Mestre em filosofia faz palestra gratuita em Brasília nesta segunda (23), às 19h.
(G1, 23/04/2018 – acesse no site de origem)
Autocrítica e diálogo com os movimentos sociais é o caminho que a filósofa Djamila Ribeiro enxerga para um cenário político mais otimista após as eleições, em 7 de outubro. Segundo ela, é preciso que os partidos – especialmente os de esquerda – repensem o modus operandi da política e tentem ouvir “o quê os movimentos estão falando”.
“É preciso encontrar uma forma de interligar todas essas lutas e não de lutar de maneira tão separada.”
Djamila participa de um debate sobre diversidade cultural e de gênero às 19h desta segunda-feira (23) no Museu Nacional da República – a entrada é gratuita. Em entrevista ao G1, ela comentou sobre avanços conquistados pelos movimentos sociais, retrocessos políticos e polarização ideológica (leia entrevista abaixo).
O debate faz parte do Diálogos Contemporâneos, evento que ocorre até 12 de junho em Brasília e em Campo Grande, e levanta questões de relevância nacional – lutas indígenas, protagonismo feminino, mundo digitalizado, diversidades cultural e de gênero, patrimonialismo, religião e cultura do consumo.
Leia entrevista completa:
G1: Os avanços conquistados pelas mulheres, pela população negra e pelas pessoas LGBTI estão ameaçados?
Djamila Ribeiro: Acredito que sim, porque nenhum direito conquistado é permanente. Inclusive já foram tomadas medidas que atingem essas populações. A reforma trabalhista é uma delas, que vai atingir a todos e ainda mais os grupos vulneráveis. Assim como a PEC [241] que congela investimentos em saúde e educação. Isso tudo nos atinge indiretamente, porque somos os mais vulneráveis.
“Há uma dificuldade no Brasil que é não lidar com os direitos de grupos com um olhar interseccional, transversal.”
Por exemplo, numa pauta mais específica, como violência contra mulher e feminicídio, especialmente das mulheres negras, essa consciência tem crescido, porque é algo que nos atinge diretamente, é mais específico, então as pessoas entendem.
Mas, de maneira geral, as medidas amplas que afetam esses grupos de forma indireta são mais dificilmente compreendidas pela população.
G1: O que é preciso ser feito para que as conquistas não sejam perdidas?
Djamila: Não tem muita saída a não ser seguir fazendo o que já vem sendo feito.
Os movimentos sociais têm um trabalho histórico de resistência e acho que é preciso continuar lutando no campo institucional e por meio das organizações populares.
Vemos candidaturas de mulheres com posicionamentos claramente feministas e isso é importante, mas tem que haver um entendimento, sobretudo das esquerdas, sobre o quê os movimentos [dos negros, das mulheres, da população LGBTI] estão falando.
É preciso encontrar uma forma de interligar todas essas lutas e não de lutar de maneira tão separada. Essas demandas são fundamentais para pensarmos projetos de sociedade.
G1: O que as manifestações de preconceito contra estes grupos revela sobre o atual momento político?
Djamila: O discurso reacionário não deixa de ser uma reação aos avanços conquistados nos últimos anos em relação a alguns grupos. Sobretudo a população negra obteve políticas muito importantes, entraram nas universidades e, de alguma maneira, há quem reaja para barrar esses avanços.
G1: O que a morte da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco revela sobre este cenário?
Djamila: Foi um recado sobretudo para as mulheres com a origem dela. Mostrou o que pode vir a acontecer caso a gente queira enfrentar o sistema. Ela tinha uma posição muito de luta, de enfrentamento, vinha fazendo denúncias importantes sobre como a população negra e, principalmente, a juventude negra é tratada no Brasil.
Num primeiro momento, todas nós ficamos com medo. Mas isso também fez surgir mais consciência do quanto a gente precisa ocupar esses espaços.
G1: Você acredita que as pessoas estejam mais politizadas, informadas e conscientes?
Djamila: Tudo na vida é política, né? O pensamento político pode te levar um ponto de mudanças emancipatórias e os movimentos sociais têm importância significativa na disputa de narrativas.
Pensando que metade da população tem acesso à internet, pelo menos nos centros urbanos, você vê meninas que pensam coletivamente, que se engajam em movimentos feministas, por exemplo.
A internet facilita essa comunicação, mas o fato de a gente não ter uma democratização maior do acesso, especialmente à educação, no campo macro, muitas pessoas acabam não usufruindo disso. E ainda tem o reacionário, que também entendeu que a internet é um espaço importante de comunicação.
G1: Você acredita que a internet se tornou um meio de disseminação de preconceitos e mensagens de ódio?
Djamila: Existe muita fake news circulando e, muitas vezes, as pessoas não se preocupam em se aprofundar nos assuntos.
Todo mundo acha que pode falar sobre tudo sem, de fato, entender e isso dificulta o debate. Porque você parte de dados e estudos para questionar algo e as pessoas te contrapõem com o quê elas acham.
Mas isso não é exatamente um problema das redes sociais [digitais]. Essas pessoas sempre pensaram assim, já falavam essas coisas e passaram a usar a internet para isso. A internet só acaba amplificando a voz dessas pessoas.
G1: Como você enxerga o Brasil após as eleições?
Djamila: Prefiro nem pensar. Ainda não consigo nem traçar um diagnóstico, porque está tudo tão bagunçado. Estamos vendo processos tão violentos de falência institucional, desde quando a presidente [Dilma] foi deposta da maneira como foi, várias coisas em relação à prisão do Lula.
Quanto a isso, aliás, é preciso ver que, independentemente das críticas ao governo, o grande problema é arbitrariedade disso [das decisões da Justiça], especialmente enquanto outros continuam sem ser punidos.
A classe política precisa de fato repensar [as formas de atuação] e entender que não dá para pautar projetos de poder. É preciso pensar em projetos de sociedade e, para isso, tem que haver autocrítica e diálogo com os movimentos.