Cultura ou Estupro? Uma em cada três mulheres sofre violência no Brasil (Datafolha), por Viviane Vaz

20 de outubro, 2017

Afinal a violência contra a mulher é uma questão de ‘cultura’ ou um ato criminoso? Conceituar apenas como cultura absolve o agressor? O que as vítimas sentem? O termo “cultura do estupro” vem sendo usado com mais frequência pelos movimentos feministas, e este artigo aborda a origem desse termo, bem como as consequências que um ato de violência gera na vitima, elencando atitudes que demonstram uma cultura baseada na desigualdade de gênero, e ainda sugere para o leitor uma série de atitudes que podemos ter para combater esse tipo de cultura.

(Capital News, 20/10/2017 – acesse no site de origem)

Representada por uma crença que livra o autor do estupro e transforma a vítima em réu de questionamentos sobre seu comportamento, o termo “cultura do estupro” foi definido no início dos anos 70 nos Estados Unidos. Segundo o site da Marshall University Women’s Center, é caracterizado por um ambiente em que prevalece a violação, onde a violência sexual é normalizada e desculpada na mídia e na cultura popular. Através do uso da linguagem misógina (discurso de ódio, desprezo ou aversão à mulher), da coisificação da figura feminina, do glamour da violência sexual, e de uma sociedade que cultua o fetiche da satisfação sexual a ponto de ignorar os direitos e a segurança das mulheres. A maioria das mulheres e meninas limitam seu comportamento por causa da violação, com medo da violência. Homens, em geral, não. Assim caminha a dinâmica da violação, a cultura do estupro se apresenta como um meio imposto, pelo qual toda a população feminina é mantida em uma posição subordinada à população masculina, embora muitos homens não estuprem e muitas mulheres nunca sejam vítimas. No contexto, vale incluir o triste fato de que meninas entre 7 e 12 anos sejam as maiores vítimas dessa cultura, com traumas imensuráveis e amplas consequências para a existência. As possíveis consequências para as vítimas da violência sexual são: Sequelas físicas (marcas, dores, DST), Dificuldades de ligação afetiva, Dependência química, Auto-estima fragilizada, Auto-imagem distorcida, Intenção de suicídio, Condutas agressivas, Doenças psiquiátricas, Insônia ou sono perturbado e Sentimento de culpa, medo, raiva, vergonha.

O silêncio e a sentença social das vítimas como culpadas são alguns dos trágicos desdobramentos deste ciclo de medo, cujo legado: é uma cultura de violação estabelecida. “A droga é algo que tem mais valor que uma mulher. A droga você cuida, se cai um restinho você vai lá e pega. A mulher não, é um lixo, um trapo rasgado, totalmente sem valor, como se não tivesse sentimento, totalmente impotente. Resumindo: é a coisa mais desprezível.” (relato de uma sobrevivente de violência sexual)

Em maio de 2016, um crime grave choca o país. Na cidade do Rio de Janeiro, uma menina de 16 anos sobrevive a um estupro coletivo. A repercussão é grande, com o fato da crueldade dos autores da violência filmarem as partes íntimas da vítima e fazerem sátiras acerca da menina –  que, segundo as investigações, foi violentada por 33 homens armados. Polêmicas foram alimentadas por conta de a moça apresentar traços de uma vida promíscua, visual provocante, uso de entorpecentes e, sobretudo, por não ter sido a autora da denúncia. Pré-julgamentos a respeito da situação multiplicaram-se, como se o crime não fosse de responsabilidade dos acusados. “Foi horrível [prestar depoimentos], porque eles me culparam por uma coisa que eu não fiz. Ficaram perguntando por que eu estava lá, se eu tinha envolvimento, se já tinha feito sexo grupal. O delegado estava querendo me botar como culpada de todas as formas. Aí, eu parei de responder às perguntas, porque eu não era obrigada”, disse ela, em entrevista ao programa “Domingo Espetacular”, da Record. A adolescente foi acolhida em um programa de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte. Ela e a família deixaram a casa onde viviam na zona oeste da capital fluminense.

A história da Paula (nome fictício) relata quão dolorida é a trajetória de quem sofreu por tantos anos com estupros que foram silenciados. “Primeiramente eu acho que a opinião das pessoas por nós não vai mudar. Porque a sociedade vê assim: primeiro vem o ladrão, em segundo lugar o assassino e depois a prostituta, infelizmente. Eu nasci num lar no começo até legal, daí meu pai começou a se envolver com espiritismo e ficou ainda mais agressivo, começou a estuprar eu e minha irmã mais velha. Depois caí na mão de um pedófilo mais velho e aos 14 anos casei com ele. Antes eu tava acostumada a ser tratada a pontapés, surras e estupros, mas ele me dava presente, eu era tratada como uma princesa. Vivi bastante tempo com ele, mas ele usava e abusava de mim e só fui perceber isso depois que me tornei uma mulher. Fui procurar emprego, mas não consegui porque tenho só até a terceira série. Foi quando comecei a me prostituir, de lá até então eu já passei treze anos trabalhando como prostituta. Essa vida é tão obscura que hoje eu tenho depressão, bipolaridade, um monte de problema aí. Perante a sociedade eu comecei a me excluir e preferi me tornar invisível, porque não quero me tornar parte desse mundo podre que a gente vive. O homem pra mim é uma figura horrível. E a forma que eu vejo o sexo? Tem a visão que aprendi na igreja que o sexo é pra ser bonito, prazeroso e cúmplice um do outro, mas eu acho que é o mal do século. Tá levando a perder conceitos, princípios, família. E mesmo eu tendo levado uma vida toda promíscua, de fazer sete programas numa noite eu ainda acho um absurdo você ver na esquina uma guriazinha de treze anos com a bunda pra cima, rebolando, dançando aqueles funk, um absurdo.

Segundo o Datafolha (2016) 20,4 bilhões de mulheres sofreram assédio com palavras, 5,2 milhões sofreram assédio com toque físico em locais públicos, 2,2 milhões sofreram assédio sexual, 52% das mulheres se calam diante das violências sofridas, 11% fazem a denúncia, 13% falam para a família. O Brasil é o 5º no ranking mundial em homicídios de mulheres: 4,8 em cada 100 mil mulheres. (OMS)

As leis brasileiras afirmam que: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos com ou sem consentimento”  é considerado Estupro de vulnerável. E que o crime de violência sexual contra maiores de 18 anos pode ocorrer por ‘contatos físicos (carícias não desejadas, penetração oral, anal ou vaginal com pênis ou objetos), masturbação forçada, dentre outros; e sem contato físico como:  exposição obrigatória de material pornográfico,  exibicionismo, uso de linguagem erotizada em situação inadequada’.

São exemplos de atitudes identificadas na cultura do estupro:

•    A culpa é da vítima – “ela pediu isso!”;
•    Banalização da prática sexual;
•    Humor sem escrúpulos;
•    Tolerância ao assédio sexual;
•    Preconceito contra uma vítima e suas atitudes;
•    A indústria cultural que lucra, utilizando-se da violência gratuita, de banalizações da        sexualidade e de imagens femininas em músicas, publicidade, teledramaturgia e afins;
•    Afirmação da masculinidade como dominante e sexualmente predadora;
•    Feminilidade como submissa e sexualmente passiva de consumo;
•    Estímulo para que os homens sejam agressivos;
•    Erotização precoce de meninas para que sejam sensuais;
•    Mito de que meninas pedem para ser violadas;
•    Princípio equivocado de que o pai tem pleno direito sobre o corpo de seus filhos;
•    Duvidar do relato de uma vítima, especialmente quando é muito jovem, tardando a denúncia;
•    Ensinar as mulheres a evitarem o estupro, ao invés de ensinar os homens a não as violarem;
•    A menção de que apenas mulheres promíscuas são estupradas;
•    Crença de que homens não são estuprados ou que apenas os fracos sejam;
•    Justificar uma violação como iniciação sexual.
•    Abandone estereótipos que possam moldar suas ações e definir sua masculinidade ou feminilidade;
•    Envolva-se! Influencie e colabore para o fim da violência contra as mulheres e seja um agente da paz e respeito ao ser humano.

 

Segundo o Datafolha (2016) cerca de 1,4 milhão de brasileiras foram espancadas no ano de 2016 e 1% delas levou, no mínimo, um tiro. Para mudar esse quadro, sugerimos 10 atitudes para combater a cultura do estupro:

1.    Evite o uso de falas que denigram a mulher;
2.    Nunca atribua culpa à vítima;
3.    Posicione-se diante de uma piada ofensiva ou de uma violação trivial;
4.    Diante de um relato de violência, seja solidário;
5.    Pense criticamente nas mensagens da mídia sobre mulheres, homens, relacionamentos e violência;
6.    Seja respeitoso com o espaço físico dos outros, mesmo em situações casuais;
7.    Estabeleça uma comunicação saudável com parceiros sexuais baseada em respeito mútuo e consentimento plenos;
8.    Respeite o tempo que cada um leva para definir o momento e a forma de sua iniciação sexual;
9.    Proteja os direitos dos menores de 14 anos diante de qualquer ato libidinoso, visto que é considerado estupro de vulnerável;
10.    Se você tem filhos, ensine-os a respeitar seu próprio corpo e o corpo do outro.

 

As organizações internacionais de direitos humanos, acreditam que é possível erradicar a violência através de atitudes consciente, por isso, é necessário difundir esse tipo de informação nas varias formas de mídia. Ainda é importante ressaltar também as formas de proteção e denuncia de qualquer violência, seja ela verbal, moral, psicológica, física ou sexual, através do Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), do Disque 100 (Disque Direitos Humanos – visa atender especialmente as populações consideradas de alta vulnerabilidade, como crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, LGBT, pessoas em situação de rua, quilombolas, ciganos, índios e pessoas em privação de liberdade). E também através do aplicativo “Proteja Brasil” – é possível fazer denúncias direto pelo aplicativo, localizar os órgãos de proteção nas principais capitais e ainda se informar sobre as diferentes violações.

*Viviane Vaz
Psicanalista, Missiologa, Escritora, graduanda em filosofia,
autora do Livro “Infância Amputada”
Coordenadora do Projeto NOVA

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