Apresentadora emociona a plateia do Globo de Ouro com um discurso corajoso e comovente
(El País, 08/01/2018 – acesse no site de origem)
Falou de racismo e assédio sexual. Provocou lágrimas e raiva. Arrepiou e deixou palavras para serem lembradas. Reese Witherspoon a apresentou assim: “Quando Oprah fala, todo mundo para e escuta”. Em seguida, Oprah Winfrey subiu ao palco para receber o prêmio Cecil B. De Mille pelo conjunto da carreira. Começou seu discurso. E, de fato, a cerimônia do Globo de Ouro 2018 parecia ter parado e se entregado à apresentadora, atriz e produtora. Havia uma enorme expectativa com relação ao momento em que Winfrey se plantaria diante do microfone. E ela esteve à altura.
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“Em 1964, eu era pequena e estava sentada no piso de linóleo da cozinha, com minha mãe, vendo Anne Bankroft entregar o Oscar de melhor ator. Ela disse cinco palavras: ‘O ganhador é Sidney Poitier’. Nunca tinha visto um homem negro ser homenageado daquele jeito. Já tentei muitas vezes explicar o que isso significa para uma menina”, começou Winfrey. Mais de meio século depois, lá estava ela. Sobre um palco, idolatrada, recebendo um troféu. Para dar o exemplo que recebeu naquele dia: “É óbvio que neste momento haverá alguma menina que vê como sou a primeira mulher negra a ganhar este prêmio. É uma honra e é um privilégio compartilhar a noite com todas elas”.
“Falar a verdade é a ferramenta mais poderosa que temos. Sinto-me inspirada e orgulhosa pelas mulheres que se sentiram fortes para compartilhar suas experiências”, prosseguiu Winfrey. Quis recordar que talvez Hollywoodtenha sido um inferno de abusos, mas agora virou um megafone com o qual combater um problema que é generalizado, porque “afeta raças, religiões e partidos”, segundo ela. “Obrigada a todas as mulheres que suportaram e suportam anos de assédio. Que, como minha mãe, tinham filhos para alimentar e contas para pagar e sonhos para realizar. São as mulheres cujos nomes nunca escutaremos: faxineiras, agricultoras, cientistas, empresárias, esportistas, militares”.
Entre todas elas, Winfrey escolheu um nome: Recy Taylor. Uma história inesquecível, e no entanto desconhecida para muitos. E que agora corre o risco de ser silenciada para sempre, já que Taylor morreu há exatamente 10 dias. Quando era jovem, em 1944, Recy Taylor foi sequestrada por sete homens brancos e armados. Levaram-na a um matagal, e seis deles a estupraram. Desde o primeiro momento ela buscou denunciar publicamente sua tragédia. Mas quem escutaria uma mulher negra? Dois júris – ambos compostos exclusivamente por homens brancos – lhe deram as costas. Tampouco o apoio de vários movimentos pelos direitos dos negros e da ativista mais famosa daqueles anos, Rosa Parks, lhe serviu de alguma coisa. Não houve condenações nem culpados. Apesar disso, Taylor nunca se rendeu. Continuou contando seu drama, até o final de seus dias. Assim fez, por exemplo, num recente documentário de Nancy Buirski, The Rape of Recy Taylor. E, agora que sua voz se calou, Oprah Winfrey quis erguê-la mais forte que nunca.
“Chegou a hora. Recy Taylor morreu sem ver isso. Mas time’s up [‘o tempo acabou’, referência ao movimento de apoio às vítimas de assédio]. Só espero que Recy Taylor tenha morrido sabendo que sua verdade serviu, como a de tantas mulheres maltratadas durante estes anos ou que estão sendo maltratadas agora. Ela está presente aqui quando cada mulher diz: ‘Me too’ [eu também]. E em todos os homens que decidem escutar”, afirmou Winfrey. A essa altura, praticamente toda a plateia já estava de pé. Laura Dern chorava. As câmeras do Globo de Ouro focavam muitas das protagonistas da cerimônia, visivelmente emocionadas.
Winfrey prosseguiu: “Já entrevistei e representei gente que sofreu muitíssimo na vida. O que essas pessoas têm em comum é manterem viva a esperança de um mundo melhor. Quero que todas as meninas que virem isto saibam que temos um novo dia pela frente. E quando esse dia raiar será graças a mulheres magníficas, muitas das quais estão nesta sala. E homens que vão lutar unidos, para se tornarem líderes e para chegarem a esse momento em que nunca será preciso dizer ‘Me too’”. Sob uma chuva de aplausos, seu discurso terminou. A luta contra o assédio continua.
Tommaso Koch