Em 2016, houve, em média, 3,5 tentativas de homicídio por mês contra mulheres na capital e, no interior, 17,9. Com o dobro da população em relação à capital, o interior de São Paulo registra pelo menos três vezes mais casos de violência contra a mulher.
(O Estado de S. Paulo, 19/05/2017 – acesse no site de origem)
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), no ano passado houve, em média, 3,5 tentativas de homicídio por mês contra mulheres na capital, ante 17,9 no interior (três vezes mais). Em relação às lesões corporais dolosas (quando há intenção), a capital registrou 779 e o interior, 2.794 (três vezes e meia mais). Já os casos de estupro consumados ficaram proporcionalmente iguais: média de 10 por mês na capital e de 20 no interior (duas vezes mais). Os homicídios que vitimaram as mulheres mantiveram a mesma proporção: 2,25 por mês na capital e 4,45 no interior (duas vezes mais).
Nos primeiros três meses de 2017, a violência contra a mulher no interior cresceu ainda mais, na comparação com os números da capital. Houve 2 tentativas de homicídio por mês em São Paulo e 16,3 no interior (oito vezes mais). A média mensal de lesões corporais em mulheres foi de 745 na capital e 2.971 no interior (quatro vezes maior). Já a média mensal de estupros consumados foi de 11,3 na capital e de 25 no interior. No período também foram registrados dois casos por mês de feminicídio, crime de ódio com base no gênero, na capital e 4,3 no interior.
O interior de São Paulo tem 23,5 milhões de habitantes e a capital paulista, 12 milhões, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A estatística leva em consideração os casos relacionados à Lei Maria da Penha, ou seja, aqueles caracterizados como de violência doméstica e familiar contra a mulher. Após abril de 2016, foram incluídos os casos de feminicídio. Muitos tiveram desfecho em cidades pacatas do interior, com baixos indicadores de violência.
Morte por não abortar. Foi o que aconteceu em Saltinho, cidade de 7 mil habitantes, na região de Piracicaba, em 24 de abril. O gerente de uma fábrica de roupas, Cristiano Romualdo, de 39 anos, matou a publicitária Denise Stella, de 31 anos, com quem mantinha relacionamento extraconjugal, porque ela engravidou e se negava a abortar. Romualdo jogou o corpo à beira de uma estrada. O gerente confessou o crime e está preso. Os dois eram conhecidos na pequena cidade que, nos últimos dez anos, tinha registrado apenas dois homicídios.
Para a assistente social Elisabete Pires da Silva, do Centro de Integração da Mulher (CIM-Mulher) de Sorocaba, que há 20 anos acolhe vítimas da violência doméstica, embora álcool e droga sejam os principais motivadores das agressões, em áreas mais remotas persiste um sentimento de posse do homem em relação à mulher.
“Ainda há um traço cultural machista, de que o homem pode ter toda a liberdade e a mulher, não. Quando se insurge, é reprimida e, muitas vezes, agredida. A cultura começa dentro de casa, quando pai e mãe toleram que o filho deixe roupas espalhadas e não ajude mas tarefas domésticas, mas obrigam a filha a fazer.”
Duas chacinas acontecidas em dezembro de 2016 no interior de São Paulo tiveram o machismo como ingrediente, segundo investigações policiais.
A primeira foi registrada em Jaboticabal. Depois de ser rejeitado por uma garota de programa, o cabeleireiro William Ferreira Costa, de 27 anos, matou seis pessoas em um bordel. Entre as vítimas, quatro eram mulheres, entre elas Dione da Silva Lima pivô do crime, e a dona do bordel, Leonilda Lucindo. Ele tentou justificar os assassinatos alegando que estava com a mulher quando outro homem a pegou pela mão e a levou ao quarto.
A segunda chacina aconteceu na noite de 31 de dezembro. O técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, invadiu uma casa, em Campinas, e matou a tiros 12 pessoas da família e se suicidou. Nove das vítimas eram mulheres, entre elas sua ex-mulher, Isamara Filier, de 41 anos. Ela havia registrado cinco boletins de ocorrência por ameaças do ex-marido.
Uma carta escrita pelo homem revelou que a chacina era uma vingança. O texto tinha também conteúdo de ódio contra as mulheres. Na ocasião, o órgão as Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) repudiou o crime, considerando violência de gênero e fruto do “machismo”.
Ameaças depois de denúncias são comuns
Regina (nome fictício), de 26 anos, está em uma casa de acolhida com os dois filhos há 30 dias. Ela veio do Nordeste para o interior de São Paulo em 2014, conheceu um rapaz e passou a morar com ele. A jovem já tinha um filho e teve outro com o novo companheiro. “Primeiro, foram só ameaças. Depois, ele me trancou em casa e, mesmo grávida, me jogou no chão, ameaçando de morte. Pedi ajuda e a Justiça deu medida protetiva”, conta, protegida pelo anonimato.
Apesar da medida judicial, o homem voltou a assediá-la e ela, com medo, retomou a relação. “Acreditei nele, mas durou pouco. Ele começou a beber, chegava em casa, xingava, ameaçava e me batia. Disse que, se eu voltasse a mexer com a Justiça, ele punha bandidos atrás de mim.”
Muitas mulheres agredidas costumam deixar de fazer a denúncia porque são ameaçadas. E não é raro que as ameaças se concretizem. Foi o que aconteceu em Ipaussu, cidade de 13,6 mil habitantes, na região de Ourinhos, há um mês. Cansada de apanhar, Dayane Gianetty, de 27 anos, deixou o marido, e ele tentou matá-la. Denunciado, Carlos Messias, 24 anos, foi preso e, ao sair da prisão, quatro meses depois, foi atrás da ex e a matou a facadas. Ele ainda passou com o carro sobre o corpo dela.
Em Jundiaí houve um caso semelhante. Em 1.º de fevereiro, Eduardo de Oliveira, de 21 anos, foi preso após perseguir, atropelar e matar sua mulher, Aline Cristina das Neves, de 36. Ela trabalhava como frentista e, cansada das agressões, tinha pedido a separação. Depois de derrubá-la com o carro, ele deu ré e passou sobre o corpo.