Aos 54 anos, ela é prefeita da cidade de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul: “Sinto que a política me tornou uma pessoa mais forte”, afirma em entrevista ao HuffPost Brasil.
(HuffPost Brasil, 03/05/2018 – acesse no site de origem)
“Vier, Fleck, Klauck, Rübenich, Wolf, Mallmann, Dexheimer, Stein, Schwengber und… Silva!”. Tânia Terezinha, a dona deste último sobrenome, se diverte ao mostrar a galeria de retratos dos prefeitos que Dois Irmãos, cidade a 62 km de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, já teve desde sua emancipação, em 1959. Ela é a décima administradora da cidade: a primeira que não tem sobrenome alemão, a primeira mulher e a primeira mulher negra.
Do alto do salto agulha e empinando um penteado à base de tranças nagô, parece ter bem mais que seu 1,69 m de altura. E a presença de Tânia, aos 54 anos, é indistinguível: fala alto e cumprimenta todo mundo por onde passa, seja conhecido ou não, com sorrisos e beijos.
“Se precisamos carregar um piano, podemos carregá-lo com várias mãos. E sorrindo.”
Nascida na vizinha Novo Hamburgo, a técnica em enfermagem foi adotada por Dois Irmãos há 24 anos, pois era concursada da prefeitura local. À época, ela fazia parte da equipe da unidade móvel de saúde da cidade. A personalidade expansiva e carismática conquistou os moradores – e a atenção dos políticos locais. Foi convidada a filiar-se ao MDB (na época ainda com o nome PMDB) em 1995. “Acho que o partido viu potencial em mim para conseguir votos [para a legenda]. Fui eleita vereadora em 1996, para a surpresa de todos – mas não minha, porque eu trabalhei muito”.
Cumpriu o primeiro mandato com os filhos, ainda pequenos, a tiracolo. Levava Pablo e Hohana para as sessões semanais da Câmara. “Dentro de nós, não conseguimos separar a mulher da política. Temos dentro de nós o DNA do cuidar. Homem chega em casa e vai dormir, a mulher sente a obrigação de saber o que está acontecendo, organizar a casa, e ainda nos sentimos culpadas”, reflete. Mesmo consciente das diferenças de gênero e raça, e da escassez de mulheres e de negros em cargos eletivos, Tânia diz ser contra a subdivisão dos partidos em alas de mulheres, negros e LGBTs. “Segmentar nos fragiliza ainda mais”, opina.
Filha de uma empregada doméstica e de um caminhoneiro, a caçula de seis irmãos só tem boas lembranças da infância. Recorda que, quando bebê, era cuidada pelos irmãos mais velhos, que a deixavam em um canto da pracinha da região em que viviam para jogar bola. E que o pai, quando conseguiu o emprego de motorista de uma família rica, de vez em quando a levava para passear de “carrão”. Aos nove anos, saía da escola e ia de ônibus encontrar a mãe, então merendeira de uma escola da prefeitura. Começou a trabalhar os 16 anos. “Posso ter passado vontade de comer, mas nunca passei fome. Aprendi a ser esperta desde cedo, tinha de me virar”.
“Não sou vítima de nada. Represento as minhas escolhas, e eu sempre busquei ser feliz.”
Em 2000, tentou a reeleição e não conseguiu. Tânia havia se divorciado no ano anterior. Entrou na campanha fragilizada, com a cabeça em outro lugar, e aprendeu que “quando se entra em alguma coisa, tem de entrar cravando” (expressão que emprestou do vôlei, esporte que adora). E por isso decidiu não voltar aos palanques até 2008, quando entrou no pleito para cumprir a cota de candidatas mulheres. “Eu não queria de jeito nenhum, mas por pressão do partido, fui para o sacrifício”. Desta vez, fez campanha “cravando”, e sagrou-se a vereadora mais votada da história de Dois Irmãos. Naquela gestão, também foi a primeira mulher a assumir a presidência da Câmara Municipal, e seu nome começou a aparecer nas prévias para a prefeitura. “Fiquei muito orgulhosa e feliz. Havia nomes mais tradicionais, homens, brancos, de origem alemã. E eu, mulher, negra, divorciada, alegre, toda errada!” [risos].
Ela e seu vice, Jerri Adriani Meneghetti, não eram favoritos. Ambos correram por fora, gastaram os sapatos e foram eleitos. Ela lembra da tensão durante a apuração dos votos: “Foi o terceiro momento mais emocionante da minha vida, depois dos meus dois partos”, lembra. Quatro ano depois, foi para o páreo de novo e, se na primeira vez tinha vencido por uma diferença de 600 votos, em 2016, a vantagem foi de 3.500 votos.
“Sinto que a política me tornou uma pessoa mais forte. Aprendi a dizer não e a dizer sim; a deletar o que pode ser descartado e priorizar o que é mesmo importante.”
Mas por enquanto, basta. Tânia afirma que, neste ano, não será candidata “de jeito nenhum”. Canceriana que é, pretende voltar a trabalhar na saúde e ficar mais tempo com a mãe, de 89 anos: “Sinto a culpa do mundo inteiro. Antes, era pelos filhos, agora é pela minha mãe”.