Casa noturna de SP é condenada a pagar indenização de R$ 60 mil a ex-funcionária por danos morais. Local já teve outras denúncias de discriminação investigadas pelo Ministério Público.
(G1, 27/09/2017 – acesse no site de origem)
O chefe da ex-funcionária da Villa Mix que ganhou na Justiça o direito a receber uma indenização por danos morais de R$ 60 mil cobrava dos subordinados a restrição da entrada de frequentadores da raça negra pelo WhatsApp.
Para comprovar a denúncia, a funcionária, que trabalhava como hostess, uma espécie de recepcionista, anexou as fotos das mensagens trocadas ao processo. Em uma das imagens, um rapaz negro estava na pista da casa noturna, e o gerente pergunta: “Quero saber quem liberou?”. A ex-funcionária confirma que foi ela. O homem ainda reclama que o frequentador pegou uma mesa na pista e encerra a conversa. “Não liberei, mas amanhã alinhamos isso”, disse. Em seguida, a hostess foi afastada do serviço sem qualquer justificativa.
A funcionária, que é negra e trabalhou por dois anos na balada, era responsável por selecionar os frequentadores do estabelecimento.
“Nós recebíamos ordens da diretoria e dos donos nas reuniões em relação a esse perfil que tinha que seguir, como pessoas malvestidas, negras e que aparentavam ter baixo poder aquisitivo”, afirmou a ex-funcionária, de 26 anos.
Ao juiz, a casa noturna negou as afirmações de racismo e disse que a única restrição à entrada na casa noturna diz respeito ao vestuário, como uso de bermudas e sandálias.
Procurada pelo G1, a defesa da balada disse que irá recorrer, podendo alterar a sentença final. “O Villa Mix reitera que repudia qualquer tipo de discriminação, não tendo, jamais, praticado qualquer ato dessa natureza.”
Em nota, a AudioMix, responsável pela Villa Mix, diz que “tomou ciência das acusações direcionadas aos administradores da empresa licenciada e se compromete inquirir os empresários licenciados de forma que não tolerará atos de discriminação ou quaisquer condutas que afrontem o respeito a dignidade da pessoa humana”.
Segundo a funcionária, quando uma pessoa estava registrada na lista de entrada e se apresentava na porta do estabelecimento, ao ser constatado que era negra, cabia à hostess declarar que seu nome não estava lá.
“Suas ordens eram para autorizar somente pessoas que se enquadravam no perfil autorizado pela empresa, excluindo os negros. Mesmo quando havia reserva, se a pessoa fosse de raça negra, não era autorizada a entrar, havendo imediata exclusão na lista de reservas. A empresa exercia rígida fiscalização quanto a isso, ressalvadas celebridades”, declarou na decisão o juiz Antonio José Fatia.
A mulher, que também é negra, ficava constrangida toda vez que precisava barrar alguém e sentia na pele o peso do preconceito. “Me sentia invadida, sofria com o racismo também, várias vezes liberei pessoas sem autorização e fui cobrada por isso”, comentou. “Fico indignada porque as pessoas continuam frequentando o local e não imaginam o que acontece ali.”
O advogado da ex-funcionária, Raphael Chinche, disse que, além da indenização de danos morais, sua cliente também receberá por vínculo trabalhista que foi comprovado na ação, já que ela não tinha registro na carteira de trabalho. Os valores da indenização ainda serão calculados.
Histórico
Desde 2015, o Ministério Público de São Paulo investiga outras denúncias de discriminação na Villa Mix. Segundo frequentadores, negros, obesos, pessoas humildes e consideradas feias são constantemente barrados na porta.
Uma comunidade no Facebook foi criada para receber e reunir relatos de discriminação na casa noturna: o “Boicote ao Villa Mix”. Supostos ex-funcionários relatam na página que eram orientados a selecionar os clientes por critérios de raça, posição social e beleza.
Segundo a promotora Beatriz Helena Budin Fonseca, responsável pela ação civil pública, essa seleção “tem a função de segregar e marcar a divisão entre pessoas que, embora morem na mesma cidade, não possuem a mesma classe social, a mesma cor de pele, o mesmo peso, ou a mesma beleza considerada como ideal pela representada”. Ela acrescenta que “a mencionada prática é discriminatória e fere os princípios constitucionais de igualdade e da pessoa humana”.
Em julho de 2016, a casa noturna assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público em que se compromete a não realizar nenhum tipo de seleção com base em aparência, raça ou posição social para definir quem pode ou não frequentá-la.