No Rio de Janeiro, onde desde 2015 foram registrados mais de mil casos de bebês com microcefalia, deputados estaduais, familiares, especialistas e representantes de órgãos públicos criaram um grupo de trabalho para formular uma lei que possa garantir o tratamento e o apoio às crianças com a doença. As famílias relatam que, em algumas cidades, encontram dificuldade no acesso ao tratamento.
(Agência Brasil, 10/10/2017 – acesse aqui)
A criação do grupo foi anunciado hoje (10) durante audiência pública para discutir o tema na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A primeira reunião será amanhã (11), no Instituto Fernandes Figueira (IFF), vinculado à Fundação Oswaldo Cruz. De acordo com o presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência, Márcio Pacheco (PSC), o principal objetivo será fundamentar, do ponto de vista científico e metodológico, um projeto de lei que possa apoiar famílias e crianças.
A microcefalia é uma condição que acarreta em uma série de problemas neurológicos e sua principal característica é o tamanho menos da cabeça dos bebês. Os números de casos no país tiveram um aumento significativo desde 2015, quando houve uma epidemia do vírus Zika, causador da doença em bebês nos casos em que a mãe é infectada ainda durante a gravidez.
Mãe de Miguel Ângelo, hoje com 1 ano, Thamires Silva precisou abandonar a faculdade de enfermagem depois que o filho foi diagnosticado. Ela relata que não consegue continuar o tratamento em postos de saúde e clínicas da família perto de sua casa, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. A solução tem sido de deslocar frequentemente à capital. “A microcefalia de Miguel foi diagnosticada no nascimento. Não tive atendimento, não tive acompanhamento nenhum, nem encaminhamento para hospitais de referência [à época do parto]”, conta.
Além da dificuldade de locomoção para a cidade do Rio, ela reclama que as unidades básicas alegam não saber lidar com crianças que nasceram com essa condição.“Não é só uma cabeça pequena, é uma violação de direitos diária nas áreas de saúde e educação”, completa.
Moradora da Taquara, bairro da zona oeste da capital, Vivan Barros tem um filho de 1 ano com a doença. Ela gasta três horas para ir e vir do IFF, na zona sul. A unidade é a única de referência em todo o estado. “Eu estive na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e a médica disse que não tinha condições de atender meu filho, com gastroenterite, naquele lugar em razão da microcefalia]”, conta. Ela também diz que não encontrou ainda um posto perto de casa, com pediatra, para aplicar vacinas obrigatórias no menino.
Prevenção e tratamento
Na avaliação dos especialistas, os governos priorizaram o investimento no combate ao mosquito transmissor do vírus Zika, aquisisção de testes e desenvolvimento de vacinas para evitar a infecção. No entanto, o atendimento às crianças foi relegado.
“A epidemia acabou, mas essas crianças ainda estão aqui”, criticou a médica e pesquisadora do IFF, Maria Elisabeth Moreira. Ela defende que seja feito agora o investimento no desenvolvimento das crianças. “Principalmente, na questão da estimulação”, disse. Para a médica, o projeto de lei em discussão na Alerj precisa pensar os centros de referência e as unidades básicas de saúde trabalhando juntas.
A coordenadora da pediatria do Instituto do Cérebro, da rede estadual, Fernanda Fialho, reconheceu que há problemas de atendimento e explicou a falta de alguns tipos de remédios. Medicamentos anticonvulsivos deveriam ser oferecidos pela Secretaria Estadual de Saúde, que não consegue comprá-los em razão da grave crise econômico que o Rio de Janeiro.
“A secretaria está na luta, tem aberto processo de licitação, mas as empresas não se candidatam com medo de o estado não pagar a dívida, dar o calote”.
Segundo o deputado Márcio Pacheco, o grupo de trabalho criado hoje poderá elaborar uma política pública completa. “Estabelecerá uma política voltada para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento. Além de medidas na educação”, disse.
Uma das medidas que deve ser incluída no projeto de lei é a obrigatoriedade de cada um dos 92 municípios fluminenses terem representantes para monitorar e acompanhar o tratamento das crianças, os chamados “pontos focais”. Apenas 60 municípios contam com essas equipes.
Por Isabela Vieira, repórter da Agência Brasil
Colaborou Joana Moscatelli, do Radiojornalismo