Na América Latina e no Caribe, onde a maioria dos países criminaliza a interrupção da gravidez, índices seguem como os mais altos do mundo
(O Globo, 21/03/2018 – acesse no site de origem)
A legalização do aborto em países desenvolvidos fez com que as taxas de interrupção de gestações diminuíssem nos últimos 25 anos, revela um estudo divulgado hoje pelo Instituto americano Guttmacher, focado em saúde e direitos reprodutivos. O relatório reúne pesquisas recentes com dados de todo o mundo e conclui que países desenvolvidos que legalizaram o aborto puxaram taxa global para baixo e que os procedimentos de interrupção de gravidez se tornaram mais seguros. Nações da América do Norte e da Europa foram os que apresentaram os menores índices. Países em desenvolvimento, como o Brasil, ficaram de fora dessa tendência. A região que abrange América Latina e Caribe segue com os índices mais altos do planeta.
As nações mais ricas foram as principais responsáveis pela queda na média global:
passaram de 46 para 27 abortos a cada mil mulheres em idade reprodutiva. Nos países
em desenvolvimento a taxa se manteve estável, passando de 39 para 36 para cada mil mulheres em idade reprodutiva.
O número de gestações indesejadas, no entanto, caiu em todo o mundo: de 74 para 62 a cada mil mulheres em idade reprodutiva. A região da América Latina e Caribe têm o índice anual mais alto: 44 abortos a cada mil mulheres em idade reprodutiva. Na América do Norte, esse índice cai para menos da metade: 17.
A vice-presidente de pesquisas internacionais do Instituto Guttmacher, Susheela Singh, afirma esperar quedas ainda maiores para o futuro.
– Melhoras no uso de contraceptivo e a queda no número de gestações não desejadas são,
provavelmente, os fatores que puxaram as taxas de aborto para o declínio. O acesso a contraceptivos é um ponto crítico para puxar esses números ainda mais baixo.
Criminalização não impede a escolha pelo aborto
Os dados levantados mostram que países onde a interrupção da gravidez é proibida, ou aceita apenas em casos de última opção para poupar a vida da gestante, as taxas de aborto não são menores. Na realidade, o índice chega a ser um pouco mais alto nestes locais. Países onde a prática é proibida por lei têm o índice de 37 por mil, enquanto em países onde o aborto não é proibido a taxa é de 34 casos a cada mil mulheres. Ou seja, criminalizar não impede que o aborto aconteça, explica o estudo:
– Na realidade, esses países fazem subir a possibilidade de que os abortos sejam feitos de
forma arriscada, porque eles forçam as mulheres a procurarem clínicas clandestinas. Dessa forma, procedimentos abortivos tendem a serem mais seguros em países onde são completamente legalizados e em países com Produto Interno Bruto alto.
A interrupção de uma gestação é considerada segura quando envolve um profissional treinado e um método recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Dos 56 milhões de procedimentos realizados anualmente entre 2010 e 2014, 55% foram considerados seguros. A taxa de segurança subiu por conta dos avanços nas diretrizes clínicas e da ampliação da legalidade em vários países.
Uso de pílula ajudou a aumentar a segurança
Mesmo nos países onde as leis são extremamente restritivas, o aumento no uso de misoprostol – um fármaco que induz o aborto – também ajudou a aumentar os índices de segurança das mulheres que escolheram por interromper a gravidez. Mesmo quando manipulados por uma pessoa sem treinamento, o misoprostol é mais seguro do que métodos tradicionais utilizados em clínicas clandestinas, que costumam usar substâncias tóxicas ou ferramentas dilacerantes.
Sneha Barot, Gerente Senior de Políticas Públicas no Instituto Guttmacher Institute, explica que ainda há muito o que fazer em relação à legalização:
– Melhorias nas leis relativas a aborto, diretrizes de serviço e de práticas seguras em um grande número de países tornaram o aborto mais seguro na média global. No entanto, milhões de mulheres vivendo em países onde o aborto é altamente recriminado continuam sofrendo com as consequências negativas de práticas abortivas inseguras.
Por Helena Borges