sociais visando promover isso. Mas, à primeira vista, a esquerda britânica não parece tão boa em colocar mulheres no topo.
Assim, como chegamos aqui? A evolução das mulheres em líderes políticas plausíveis é uma consequência do ímpeto igualitário do século 20, onde as forças emergentes da democracia baseada no sufrágio deram origem a personalidades femininas poderosas, que conquistaram sua posição por motivos fora o acaso de nascimento real ou direito feudal.
Apesar de podermos pensar instintivamente nas sufragistas e suas irmãs na Europa e Estados Unidos como pioneiras, no que se refere a fazer com que mulheres fossem eleitas, o progresso delas nas democracias ocidentais foi extraordinariamente lento. Nancy Astor, eleita como membro do Parlamento por Plymouth em 1919, foi com frequência uma presença extraordinariamente solitária até a Segunda Guerra Mundial. Mesmo após a eleição geral de 1935, permanecia possível contar nos dedos o número de mulheres ocupando cadeiras parlamentares. E com a exceção de Margaret Bondfield, que serviu como ministra do Trabalho no azarado segundo governo do Partido Trabalhista depois de 1929, não houve presença feminina no alto escalão do governo até 1945.
Notavelmente, precisamos olhar para longe do Ocidente para encontrar exemplos das primeiras líderes femininas, muitas das quais lançadas a posições de proeminência em meio ao tumulto das lutas pela libertação nacional.
A primeira mulher com verdadeiro poder executivo na era moderna foi Yevgenia Bohdanivna Bosch, uma socialista russa de origem judaica alemã, que se tornou líder da Ucrânia em 1917. A primeira mulher eleita diretamente como primeira-ministra foi cingalesa, um canto do subcontinente indiano que viu um punhado de líderes femininas pioneiras. Sirimavo Bandaranaike, assim como Hillary, começou como parte de um casal politicamente poderoso. O marido dela, Solomon Bandaranaike, um advogado formado em Oxford, se tornou primeiro-ministro em 1956, liderando o Partido da Liberdade do Sri Lanka que eles confundiram. Quando ele foi assassinado três anos depois, ela assumiu sua liderança. A impressionantemente resistente Bandaranaike serviu por três mandatos, de 1960 a 1965, retornando em 1970 a 1977, e depois voltando mais uma vez, de 1994 a 2000.
Em sociedades patriarcais, incluindo as do subcontinente, as insurreições nacionalistas podem criar aberturas. Mas sondando um pouco mais a fundo, surge um padrão por trás de privilégio de classe política e proximidade ao poder masculino: os avanços com frequência eram reservados a filhas ou viúvas de fundadores nacionais masculinos. Indira Gandhi, a primeira-ministra indiana por 15 anos, entre 1966 e seu assassinato em 1984, era filha do primeiro premiê indiano, Jawaharlal Nehru. Benazir Bhutto, duas vezes primeira-ministra do Paquistão no final dos anos 80 e meados dos anos 90, era filha do ex-líder Zulfikar Ali Bhutto.
O mesmo ocorreu como Aung San Suu Kyi, filha do fundador de Mianmar e atual líder de fato do país, e a primeira-ministra bengalesa, Sheikh Hasina, outra filha de um pai famoso, o fundador da nação. (Sua opositora é filha de outro ex-líder bengalês.) Muitas delas sem dúvida conquistaram apoio e até mesmo apelo político junto à população por serem uma viúva ou filha enlutada.
Assim como os líderes homens com frequência se enquadram em arquétipos masculinos, o mesmo acontece com as mulheres líderes, propositadamente ou não. Indira Gandhi se identifica explicitamente como “Mãe Índia”, e Merkel é descrita tanto como “Mutti” (“Mamãe”) e “schwäbische Hausfrau” (“dona de casa suábia”), devido ao seu senso da importância de se viver de acordo com sua renda.
Golda Meir, que se tornou primeira-ministra israelense em 1969, canalizou um tipo diferente de modelo feminino, o de uma guerreira como Atena. Ela foi a primeira mulher a ser descrita como “Dama de Ferro”, um rótulo herdado por Margaret Thatcher quando se tornou a primeira mulher eleita líder na Europa Ocidental, em 1979. Thatcher, que na maior parte do tempo estava determinada a jogar de acordo com as regras masculinas e foi lenta em promover outras mulheres, também promoveu deliberadamente a ideia da “economia de dona de casa”.
Isso não minimiza os talentos e feitos das mulheres que chegaram ao topo, nem desconta os obstáculos reais que tiveram que superar com frequência para realmente colocarem suas mãos nas rédeas da liderança. De fato, houve com frequência características comuns na jornada delas ao topo. Evitar desde cedo a ambição excessiva era essencial; igualmente importante era demonstrar trabalho árduo acima do carisma.
O avô de Indira Gandhi lhe disse: “Há dois tipos de pessoas. Aquelas que realizam o trabalho e aquelas que recebem o crédito. Ele me disse para tentar estar no primeiro grupo; há muito menos concorrência”.
Em 1968, Shirley Chisholm foi a primeira mulher afro-americana a ser eleita para o Congresso dos Estados Unidos. Ela tentou, sem sucesso, obter a indicação do Partido Democrata para candidata presidencial em 1972. Ela falou sobre ter compilado listas de eleitores, realizado petições, batido de porta em porta, trabalhado ao telefone e ajudado a levar os eleitores às urnas: “Eu fiz de tudo para ajudar outras pessoas a serem eleitas. As outras pessoas que foram eleitas eram homens, é claro, porque era assim que era na política”.
Essa é uma experiência compartilhada por May, cuja carreira no partido teve início enchendo envelopes em sua Associação Conservadora local. Seu currículo antes de entrar no Parlamento revela um retrospecto sólido de trabalho árduo por pouca glória. Como ela disse no lançamento de sua candidatura à liderança em julho: “Sei que não sou uma política chamativa. Não visito os estúdios de televisão. Não fico fofocando sobre as pessoas durante o almoço. Não saio para beber nos bares do Parlamento. Não exibo abertamente meus sentimentos, apenas faço o trabalho que está diante de mim”.
Hillary Clinton é semelhante: “Quando fui eleita ao Senado”, ela disse, “não estava lá apenas para desfilar!” Apesar de altamente motivada, ao menos em certo grau, por seu feminismo dos anos 70, Hillary se apresenta como uma tecnocrata pragmática, em vez de conquistadora de corações e mentes. Com certeza ela não é uma radical. Para ela, o bem deve ser feito por meio de milhares de alterações granulares, em vez de confrontando as tradições e interesses adquiridos predominantes, uma abordagem natural, talvez, pois sua experiência inicial na vida política lhe ensinou que projetar qualquer coisa mais ousada do que competência serena significa incitar o desprezo.
Helen Clark, que foi a primeira-ministra da Nova Zelândia de 1999 a 2008 e atualmente é a principal candidata a substituir Ban Ki-moon como primeira mulher secretária-geral da ONU, é outro exemplo de como é essencial para as mulheres aspirantes à liderança se apresentarem como um par seguro de mãos. Ela implantou uma série de reformas sociais e econômicascom pulso firme, e atualmente comanda o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Ela também reflete outra exigência para as mulheres no topo: reprima sua sexualidade.
Os presidentes franceses são virtualmente obrigados a ter uma amante, ou no caso de Nicolas Sarkozy, no mínimo uma mulher atraente. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, pode ficar sem camisa como um astro de boy band. Mas exibir um milímetro de decote pode ser um alto risco.
Em sua jornada para a credibilidade política, Clark passou de “bomba sexual” do sindicalismo a uma líder trabalhista “azeda”. Assim como Hillary, ela foi acusada de ser “fria” e “indiferente”, e também como Hillary, de adotar uma personalidade pública para ocultar uma personalidade privada mais sociável.
Passar a imagem de feminina demais na política, ou assumir uma camaradagem fácil com colegas ou com a imprensa, é fatal para uma mulher aspirante a líder, tanto quanto é um trunfo para um homem. Basta comparar os estilos diferentes de Hillary e Bill Clinton.
E há a questão dos filhos. Dado o pequeno número de mulheres no topo, a proporção das que não tiveram filhos é acentuada. Esse é um mundo de pessoas que trabalham muito, onde até mesmo um homem será considerado peculiar se cuidar de um jardim ou seguir sua paixão por jazz. A expectativa social continua sendo de que a maioria das mulheres terá filhos. Exceto, talvez, para as mulheres aspirantes à política, que será condenada se o fizer, condenada se não.
Apesar de um homem de família ser, aparentemente, o líder ideal, qualquer mulher com família será considerada inadequadamente comprometida a atender as exigências de seu trabalho, ou uma mãe ruim ao buscar uma carreira tão exigente. Mas o tratamento dado à solteira e sem filhos Liz Kendall na disputa pela liderança do Partido Trabalhista, no ano passado, ilustrou por que não ser mãe não é resposta para esse problema. Helen Goodman, outra parlamentar que estava apoiando a rival de Kendall, Yvette Cooper, fez um ataque calculado: “Muito, muito mais importante para mim do que ser uma parlamentar e ministra paralela, é o fato de eu ser mãe. Tenho dois filhos e apesar de estarem crescidos (supostamente), uma vez mãe, sempre mãe”. As mães, Goodman deixou implícito, têm algo que uma ambiciosa mulher de carreira nunca terá.
No recente curto drama pela liderança do Partido Conservador, não foi apenas uma líder de torcida, mas uma candidata que tentou fazer uso do mesmo truque. Em uma intervenção agora notória, Andrea Leadsom, mãe de três, se comparou favoravelmente a May, que não tem filhos, sugerindo na prática que mulheres sem filhos têm menos empatia e são menos comprometidas com o futuro.
Jenny Shipley, a primeira mulher primeira-ministra da Nova Zelândia, referiu-se à sua rival Clark como “a solteirona da política da Nova Zelândia”. Clark reagiu: “Desde que ela se tornou líder do Partido Nacional, fui alvo de ataques velados constantes por parte dela e do Partido Nacional por não ter filhos”. Em comparação, ela disse, “(Jim) Bolger (o antecessor imediato de Shipley como primeiro-ministro), como sabemos, tinha uma grande família, tinha orgulho dela, nunca buscou usá-la para ganho pessoal de qualquer forma e nunca lançou um ataque pessoal contra mim, nunca”. A observação de Clark de que as mulheres, e não os homens, são aquelas que com mais frequência usam seu status como mãe como forma de vantagem contra rivais políticos, infelizmente parece ser verdadeira.
Será que fotos famosas de May apertando a mão de Nicola Sturgeon, a primeira-ministra da Escócia, Merkel e, talvez algum dia, Hillary Clinton, serão vistas pelos historiadores como evidência de uma era dourada de avanços para as mulheres?
O teste importante aqui será o quanto essas mulheres formidáveis estão liderando um programa feminista prático. Elas alteraram de modo significativo o pensamento ou as políticas de seus partidos em relação à representação feminina? Deixando de lado a posição delas como exemplos, há algo sugerindo que nossa atual safra de mulheres líderes será lembrada mais do que qualquer geração anterior por sua contribuição para uma maior igualdade de gênero? E se não, por quê?
No momento, o líder orgulhosamente feminista do Canadá, Justin Trudeau, parece que poderá ser mais significativo para as mulheres que sofrem com desvantagens do que May. Apesar de ter se falado sobre May formar um Gabinete equilibrado em gênero, isso não aconteceu. Trudeau, por sua vez, formou um. O primeiro-ministro canadense também tornou a igualdade salarial uma prioridade, juntamente com outros programas voltados às mulheres.
Diferentes formas de desvantagens estão em ação aqui. Apesar de toda mulher líder ser beneficiária dos direitos políticos pelos quais as sufragistas lutaram, esses direitos mínimos (desfrutar de fato desses direitos, evitar de serem excluídas formalmente de cargos em particular ou de papéis de liderança) são um subgrupo dos direitos civis básicos que todo democrata, seja de direita ou esquerda, conta no século 21. Mas esses direitos são distintos dos programas feministas que buscam reestruturar a sociedade e os relacionamentos entre homens, mulheres e filhos.
Lidar com os problemas das mulheres de forma mais fundamental envolverá ir mais longe. As estruturas e premissas sobre as relações de poder precisarão ser remodeladas. Apenas assim as mulheres poderão assumir seu local de direito no mundo.
Essa agenda exige um nível de redistribuição financeira e intervenção do Estado que políticos centristas e de centro-direita sempre terão dificuldade de aceitar. O quanto se pode conseguir com igualdade formal de direitos de emprego, se não houver creches com preço acessível? Onde está a força das leis antidiscriminação, se hão houver auxílio legal? Como uma mulher desenvolverá confiança para liderar no local de trabalho, sem falar no país, se não se sentir segura ou respeitada nesse local de trabalho, ou nas ruas ou em seu lar?
Pode, portanto, parecer estranho que mulheres não estejam despontando na esquerda política no Reino Unido.
Nas perguntas ao primeiro-ministro em 20 de julho, o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, parabenizou May por se tornar a segunda primeira-ministra do Reino Unido. May não perdeu tempo em responder: “Ele referiu-se a mim como segunda primeira-ministra. Em meus anos na Câmara, muitas vezes ouvi o Partido Trabalhista perguntar o que o Partido Conservador faz pelas mulheres. Bem, ele continua nos fazendo primeiras-ministras”.
Dado que ela é a apenas a segunda mulher líder nos 182 anos desde a fundação do Partido Conservador, isso representa um certo exagero. Também é verdade que grandes passos à frente no ingresso de mulheres no Parlamento (1945 e 1997) ocorreram em anos em que o Partido Trabalhista se saiu bem. Mesmo assim, o argumento de May é justo, dada a incapacidade dos trabalhistas de apresentarem uma líder do sexo feminino, muito menos uma primeira-ministra, em seus 116 anos de história. Margaret Beckett e Harriet Harman foram ambas consideradas capazes para assumir a liderança, mas nunca conseguiram.
Se o trabalhismo moderno tem um problema distinto com mulheres, pode se dever em parte à forma como a reputação de radicalismo, ou outros marcadores de diferença, se soma aos obstáculos já consideráveis enfrentados por qualquer mulher quando ingressa na cena política. Compare o tratamento dado pela imprensa a May com o dado a Diane Abbott, a veterana parlamentar trabalhista, ex-candidata à liderança e atual ministra do Gabinete paralelo. Ambas experimentaram o sexismo na forma de preocupações com seu tom de voz e aparência. Mas as políticas de esquerda de Abbott e sua descendência afro-caribenha resultam em uma recepção menos equilibrada por parte da mídia. Diferente dos Estados Unidos, nem o Reino Unido e nem qualquer outro país da Europa Ocidental já elegeu um líder negro, muito menos uma mulher negra.
O problema da mídia com “mulheres difíceis” pode não ser toda a história, entretanto. Christabel Pankhurst observou há mais de um século que os homens de esquerda são tão chauvinistas quanto seus pares de direita, mas como também valorizam mais o poder político por terem tido que lutar mais arduamente por ele, talvez estejam menos dispostos a ceder parte dele para “suas” mulheres. A julgar pelo boletim atual, essa monopolização masculina do poder ainda predomina na esquerda.
O que teria acontecido se Ed Balls tivesse pedido a sua mulher, Yvette Cooper, que disputasse a liderança trabalhista em vez dele em 2010? Por que o chamado “candidato de unidade” na guerra civil trabalhista no verão não foi uma mulher?
Leadsom se retirou da disputa pela liderança do Partido Conservador após seus comentários sobre May, que não pode ter filhos. Os parlamentares trabalhistas, entretanto, não tiveram os mesmos escrúpulos ao manter seu apoio ao seu porta-bandeira depois que ele explorou de forma divisora a questão da família. Passado nem um mês da gafe de Leadsom, o candidato à liderança trabalhista, Owen Smith, disse a um entrevistador: “Sou normal. Cresci em um lar normal. Tenho mulher e três filhos. Minha mulher é uma professora primária”. Sua adversária na época, Angela Eagle, apesar de manter uma relação estável, é lésbica e sem filhos. No passado, acenos semelhantes serviram de pano de fundo para a legislação homofóbica dos anos 80, que descrevia parcerias de mesmo sexo como “falso relacionamento familiar”. Não é de se estranhar os apoiadores dos trabalhistas terem ficado furiosos, mas o incidente não afetou a continuidade da candidatura de Smith. Parece que dinossauros ainda perambulam pelos corredores de Westminister.
Talvez as dificuldades especiais enfrentadas pelas mulheres na esquerda sejam resultado da necessidade das mulheres aspirantes a líderes provarem ser um par seguro de mãos.
Uma líder radical será julgada contra padrões mais altos por suas próprias irmãs feministas e (inevitavelmente) também terão maior probabilidade de decepcionar. Esse não é um problema enfrentado por Merkel ou May. Elas marcam pontos simplesmente por ascenderem aos escalões mais altos de poder e então marcam pontos adicionais por manterem firme o curso do navio e parecerem sóbrias, diferente de seus pares masculinos mais ostentosos. O fato de serem exemplos será visto como progresso suficiente por muitos no centro e direita. Não há dívida adicional para com as mulheres e certamente não há expectativa de qualquer disrupção no status quo. De fato, há mulheres líderes (como Thatcher) que parecem não medir esforços para se dissociarem de avanços adicionais da mulher.
E há a natureza ideológica e faccionária da esquerda, que contrasta dos instintos implacáveis de sobrevivência da direita. Quando a esquerda escolhe seus líderes, há muitas frentes com as quais lidar, a ponto de restar pouco espaço para um bloco pró-mulheres: é dito com frequência às feministas que sua causa é uma distração do socialismo. Por sua vez, as mulheres na direita têm facções ideológicas menos claras entre as quais escolher. Então por que não, podem calcular ocasionalmente seus colegas masculinos, escolher uma mulher para variar?
As mulheres, então, enfrentam obstáculos formidáveis para chegar ao poder, e barreiras ainda maiores caso pretendam promover mudanças radicais. Não pode ser presumido que a perspectiva antes impensável de mulheres dando as ordens em Berlim, Londres e Washington ao mesmo tempo transformará as oportunidades para seu sexo.
Mas se há motivo para cautela aqui, também não há motivo para desespero. O grande afluxo das “gatas de Blair” em 1997, a frase da mídia que dizia muito sobre tudo o que ainda estava no caminho da nova geração de parlamentares, não revolucionou as condições para as mulheres da noite para o dia. Passada uma geração, entretanto, é possível identificar o estabelecimento da violência doméstica e das creches como questões na agenda política, e esse progresso talvez não teria sido possível sem a presença de mais mulheres em Westminster.
Na Escócia, Sturgeon é popular e admirada. Sua postura sem remorso em questões de gênero ficou evidente no tweet que postou imediatamente após ser fotografada em um encontro com May: “Política à parte, espero que meninas por toda parte vejam esta foto e acreditem que nada está fora dos limites para elas”. Sua franqueza sobre seu aborto espontâneo em 2011, sobre o qual tem falado nas últimas semanas, representa um novo passo para uma mulher na política.
E se Hillary Clinton e Clark acabarem liderando os Estados Unidos e a ONU, certamente será um momento de sonho para fotógrafos de encontros de cúpula. Por meio de seu programa de políticas sociais na Nova Zelândia, Clark já demonstrou que uma feminista comprometida de esquerda pode fazer uma diferença real. Ela montou o Kiwi Bank público, melhorou o acesso a pensões (especialmente às mulheres), assim como benefícios em dinheiro para as famílias. Ela aumentou o salário mínimo, manteve as tropas da Nova Zelândia fora do Iraque e criou um sistema de comércio de emissões. Ela também enfatizou a arte e a cultura em um país obcecado por esportes.
Talvez com mais mulheres líderes vencendo as barreiras que permanecem em seu caminho, barreiras ainda mais altas para mulheres que querem contestar o status quo, mais delas finalmente possam sacudir suas sociedades para melhor.
Rachel Holmes é autora de “Eleanor Marx: A Life”, não lançado no Brasil. Ela está escrevendo um livro sobre Sylvia Pankhurst.
Tradutor: George El Khouri Andolfato