A menos de quatro meses da disputa presidencial, um terço do eleitorado brasileiro não tem candidato. A atual rejeição aos nomes que tentam consolidar sua candidatura, porém, não é uniforme: a indefinição do voto feminino hoje é muito superior a do masculino, indicando que a escolha delas terá um peso importante para definir o quadro eleitoral daqui para frente.
(BBC News Brasil, 22/06/2018 – acesse no site de origem)
As mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). E a incerteza delas se intensifica ainda mais com a saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da disputa, cenário hoje mais provável devido à sua condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Segundo a última pesquisa do Instituto Datafolha, se a eleição presidencial tivesse ocorrido no início de junho com outro petista na disputa (Fernando Haddad ou Jaques Wagner), 41% das eleitoras brasileiras não teriam escolhido qualquer candidato. Essa é a soma das que responderam que não sabiam ainda em quem votar ou que votariam em branco ou nulo. Já no caso dos homens, esse percentual cai para 25%.
Quatro anos atrás, em junho de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) concorria à reeleição contra Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), a indefinição entre os homens era parecida (24%), mas entre as mulheres menor do que agora (34%).
Cruzamentos das respostas de intenção voto disponibilizados pelo Datafolha a pedido da BBC News Brasil mostram que o percentual de indecisão das eleitoras é ainda maior entre as de menor renda (45% das que ganham até dois salário mínimos) e supera metade do eleitorado feminino no Nordeste (52% das moradoras daquele região estão sem candidato).
Em meio a essa indefinição, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) desponta como líder nas pesquisas com até 19% de intenção de voto, apoiado principalmente pelo eleitorado masculino, seguido dos outros pré-candidatos Marina Silva (Rede, com até 15%), Ciro Gomes (PDT, até 11%) e Geraldo Alckmin (PSDB, máximo de 7%).
Se considerado apenas o eleitorado feminino, a líder é Marina, com 17%, contra 12% de Bolsonaro, aponta o Datafolha – entre os homens, a situação se inverte, com os dois recebendo 12% e 26%, respectivamente. Quando analisada a renda, a ex-senadora é líder apenas entre as pessoas com até dois salários mínimos, enquanto o deputado aparece na ponta em todas as outras faixas. O mesmo acontece regionalmente: ela està à frente no Nordeste, e ele, em todas as outras regiões.
Diante do alto número de indecisas, o candidato que conseguir atrair o eleitorado feminino de menor renda, em boa parte órfão de Lula, terá mais chances de passar ao segundo turno, afirma Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências.
“A definição do cenário deve vir mais da redução dos indecisos do que da mudança de quem já escolheu um candidato. Nesse sentido, a mulher da baixa renda do Nordeste é o primeiro eleitor que pode mudar a cara da campanha”, avalia Cortez.
“Difícil saber como o eleitorado feminino vai se comportar, mas sem dúvida elas vão ser importantes para definir (a eleição) porque os votos brancos e nulos vão ser disputados a tapa”, acredita também a cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, que estuda o eleitor de Bolsonaro ao lado da antropóloga Lúcia Scalco.
Por que muitas delas não têm candidato?
O cientista político Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ressalta que programas sociais importantes criados no governo Lula são focados nas mulheres chefes de família – elas que em geral recebem o benefício do Bolsa Família ou ficam com a escritura do imóvel no Minha Casa, Minha Vida.
Na sua opinião, isso ajuda a explicar porque muitas gostariam de votar nele e ficam indecisas com sua retirada da disputa.
“Quanto a Bolsonaro, posturas francamente misóginas do candidato colidem com a aspiração das mulheres de reconhecimento e, ainda mais, de empoderamento. Vai ser difícil para ele diminuir o gap (buraco) de gênero revelado nas suas intenções de voto”, opina ele.
Mas embora o índice de mulheres sem candidato recue para 26% no cenário do Datafolha em que Lula é apresentado na disputa, a taxa continua superior à dos homens (15%).
Para analistas ouvidas pela BBC News Brasil, a indefinição maior das eleitoras nos diversos cenários se explica pela exclusão das mulheres da política. Hoje elas somam apenas um décimo dos parlamentares no Congresso Nacional, e são só duas dos 27 governadores do país – Cida Boghetti (PP), no Paraná, e Suely Campos (PP), em Roraima.
Pinheiro-Machado, que pesquisa há um década a relação dos jovens com a política, conta que, ao fazer entrevistas no último ano em escolas de periferia no Paraná, tem observado um desinteresse das garotas em discutir os candidatos, enquanto os rapazes costumam mostrar um conhecimento sobre Lula e uma simpatia por Bolsonaro – atraídos por sua imagem de masculinidade, associada a temas como a defesa da posse de armas.
“É bastante natural que as mulheres tenham um ressentimento porque a política brasileira é muito patriarcal. O brasileiro médio não se vê representado pelas estruturas de poder político, e a mulher muito menos ainda”, concorda a cientista política Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para Malu Gatto, professora de política latino-americana na Universidade College London, na Inglaterra, o contexto político conturbado do país hoje ajuda a explicar porque a indefinição neste ano é ainda maior do que na eleição passada.
Como as candidaturas ainda não estão fechadas e os presidenciáveis ainda não estão em campanha, o eleitorado não tem informação suficiente para definir o voto, observa.
Além disso, é evidente uma alta da desconfiança na política após sucessivos escândalos de corrupção e uma troca de governo – a entrada de Michel Temer (PMDB) no lugar de Dilma – que não devolveu o otimismo aos brasileiros.
A pesquisa do Datafolha mostra que o aumento de eleitoras sem candidato agora em comparação com junho de 2014 se deve ao forte crescimento das que pensam em votar nulo ou branco (de 18% para 33%). As que respondem não saber em quem votar, por sua vez, votar caiu no período (de 16% para 8%).
“Estudos da psicologia comportamental mostram que mulheres tendem a tomar menos riscos. Então essa falta de informação sobre os candidatos, combinada a um contexto de grande desconfiança na classe política, pode estar levando as mulheres a estarem menos dispostas a declarar voto a um candidato especifico tão cedo”, ressalta Gatto.
Clareza nas propostas
A BBC News Brasil conversou com três mulheres nordestinas sobre sua indecisão para o pleito presidencial – todas afirmaram que ainda esperam o quadro de candidatos se definir melhor para pesquisar sobre eles e decidir seu voto.
Além da indefinição, outro fator que une as três é uma rejeição a Bolsonaro. Os números do Datafolha mostram que o deputado tem apenas 4% de intenção de voto entre as nordestinas, enquanto entre os homens da região o índice chega a 19%.
“Tenho um grupo de WhatsApp com parte da família apenas para discussão de política. São quatro mulheres e cerca de quinze homens, a maioria deles vota no Bolsonaro”, diz Priscila de Araújo Barbosa, 34 anos, assistente administrativa no Recife.
Antiga eleitora do Lula, ela diz, por outro lado, que também não teria intenção de votar nele dessa vez porque acredita ser momento de renovação. Para definir seu voto, está em busca de honestidade sobre a realidade do país e clareza nas propostas.
“O principal é ser extremamente honesto, que diga: ‘a situação real da economia é essa, da política é essa, vamos trabalhar em cima disso’. Acho que acaba sendo uma utopia”, afirma, desanimada, mas ressaltando que não quer “desperdiçar o direito ao voto” optando pelo branco ou nulo.
Já Elaine Cristina Gurgel, de 39 anos, professora e gestora de uma escola municipal em Janduís, no oeste do Rio Grande do Norte, faz parte da maioria de nordestinas que gostaria de votar em Lula – o petista aparece com 52% de intenção de voto entre as mulheres da região.
Ela acredita que a condenação do ex-presidente é fruto de perseguição política e atribui a ele a melhoria nas condições de vida dos mais pobres.
Ainda assim, decepcionada com Dilma, Gurgel diz que não sabe se votará de novo em um candidato apoiado por Lula e cogita anular seu voto pela primeira vez.
“A Dilma não atingiu as expectativas que esperávamos. Eu tenho medo que aconteça a mesma coisa ou até pior com esse nome que ele venha a apresentar. Poderei votar mas vou ter que fazer uma análise”, afirmou.
Mas não são apenas as eleitoras mais fiéis ao PT que estão indecisas. A baiana Juliana Muniz Gonçalves, de 26 anos, que atualmente trabalha como vendedora de brigadeiros em Irecê, no interior do estado, foi favorável ao impeachment de Dilma.
Agora, porém, diz que prefere anular o voto a dá-lo a algum candidato apoiado pelo presidente Temer. Ela rechaça Bolsonaro, que classifica de “homofóbico” – algo que o pré-candidato nega ser.
Dos principais nomes que hoje se apresentam para a disputa, ela diz que Ciro e Marina são nomes que está disposta a avaliar. Na última eleição, ela queria votar em Eduardo Campos (PSB), que acabou morto em um acidente de avião. Sem essa opção, não lembra qual número escolheu na urna.
Desconfiada dos políticos em geral, ela reconhece ter pouca “consciência política”.
“Esse ano eu não consigo ver um candidato, até porque não foram lançados mesmo os candidatos a presidente. E eu tento fugir de qualquer discussão política no Facebook, ou qualquer outra coisa”, disse.
Mariana Schreiber