Manifestação foi enviada ao STF contra lei que determina investimento de no mínimo 5% e máximo 15% do montante em campanhas de mulheres
(MPF, 21/02/2018 – acesse no site de origem)
Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o percentual previsto em lei para o financiamento público de campanhas eleitorais de candidatas é insuficiente para proteger o direito político feminino. De acordo com o artigo 9º da Lei 13.165/2015, os partidos devem aplicar, no mínimo, 5% e no máximo, 15% dos recursos públicos de campanha na promoção de candidatas. A PGR, no entanto, diz que a norma é inconstitucional e defende que esse percentual seja de pelo menos 30%, para se adequar ao sistema de cotas para as candidaturas – que deve ser interpretado de forma sistêmica.
A manifestação de Raquel Dodge foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5617. A matéria deve ser avaliada ainda este ano pela Suprema Corte. Na ação, a PGR também questiona o prazo de três eleições, previsto pela lei, para a vigência da destinação dos recursos financeiros às campanhas de mulheres. Para a PGR, cinco anos – ou duas eleições municipais e uma geral – não é tempo suficiente para alterar a desigualdade histórica de gênero que se reflete na baixa presença de mulheres na política brasileira.
A procuradora-geral da República destaca no parecer a importância de se adequar a participação das mulheres na política para superar outros entraves à igualdade de gênero. “Temas como violência contra a mulher, misoginia, inserção e igualdade no mercado de trabalho, garantia de direitos reprodutivos, entre outros, não podem ser adequadamente discutidos sem a presença de mulheres no Parlamento”, ressalta.
Caso o texto da lei permaneça como está, partidos políticos e coligações somente poderão reservar, no máximo, 15% dos recursos públicos para aplicação exclusiva no financiamento de campanhas de candidaturas de mulheres, enquanto poderiam aplicar até 85% desse montante no financiamento de campanhas de homens. Para Raquel Dodge, criar um teto para o investimento em candidaturas femininas impossibilita que, por exemplo, partidos distribuam recursos públicos para financiamento das campanhas de forma igualitária entre candidatos e candidatas. “A participação política em condições reais de igualdade é imprescindível ao empoderamento das mulheres e sua afirmação como cidadãs e verdadeiros sujeitos de direitos”, conclui.
Visibilidade – Levantamento do Senado sobre o tema, feito com homens e mulheres que concorreram às últimas duas eleições, apontou que, para 78% dos entrevistados, o investimento de mais verba do fundo partidário em candidatas aumentaria a representação feminina em cargos eletivos. Além disso, para 84% dos entrevistados, mais espaço na mídia para candidatas ajudaria a aumentar o número de mulheres eleitas.
Para o coordenador do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe), José Jairo Gomes, o incentivo à maior participação da mulher na política passa por uma mudança na metodologia de distribuição de financiamento das campanhas. “Eleição é uma questão de escolha e as pessoas não podem escolher quem elas não conhecem”, pontua. Segundo ele, a distribuição equilibrada desses recursos é fundamental, sobretudo no momento atual, em que o Congresso aprovou a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
“Se a pessoa não tem recurso, ela não fará campanha. Portanto, a população não tem como ser informada a respeito da candidatura”, afirma.Segundo ele, o Ministério Público Eleitoral vai monitorar essa distribuição em 2018, de forma a exigir que o financiamento seja igualitário. “Não adianta exigir a cota se não forem fornecidos os meios de financiamento adequados à divulgação das candidaturas das mulheres”, conclui.
Discrepância – Segundo dados do TSE, as mulheres representam mais da metade do eleitorado brasileiro e 44% dos filiados a partidos políticos. Entretanto, as taxas de ocupação em cargos políticos ainda são muito baixas, cerca de 10% dos cargos no Parlamento. “Definitivamente, as mulheres são sub-representadas nos cargos eletivos. Temos bem menos mulheres eleitas do que homens e isso é uma distorção da política, na medida em que na população o número de homens e mulheres é muito próximo. Esse é o problema que precisa ser enfrentado”, defende o vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques.
Pesquisa do DataSenado feita com eleitores de todos os estados brasileiros aponta que 69% dos entrevistados são a favor da reserva de um terço dos cargos políticos para mulheres. Apesar de todos os esforços, o Brasil ainda ocupa a 154ª posição num ranking de 193 países elaborado pela Inter-Parliamentary Union em relação à participação das mulheres no Congresso. Na avaliação feita pelo Banco Mundial, a proporção de mulheres e homens na política afeta negativamente a criação de políticas sociais e de infraestrutura.
O levantamento Mulheres, Empresas e o Direito, feito em 2016 pelo Banco Mundial, revelou dados que apontam para maior investimento em infraestrutura diretamente relevante para as necessidades das mulheres, quando há maior representação feminina em cargos eletivos. Outro estudo transversal referenciado pelo instituto analisou os gastos do governo durante mais de 35 anos e constatou que os países com cotas no número de legisladoras destinaram mais verbas para serviços sociais e bem-estar do que os países que não tinham essas cotas.
Mobilização – O Ministério Público Federal (MPF) promove, esta semana, uma ação nos veículos institucionais de comunicação e nas mídias sociais para marcar os 86 anos do voto feminino no Brasil, celebrado neste sábado (24). Confira os fatos marcantes da história do voto feminino no Brasil.
A iniciativa busca relembrar as conquistas e debater os desafios ainda existentes para garantir a participação efetiva das mulheres na política brasileira. A ação integra o projeto “MPF 30 Anos Cidadão”. Clique aqui para saber mais.